domingo, 27 de maio de 2012

'Sofri bastante nos meus primeiros anos de Brasil


CLÁUDIO MARQUES - O Estado de S.Paulo - 20/05/2012
Rolland de Bonadona, Diretor Geral do Grupo Accor na América Latina
O choque cultural sofrido no Brasil pelo francês da pequena cidade de Chatou Rolland de Bonadona, de 62 anos, começou já no dia da sua chegada: na posse de Fernando Collor e do confisco da poupança. O abalo do administrador com pós-graduação em sociologia foi causado não apenas pela dureza da medida, mas também pela pouca reação popular à medida. Enviado pelo Grupo Accor, de hotelaria, Bonadona amargou um período de vacas magras que só começou a mudar com o Plano Real - meses antes ele havia se tornado o diretor-geral da empresa para a América Latina. Hoje, ele e a rede dona das marcas Ibis, Novotel, Sofitel e Mercure querem surfar na onda atual de expansão. Mas os resultados mostram que os negócios do Accor América Latina vão de vento em popa: fechou o ano de 2011 com um volume de negócios de US$ 1,03 bilhão, representando crescimento consolidado de 27,8%. O Brasil respondeu por aproximadamente 90% deste montante. E os planos de expansão prosseguem, mesmo depois de ter inaugurado, em 2011, 13 novos hotéis e 2.088 quartos na América Latina, sendo nove no Brasil, 1.366 quartos. Bonadona começou a trabalhar em 1973 como trainee numa empresa de restaurante que posteriormente foi incorporada ao Grupo Accor. A seguir, trechos da entrevista.
Como foi chegar ao País com planos de expansão e se deparar com o confisco da poupança?
Passamos três anos praticamente parados, não tínhamos como fazer alguma coisa. Mas há momentos em que se está numa onda boa para surfar. Aí, tem de surfar e crescer, como é o caso hoje. E há momentos nos quais é preciso adotar atitude defensiva para sobreviver enquanto a situação não permite fazer muita coisa. Foi difícil naquela época em que eu ainda não era diretor-geral da empresa. Mas tive sorte, pois assumi a direção da empresa em 1994, justamente no ano do Plano Real. Mas até lá foi uma situação especialmente ruim para a hotelaria. Houve os planos Collor 1 e 2, mas a inflação continuava, e a hotelaria não convive com inflação, convive muito mal com juros alto, convive mal com pouco crescimento econômico também. Era uma situação muito adversa, a tal ponto que estava até imaginando voltar para a Europa.
Foi o seu maior desafio?
Sim, foi o maior. Passar pelos quatro anos desde 1990 até 1994 foi a situação mais crítica que eu já vivi. Mas acaba-se aprendendo muito nesses períodos. Não vou dizer que só se aprende nos períodos de dificuldade, mas se aprende muito nessas fases. E elas também fortalecem muito a personalidade.
Mas não teve seus momentos de desânimo ou, como o senhor disse, de querer voltar?
Na verdade, as pessoas que são expatriadas passam um determinado tempo fora e depois voltam para seu país. Bom, a minha ideia não era ficar muito tempo aqui, mas eu tive a oportunidade de assumir a direção da empresa, o que para mim era interessante mesmo numa época difícil, então eu fiquei. Eu fiz bem. De vez em quando, tem que se ter sorte também (risos). Foi o ano certo, porque nós não sabíamos que haveria o Plano Real e que ele seria bem sucedido. Há sempre duas coisas neste País de muitos paradoxos: tem sempre a dificuldade e tem as coisas boas. E mesmo quando a situação é ruim, as pessoas aqui ficam com esperança, otimismo e alegria. No meu país, por exemplo, mesmo quando as coisas estão bem, as pessoas continuam pessimistas. E quando estão ruim, nem é preciso dizer. E aqui ninguém perdeu a esperança naquela época. Afinal, na hotelaria, o Brasil é um país de muitas oportunidades. A taxa de hotéis é pequena. É preciso modernizar, tem que capacitar os profissionais, mas há muita coisa para fazer. Como já estávamos aqui antes do Plano Collor, sabíamos que o negócio iria continuar.
São três momentos: a chegada no dia do Plano Collor, a promoção e o Plano Real e agora com a perspectiva de Copa e Olimpíada e a urgência de aumentar o número de hotéis no Brasil.
A Copa e os jogos, na verdade, simbolizam um momento de grande expansão do Brasil e um momento de despertar de interesse da parte do resto do mundo pelo País. Só que nós estamos aqui desde 1975. E quando digo nós refiro-me ao grupo Accor, que está presente em 90 países. Então, a situação não é novidade para nós. Esse interesse e essa percepção para novos negócios existem muito antes dos jogos. Ou seja, já estávamos crescendo, lançando projetos novos, formando mais parcerias, capacitando mais profissionais, lançando inovações antes de sabermos que haveria a Copa, e Jogos Olímpicos. Já tínhamos muitos projetos, nós estamos com mais de 150 hotéis aqui, a metade nas 12 cidades da Copa. Não é porque sabíamos que um dia ia ter a Copa, mas porque são as maiores cidades do Brasil, são centros econômicos e com perspectivas de expansão. Na nossa carteira de futuros projetos, a metade deles também está nessas cidades. Esses contratos novos já estavam em andamento. Então, neste momento em que há uma janela de desenvolvimento, podemos capitalizar em cima do que já fizemos nos anos anteriores, que eram realmente anos mais difíceis, e surfar essa famosa onda de desenvolvimento.
O senhor tem planos de carreira, ser presidente do grupo?
Não, meu plano é América Latina, eu adoro esta região, sinto-me muito bem aqui, uma região de oportunidades, onde as pessoas trabalham com muita garra. Hoje, estamos na liderança do mercado. Temos um plano de expansão de 100 hotéis na América Latina, atualmente temos 180. Ou seja, eu tenho 62 anos e tenho muita coisa para fazer aqui até os 65 anos, que é o limite na Accor. Eu sofri bastante nos primeiros anos, então agora eu tenho direito a... (aproveitar). Dá o sentimento de que aqui é importante.
São ciclos?
Ciclo existe em todos os lugares, mas aqui no Brasil as variações são muito maiores. Assim, quando a situação é boa, tem que botar muita energia para não perder essas oportunidades. Uma janela de oportunidades aqui não é para olhar e pensar o que eu vou fazer. Tem que entrar, correr e saber. E nisso a sensibilidade ajuda muito. A percepção que se tem das coisas faz correr na hora certa.
É como uma montanha russa?Não é tanto assim, mas tem essa característica.
Esse sobe e desce dá...
Dá ânimo (risos).
Um profissional que passa por esses ciclos é mais capacitado? Aprende mais?
Aprende a ser muito reativo. Não se consegue ser tão planejado como na Suíça ou Alemanha. Porque, aqui, se sabe que, de um dia para outro, muda tudo, e aí tem que se adaptar. Ou uma situação que era sem perspectivas, no dia seguinte aparecem muitas perspectivas. E aí tem que reagir. Enquanto lá, você sabe que pode se programar. Então, é preciso muito mais agilidade para fazer as coisas do que em outros lugares.

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