sábado, 12 de maio de 2012

O que está em jogo?



A paz mundial ou a harmonia em casa. Ambos são objetivos que William Ury, especialista em negociação da Harvard Business School, persegue. Com isso em mente, ele estuda como podemos lidar com as mais profundas diferenças entre as pessoas. Tais diferenças, somadas a nossa natural propensão ao conflito, podem criar um ambiente de intolerância e animosidade que dificulta o fechamento de um negócio ou mesmo deflagra uma guerra. Por isso é tão importante entender o que há por trás do que os negociadores dizem.

Durante palestra ministrada em uma das rodadas do TED, Ury declarou que acreditava ter encontrado o segredo da paz. Ele assinalou que, quando se pensa em um conflito, pensa-se normalmente em duas pessoas ou dois grupos adversários, cada um de um lado. “Mas há um terceiro lado, e o terceiro lado do conflito somos nós, a comunidade do entorno, os amigos, os familiares”, disse. Para ele, o principal papel do terceiro lado é lembrar as outras duas partes que polarizam o conflito sobre o que realmente está em jogo. Em um conflito étnico, por exemplo, podem estar em jogo fatores que ameaçam o futuro de toda uma sociedade.

Numa dimensão menor, talvez até cotidiana, para sabermos o que realmente está em jogo, é preciso investigar o que há por trás das posições que as pessoas adotam, por trás do que dizem. Em entrevista concedida à HSM Global, Ury relembrou o caso de uma empresa de sorvetes norte-americana que estava em vias de ser comprada por uma multinacional europeia. A certa altura, os negociadores chegaram a um impasse, porque o dono da empresa insistia em receber 10% a mais pela venda, mas a compradora já tinha atingido seu limite.

Tudo indicava que o negócio não aconteceria, até que o vice-presidente da multinacional resolveu entender o porquê do apego aos 10% a mais. O fato era que o dono da empresa de sorvetes pretendia fazer algo pelo meio ambiente. Então, desejava estabelecer uma fundação com os 10%. Assim, o vice-presidente europeu identificou um ponto de afinidade, pois sua empresa estava justamente implantando uma instituição com esse mesmo objetivo. Conclusão: o dono da empresa de sorvetes foi convidado a presidir essa fundação e aceitou. Desse modo, abriu mão dos 10%.

Virtual e veloz

Em entrevista concedida à HSM Management, Ury foi indagado sobre como é possível descobrir as verdadeiras intenções das pessoas quando as pessoas se comunicam por canais que limitam o contato pessoal. “Torna-se cada vez mais importante consultar outros que tenham feito negócio com essas pessoas”, respondeu. Ele acrescentou: “Quase todos possuem um histórico e uma reputação. Você pode, por exemplo, consultar pessoas de sua empresa que já lidaram anteriormente com o mesmo cliente. Ou pode sair e falar com fornecedores, banqueiros, advogados e outros profissionais que possam conhecer a pessoa.”
  
O professor, que conduzirá o Seminário HSM de 30 de novembro em Porto Alegre, recomenda que as empresas reúnam sistematicamente informações sobre os interesses de seus clientes e parceiros potenciais. A receita é fazer o máximo de perguntas possível. “Diga-lhes que gostaria de satisfazer suas necessidades, mas que, para tanto, precisa entender melhor essas necessidades. Ou tente fazer um resumo do que você sabe serem tais necessidades e prioridades e envie-o a eles para que façam as correções”, orienta.

Além de fisicamente distantes, os negociadores de hoje têm menos tempo do que os de algumas décadas atrás. Segundo Ury, o fator tempo afeta enormemente a negociação. Para ele, negociar e formar relacionamentos de confiança leva tempo. Negociar com rapidez é uma possibilidade apenas se a relação de confiança já existir.

O famoso investidor norte-americano Warren Buffet e o então presidente da Capital Cities, Thomas Murphy, protagonizam um caso que exemplifica uma negociação relâmpago. Buffet e Murphy estavam planejando, com o dinheiro de Buffet e a administração de Murphy, adquirir a rede de televisão ABC. Eles já tinham uma relação de confiança instaurada, mas precisavam chegar a um acordo quanto ao volume e o preço das ações que Buffet ia receber. Buffet perguntou a Murphy se ele já havia pensado no assunto e Murphy passou a bola para Buffet, que fez uma proposta que foi aceita. Foi uma negociação de US$ 500 milhões feita por telefone em 15 segundos.

Ciente de que seu patrimônio mais valioso é sua reputação, o negociador bem-sucedido age segundo o mote: “Vá devagar para conseguir andar rápido” –algo muito difícil de exercitar em tempos atuais, em que a pressão por resultados e o fluxo de informações chega de todos os lados, inundando nossa caixa de entrada de e-mails.

Quando o assunto é volume de demandas, Ury, coautor do aclamado livro Como chegar ao sim!, diz que é preciso saber dizer “não”. Esse é provavelmente o maior desafio que enfrentamos hoje, na Era da informação. A fim de dizer “sim” para nossas prioridades, temos de dizer não para muitas outras coisas.

Mantendo a perspectiva

Ury afirma que negociar é criar uma ponte para a outra parte, de modo que ela avance na direção de uma solução por nós desejada. No entanto, quando estamos dentro do conflito, é muito fácil perder a perspectiva e o rumo. Para conceber a ponte, é fundamental tentar sair da situação e vê-la com outros olhos. Foi o que uma sábia senhora do Oriente Médio conseguiu fazer.

O professor se recorda de uma velha história da tradição árabe. Um homem havia deixado 17 camelos para seus filhos, assim distribuídos: para o primogênito, a metade dos animais. Para o segundo filho, um terço deles e, para o terceiro, um nono. O problema começou porque 17 dividido por dois não resulta em número inteiro e não se poderia cortar um camelo pela metade. Dezessete, número primo, também não é divisível por três ou por nove.

Diante da iminência de uma briga, os irmãos decidiram procurar uma anciã sábia que lhes ofereceu o camelo que possuía, já que 18 é divisível por dois, três e nove. O primogênito, então, ficou com sua metade, 9 animais. O irmão do meio dividiu 18 por três: seis camelos. E o caçula conseguiu seus dois camelos. Eis que nove mais seis mais dois é igual a 17. Sobrou um camelo, então, que foi devolvido à anciã. “Encontrar o 18º camelo nos conflitos é a paixão de minha vida”, revelou Ury.

Referências:

HSM GLOBAL. “Negociaciones efectivas, William Ury”. Arquivo em vídeo disponível online em <http://ar.hsmglobal.com/contenidos/videoteca_detalle.html?idAdjunto=38284>. Acesso em 13 out. 2011.

HSM GLOBAL. “William Ury, expert in negotiation, explains how to effectively persuade and cajole the other side”. Arquivo em vídeo disponível online em <http://us.hsmglobal.com/contenidos/videoteca_detalle.html?idAdjunto=46800>. Acesso em 13 out. 2011.

SALIBI, J. “Negociar na Era da Informação”. HSM Management, ed. 15, jul.-ago 1999, p. 6.

TED Talks. “William Ury: helping people get to yes”. Disponível online em <http://www.williamury.com/events/speaking-topics>. Acesso em 13 out. 2011.

URY, W. “The power of a positive no”. HSM Global. Disponível online em <http://us.hsmglobal.com/notas/53361-the-power-of-positive-no-by-william-ury>. Acesso em 12 out. 2011.


Por Alexandra Delfino de Sousa, administradora de empresas e diretora da Palavra-Mestra.

Portal HSM
14/10/2011


Fonte http://hsm.com.br/artigos/o-que-esta-em-jogo

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