domingo, 25 de outubro de 2015

Queime seus barcos!

Em 1519, Hernan Cortez e mais 600 espanhóis, 17 cavalos e 11 barcos chegaram ao México afim de lutar e conquistar o território do Império Asteca que guardava o maior tesouro do mundo na época, ouro, prata e joias preciosas. Porém estes homens não tinham armaduras para conquistar um território tão extenso, portanto sua proposta hoje seria considerada completamente suicida.

Cortéz, o líder e general do grupo, utilizou uma estratégia assim que chegou as terras astecas. Em vez de partir imediatamente para a batalha, ele ficou na praia e fez discursos motivacionais para seus homens. MAS FORAM 3 PALAVRAS SUAS QUE MUDARAM a historia do Novo Mundo: “QUEIMEM SEUS BARCOS.”

O que ele queria era eliminar a possibilidade de seus homens se acovardarem e voltarem para os barcos, durante as batalhas, assim eles teriam apenas duas opções: morrer ou vencer!

A estratégia funcionou e Cortez conquistou o território asteca. Como os soldados não poderiam retornar as suas casas, vivos, a não ser vencendo a luta, já que não havia mais barcos para os quais fugir, ficavam totalmente comprometidos com a vitória. A derrota não era uma opção.

MORAL DA HISTÓRIA: Se não queimarmos os nossos barcos e sempre deixarmos espaço para recuar, também daremos chance à hesitação, ao medo, à autossabotagem e à resistência.

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Concurso público

Uma prova pode exigir anos de preparação disciplinada; durante esse tempo alguns entram em uma espécie de limbo, a vida torna-se um projeto futuro

junho de 2015

Christian Ingo Lenz Dunker


O Brasil vem sendo caracterizado como a nova terra das oportunidades. Relações de trabalho metodicamente precarizadas, laços de produção semiformais, sistema normativo predatório, engenharia de controle planejada para a corrupção; tudo isso combinado com altos teores de empreendedorismo em estrutura de condomínio.

Este cenário de capitalismo brazilianizado (com “z” mesmo), que estamos começando a exportar para o resto do mundo, está substituindo o antigo formato baseado na lei de Gérson. Não é mais tão consensual que o importante é levar “vantagem em tudo”. Agora é também desejável evitar perigos, controlar riscos e disciplinar as variáveis de contexto.

Não deixa de ser curioso que enquanto uma parte de nosso povo tenha se dedicado à laboriosa ascensão social, como classe batalhadora, outra parte tenha criado uma cultura inteiramente nova de concursos públicos. Mas, a vida baseada em projetos, cuja máxima é: se não caçar não come, tem um limite.

Assim como o namorador inveterado que cavalga no Tinder noite após noite, chega a desejar o casamento, quando chega ao limite da exaustão, o trabalhador de ocasião, empreendedor de si mesmo, chegará a sonhar com o concurso público, última forma remanescente e anacrônica de segurança eterna.


Em menos de quinze anos surgiu uma rede capilar e profissional de cursinhos preparatórios, sites e jornais especializados, métodos apostilados decorrentes da concorrência exponencial por vagas em cargos públicos.

Há uma cultura de concursos que coloca à prova o desejo do candidato: devo ceder a um concurso mais fácil, mesmo sendo ele mais distante do que quero? Devo me submeter a mudar de estado para começar uma luta sem fim por remanejamentos e transferências? Devo, enfim, trabalhar com o que detesto para poder ter tempo e dinheiro para minha realização fora do trabalho? A vida de um “concurseiro” apresenta desafios e incompreensões generalizadas para o candidato e para os que estão à sua volta.


Há uma espécie de fascínio exercido pela ideia de grande prova, em uma época na qual se torna cada vez mais importante, mas menos claro, o valor de nossos atos. O heroísmo representado pela travessia do concurso recupera a narrativa do grande obstáculo, aliás, mimetizada pela maior parte de nossos jogos de video-game.

Enquanto isso outras vidas ficam em estado de pendência: casamentos indefinidos, moradias suspensas, outras decisões adiadas. Isso concorre para uma perigosa fantasia, à qual gostamos de nos agarrar: a vida, a verdadeira vida, a vida real, vai começar daqui a pouco. O que tivemos até aqui foi uma espécie de ensaio preparatório, de parêntese preliminar.

Ora, esta fantasia de renascimento, ou de nascimento, é algo que deve ser criteriosamente evitado. Ela empobrece a tal ponto o presente que o prazer retirado da existência fará falta para a arte do estudo. Ela cria uma espécie de desculpa genérica, para suspender o desejo, sobre a qual outros sintomas, mais antigos, logo se agregarão.

Em terceiro lugar, a vida em forma de concurso cria uma bolha de isolamento moral que obriga o candidato, posteriormente, a ir em frente na sua escolha. Ora, nada que ocupe tão fortemente o desejo de alguém pode superar uma fase tão longa de sua transformação em demanda. Lutar pelo que se quer tão determinadamente deveria reservar um saudável recuo para a indeterminação, seja porque provas contêm inevitavelmente um elemento de sorte, seja porque, se não reconhecemos o imponderável de nosso desejo, é certo que ele se voltará contra nós.


Este artigo foi originalmente publicado na edição de junho de Mente e Cérebro 2015, que pode ser adquirida na Loja Segmento: http://bit.ly/1FqeWJ6

Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/concurso_publico.html

Sinestésicos têm memória melhor e são mais criativos

O fenômeno relacionado a habilidades cognitivas mais aprimoradas pode ser resultado da evolução

maio de 2012


Para algumas pessoas números e letras representam mais que símbolos aritméticos ou tipográficos – um 6 ou um “a” podem evocar texturas, cores e até mesmo sabores. É o fenômeno da sinestesia, que consiste numa espécie de cruzamento de sentidos. Agora, um estudo publicado na PLoS Biology sugere que ele pode ser resultado da evolução, pois está relacionado a habilidades cognitivas mais aprimoradas, como memória e criatividade.

Os neurocientistas Vilayanur Ramachandran e David Brang, do Centro do Cérebro e da Cognição da Universidade da Califórnia, observaram que os sinestésicos têm resultados acima da média em testes de memória e que o fenômeno é consideravelmente mais comum entre artistas, o que sugere possível relação com a criatividade. “Há evidências de que a sinestesia é hereditária. Ela pode ser evolutiva, pois está relacionada ao melhor desempenho de algumas faculdades”, dizem os neurocientistas. Outro estudo, divulgado pelo Current Biology, mostra que pessoas com um tipo específico de sinestesia, a de cor grafema – isto é, letras ou números são associados a tonalidades –, apresentam hipersensibilidade do córtex visual primário. Através de um experimento de estimulação magnética transcraniana, pesquisadores da Universidade de Oxford verificaram que elas percebem estímulos visuais, como flashes ou pontos luminosos, três vezes mais facilmente que voluntários não sinestésicos. Mas os autores deixam claro que ainda são necessários mais estudos para comprovar se o fenômeno é realmente uma “vantagem” cognitiva.

Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/noticias/sinestesicos_tem_memoria_melhor_e_sao_mais_criativos.html

Inteligência para viver mais

Recentemente, especialistas fizeram uma descoberta surpreendente: quanto mais baixo o nível intelectual de uma pessoa, maior o risco de ela ter uma vida mais curta

por Ian Deary, Alexander Weiss e David Batty

Neste mundo pode-se dizer que nada é certo, exceto a morte e os impostos”, escreveu Benjamin Franklin. Embora muitos de nós sejamos claramente mais hábeis que outros em escapar do inevitável, no final a mãe natureza sempre acaba vencendo. Mas, ao longo da vida, a forma como as pessoas são prejudicadas (ou não) sofre grande variação. A genética e as oportunidades de vida (incluindo alimentação, condições de lazer etc.) explicam muito – mas não tudo. Se entendermos por que algumas pessoas vivem mais que outras, provavelmente conseguiremos reduzir essa disparidade. Quando cientistas descobriram estilos de vida e fatores biológicos que levam a uma vida mais longa e saudável, foi possível elaborar programas de intervenção para melhorar as perspectivas de saúde das populações.

Alguns hábitos, como fumar, são obviamente prejudiciais, mas de forma geral encontrar respostas não tem sido tarefa fácil. Isso porque cada um de nós começa sua jornada de vida em circunstâncias biológicas e ambientais únicas e depois prossegue colocando em prática numerosas opções, muitas das quais podem ter impacto direto sobre a saúde. Nenhum estudo, porém, é capaz de levar em conta todos os fatores – talvez nem mesmo analisar todas as pessoas do mundo seria suficiente para permitir investigações desse porte.

Recentemente, especialistas em psicologia, incluindo dois de nós (Weiss e Deary), têm se unido a epidemiologistas, como um de nós (Batty), em busca de pistas que possam prever quais aspectos de fato influenciam o bem-estar e as doenças e antecipam (ou retardam) a morte. Geralmente utilizamos séries históricas de estudos em saúde, que abrangem várias décadas. Nesses projetos, centenas, milhares ou às vezes até 1 milhão de pessoas são sistematicamente avaliadas e acompanhadas ao longo de vários anos. Analisando cuidadosamente esses dados, nós e outros pesquisadores descobrimos uma nova forma de prever a longevidade das pessoas: os escores obtidos em testes de inteligência quando jovens.

Os resultados são inequívocos, embora poucos profissionais da saúde os conheçam. Quanto mais baixo o nível de inteligência de uma pessoa, maior o risco de ela ter uma vida mais curta, desenvolver doenças físicas e mentais com o passar dos anos e morrer de patologias cardiovasculares, suicídio ou acidente. Obviamente não é possível fazer generalizações, mas é surpreendente que baixo nível de inteligência ofereça prognóstico tão forte de fatores de risco bem conhecidos para doenças e morte, como obesidade e hipertensão.

Com a descoberta dessa faceta inesperada da longevidade, nós e outros pesquisadores tentamos entender se fatores além da inteligência poderiam estar por trás dessas descobertas, como o nível socioeconômico, o grau de instrução e o tipo de atividade profissional exercida. Sabe-se, por exemplo, que pessoas menos instruídas em geral têm emprego pouco qualificado, exercem atividades manuais e recebem baixos salários; são mais suscetíveis a doenças e tendem a morrer mais cedo. Então seria fácil imaginar, por exemplo, que jovens inteligentes assimilam melhor o que lhes é ensinado, aprendem mais sobre saúde e por isso vivem mais. Porém, não é tão óbvio assim.

Estudos com gêmeos e voluntários com variados graus de parentesco mostraram que os genes desempenham papel importante na determinação do nível intelectual. Em pacientes com histórico familiar de doença cardiovascular, um baixo nível de inteligência pode servir de alerta para que seu coração seja monitorado regularmente. Se a pesquisa revela que pessoas menos privilegiadas intelectualmente têm menores oportunidades de receber avaliação adequada, de se sujeitar a medicação específica e de fazer exames de acompanhamento, esforços precisam ser realizados para envolvê-las nesse tipo de atividade. Como existem várias medidas de inteligência, profissionais da saúde e educadores deveriam ser capazes de intervir precocemente e ajudar os jovens a tomar mais decisões a favor de sua saúde. Também seria útil usar essa informação para preparar programas educativos.

Ensinar a crianças e adultos – independentemente de seu nível de inteligência – técnicas para manter um estilo de vida saudável, desenvolvendo bons hábitos alimentares e evitando agentes estressores, poderia diminuir os problema que se opõem à vida longa e ao bom funcionamento mental. No fim das contas, as descobertas dos epidemiologistas cognitivos encorajam o que todos já sabemos: manter comportamentos saudáveis desde cedo ajuda na proteção contra a devastação da idade.

Além disso, é preciso admitir: simplesmente ser inteligente pode não se configurar como o ingrediente mais importante da longevidade. Mas agir e decidir como pessoas inteligentes pode ser crucial.

Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/inteligencia_para_viver_mais.html

A delicada relação entre memória e inteligência

Uma das chaves da diferença entre capacidades intelectuais está na memória de curto prazo

abril de 2013

Pessoas mais inteligentes costumam obter melhor aproveitamento na escola, permanecem mais tempo estudando, ocupam postos de trabalho nos quais têm autonomia e recebem salários acima da média. Além disso, são mais atentas a estratégias que favoreçam sua saúde, tanto física quanto mental – e vivem mais tempo. É claro que só o aspecto cognitivo não basta, mas pesquisas têm mostrado que os benefícios de um alto nível intelectual são numerosos – assim como as desvantagens de uma inteligência pouco privilegiada. Obviamente existem exceções, mas essa é a norma vigente na sociedade ocidental atual.

Não por acaso, em vários países os programas de pesquisa destinados a melhorar a inteligência se encontram entre os que recebem mais investimento. Cada vez mais há consenso de que melhorar a inteligência da população é relevante, sobretudo pelos benefícios obtidos quando esse objetivo é alcançado. Contudo, seguimos sem uma resposta clara sobre como conseguir isso. Estudos revelam que os ganhos obtidos por meio de estratégias de melhoria cognitiva se dissipam com o passar do tempo, após a intervenção ser concluída. Pelo menos é esse o parecer oficial da Associação Americana de Psicologia, após a revisão de dezenas de pesquisas nessa área.

Nesse contexto está enquadrada, em parte, a intenção de encontrar os mecanismos mentais e cognitivos básicos sobre os quais se apoia a inteligência. Há muitos anos, cientistas vêm insistindo que alguns processos mnêmicos são essenciais para a inteligência. A memória operativa (ou de trabalho) constitui um rico e complexo mecanismo mental, mas seus processos mais básicos se consolidam sobre o armazenamento temporal da informação relevante.

A memória operativa permite o “uso” de determinada informação durante um breve período. Por exemplo, compreender a frase que você está lendo neste exato momento exige a capacidade de conservar na lembrança a primeira parte do que foi apreendido até que seja lido todo o resto – e, assim, o trecho do texto faça sentido. Trata-se da memória “de ação”, não para armazenamento, como um arquivo. Afinal, não é possível entender o que não lembramos, não podemos raciocinar a respeito de um problema que não temos em mente, cujos detalhes vão se perdendo à medida que procuramos solucioná-lo. Não é possível resolver uma questão se alguns de seus elementos se perdem no caminho ou considerar uma informação que vai se “desfazendo”.

Atualmente, existe uma extensa pesquisa sobre o tema, ainda que não concluída e, portanto, parcial. Os estudos se concentram apenas em algumas variáveis potencialmente relevantes, sendo raros os que consideram a maior parte delas de forma simultânea. Tratamos desse impasse no artigo “Podemos reduzir a inteligência fluida à memória de curto prazo?”, recentemente publicado no periódico científico Intelligence. Geralmente são medidas algumas capacidades intelectuais básicas: inteligência fluida ou abstrata, cristalizada ou cultural e visuo-espacial. Também costumam ser avaliados aspectos como funcionamento executivo, atenção, velocidade mental, memória de curto prazo e memória operativa. Considerando-se as relações recíprocas, foi descoberto que o elemento comum na memória de curto prazo, na memória de trabalho e no funcionamento executivo – ou seja, o armazenamento temporal da informação – se encontrava profundamente associado à inteligência fluida.

Na prática, esse resultado nos leva a supor que as pessoas mais inteligentes têm maior capacidade para conservar, em estado ativo, a informação considerada mais relevante durante o tempo necessário para ser utilizada. Já aspectos como rapidez de raciocínio ou concentração são considerados secundários quando se trata do  armazenamento de curto prazo.

Tal resultado corrobora as conclusões de outras pesquisas nas quais foram usados outros métodos de investigação. Por um lado, os estudos de neuroimagem revelam que a inteligência e a memória de curto prazo compartilham um suporte neuroanatômico distribuído em regiões-chaves dos lóbulos frontais e parietais. Por outro lado, o treinamento adaptativo cognitivo embasado no aumento da capacidade para supervisionar uma maior quantidade de informação durante determinado tempo eleva significativamente o rendimento nos testes que valorizam a inteligência fluida.

Curiosamente, capacidades intelectuais superficialmente muito diferentes parecem encontrar-se fortemente ligadas por alguma classe de limitação compartilhada. Quando pudermos superar essa dificuldade, talvez estejamos mais perto de atingir um objetivo que fascina tanto cientistas quanto leigos: encontrar formas de nos tornarmos mais inteligentes.

Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/noticias/a_delicada_relacao_entre_memoria_e_inteligencia.html

Memória genética: como sabemos o que não aprendemos

O savant parece já vir programado com uma enorme quantidade de aptidões inatas e conhecimentos em determinada habilidade – um “software” instalado de fábrica 

março de 2015

Darold Treffert


Conheci meu primeiro savant há 52 anos e fiquei intrigado com essa condição impressionante. Uma das características mais marcantes e consistentes nos savants é o fato de que eles claramente sabem coisas que nunca aprenderam. Leslie Lemke é um talentoso músico apesar de não ter tido uma única aula de música em sua vida. Assim como “Blind Tom” Wiggins, que viveu um século antes dele, sua genialidade musical surgiu tão cedo e tão espontaneamente durante a infância que não seria possível que tivesse sido aprendida. Veio “de fábrica”. Em ambos os casos, músicos profissionais testemunharam e confirmaram que Lemke e Wiggins tinham acesso inato às chamadas regras musicais, ou a vasta sintaxe musical, mesmo na ausência de treinamento formal.

Alonzo Clemmons nunca teve uma aula de arte em sua vida. Quando criança, depois de uma lesão na cabeça, ele começou a esculpir qualquer material que encontrasse e hoje é um célebre escultor, capaz de moldar um espécime perfeito de qualquer animal com argila em uma hora ou menos posicionando cada músculo e tendão perfeitamente, mesmo tendo visto o modelo apenas uma única vez. Ele não teve nenhum treinamento formal.

Para explicar como o savant tem acesso inato a técnicas e conceitos da arte, da matemática, da música e até da linguagem, sem treinamento formal e na presença de uma enorme deficiência, parece a mim que é preciso que exista uma “memória genética”, nos circuitos de memória cognitivos/semânticos e de procedimento/hábito.

Memória genética, explicada brevemente, são habilidades complexas e conhecimento sofisticado herdados. Nos savants, seria o “chip” musical, artístico ou matemático que vem “instalado de fábrica”. Além dos exemplos mencionados acima, descrevo outros no meu livro,  Islands of genius: the bountiful mind of the autistic, acquired and audden savant (Ilhas de genialidade: a prodigiosa mente do savant autista, adquirido ou repentino, sem tradução em português).

Memória genética não é um conceito inteiramente novo. Em 1940, A. A. Brill citou o dr. William Carperter, que, ao comparar habilidades de cálculo do prodígio da matemática Zerah Colburn ao domínio de Mozart da composição musical, escreveu o seguinte:

“Em cada um dos seguintes casos, temos um exemplo peculiar de uma habilidade congênita extraordinária para determinada atividade mental, que se mostrou em um período tão precoce a ponto de excluir a noção de que poderia ter sido adquirida pela experiência do indivíduo. A esses dons congênitos, damos o nome de intuições: é praticamente inquestionável que, assim como os instintos de outros animais, eles são expressões de tendências constitutivas dos indivíduos que os manifestam”.

Carl Jung utilizou o termo “inconsciente coletivo” para definir seu conceito ainda mais amplo de tratos herdados, intuições e sabedoria coletiva do passado. Wilder Penfield, no seu livro pioneiro de 1978, Mystery of the mind (Mistério da mente), também se refere a três tipos de memória. “Animais”, ele escreveu, “mostram evidências do que pode ser chamado memória racial” (o equivalente a memória genética). Ele define o segundo tipo de memória como associada a “reflexos condicionados” e o terceiro tipo como “experiencial”. Esses últimos dois tipos correspondem, respectivamente, à memória de procedimento, ou hábito, e à memória cognitiva ou semântica.

Em sua obra O passado da mente (Piaget, 2000), Michael Gazzaniga escreveu:

“O bebê não aprende trigonometria, mas a sabe; não aprende como distinguir figuras do chão, mas o sabe; não precisa aprender, mas sabe que, quando um objeto com massa atinge outro, fará o objeto se mover. O vasto córtex cerebral humano é cheio de sistemas especializados prontos e aptos a serem usados para tarefas específicas. O cérebro é construído sob um estrito controle genético. Assim que está formado, o cérebro começa a expressar aquilo que sabe, aquilo que já veio de fábrica. Ele já chega bem munido. O número de dispositivos especiais que já vêm ativos e a postos é impressionante. Tudo, de fenômenos de percepção até física intuitiva, até regras de convívio social, vem com o cérebro. Essas coisas não são aprendidas, são estruturadas de forma inata. Cada dispositivo resolve um problema diferente. A multidão de dispositivos que nos permitem fazer o que fazemos vem instalada de fábrica. No momento em que nos damos conta de uma ação, esses mecanismos já a realizaram”.

O livro de Steven Pinker, Tábula rasa (Companhia das Letras, 2004), refuta as teorias de que o desenvolvimento humano teria começado do zero. O neurocientista Brian Butterworth, da Universidade College London, aponta que bebês têm muitas habilidades inatas especializadas, incluindo algumas relacionadas a números, que ele atribui a um “módulo numérico” codificado no genoma humano a partir de ancestrais que viveram há 30 mil anos.

Marshal Nirenberg, no Instituto Nacional do Coração, em Maryland, EUA, inspirou insights sobre os mecanismos de DNA/RNA envolvidos nesse conhecimento inato em um artigo chamado Memória genética, publicado em 1968 no Jounal of the American Medical Association (Jornal da Associação Médica Americana)

Seja utilizado o termo memória genética, ancestral ou racial, ou mesmo intuições ou dons congênitos, o conceito de transmissão genética de conhecimento sofisticado que vai muito além de instintos é necessário para explicar como os prodigiosos savants podem saber coisas que nunca aprenderam.

Temos a tendência de pensar que nascemos com uma maquinaria orgânica magnífica e intrincada (“hardware”), que é o cérebro, que teria vindo com um “hard drive” enorme, mas vazio, a memória. E o que nos tornamos seria o resultado de nossas experiências e aprendizados contínuos, que seriam adicionados um por um à memória. Mas o savant parece já vir programado com uma enorme quantidade de aptidões inatas e conhecimentos em determinada habilidade – “software” instalado de fábrica –, justificando sua expertise, apesar das dificuldades cognitivas e de aprendizagem. É uma área da função da memória que merece ser mais explorada e estudada.

De fato, casos recentes de “savants adquiridos” e “gênios acidentais” me convenceram de que todos nós temos softwares instalados de fábrica. Em resumo, algumas pessoas, após doenças ou lesões na cabeça, demonstram habilidades repentinas, por vezes prodigiosas, na música, na arte e na matemática, que permaneciam dormentes até serem liberadas por um processo de recrutamento de áreas cerebrais ainda intactas ou não machucadas, reprogramando essas novas áreas e libertando a capacidade latente que elas continham.

Finalmente, o reino animal oferece amplos exemplos de capacidades complexas herdadas, que vão além das características físicas. Borboletas monarcas fazem uma jornada anual de 2.500 milhas, do Canadá até um pequeno pedaço de terra no México, onde passam o verão. Na primavera, elas começam a jornada de volta ao norte, mas o processo leva três gerações para ser completado. Assim, nenhuma borboleta que faz a viagem de volta já voou a rota inteira antes. Como elas “sabem” o caminho que nunca aprenderam? Deve ser um tipo de GPS interno herdado, porque a rota não é aprendida.

Alguns pássaros canoros, como pardais e sabiás, aprendem suas canções ouvindo aos outros. Outras espécies, como o papa-moscas-do-campo, no entanto, herdam todas as instruções genéticas de que precisam para seu canto complexo. Mesmo quando criados em isolamento à prova de som, são capazes de produzir o chamado característico da espécie sem treinamento ou aprendizado. Há muitos outros exemplos do reino animal em que traços muito complexos, comportamentos e habilidades são herdados e inatos. Nos animais,  damos-lhes o nome de instintos, mas não aplicamos o conceito às habilidades complexas e ao conhecimento herdado em seres humanos.

Alguns argumentam que, na realidade, savants prodígios herdam uma propensão, um “degrau a mais” que serve de base para que o aprendizado se desenvolva mais rapidamente, e não conhecimento em si, e, como os sabiás e pardais, aprendem com o estímulos ambientais.  Minha posição, porém, é que os prodigiosos savants são um exemplo convincente do tipo de herança genética semelhante ao dos papa-moscas-do-campo, que carrega as instruções propriamente ditas e o conhecimento que precede o aprendizado. Não quero dizer que essas habilidades herdadas (naturais) não possam ser cultivadas e melhoradas (nutridas). Elas podem. Mas eu concordo com o dr. William Carpenter, ao dizer que savants demonstram “aptidão congênita para certas atividades mentais. Sua revelação é tão precoce que exclui a ideia de que as habilidades poderiam ter sido adquiridas pela experiência do indivíduo”.

Eu chamo isso de memória genética e proponho que ela existe em todos nós. O desafio é saber como ativar a capacidade dormente de forma não intrusiva, isto é, sem que ocorram lesões cerebrais ou incidentes similares.

Darold Treffert é psiquiatra, professor da Escola de Medicina da Universidade de Wisconsin, um dos maiores pesquisadores da síndrome de savant no mundo.

Este artigo foi originalmente publicado no blog para convidados da Scientific American, em 28 de janeiro de 2015.

Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/noticias/memoria_genetica_como_sabemos_coisas_que_nunca_aprendemos.html

Memória turbinada

A forma mais eficiente de absorver informações é dividir o conteúdo em pequenos blocos e tentar armazená-los em períodos curtos de estudo

março de 2012

Estudar matemática todos os dias durante duas semanas garante a absorção do conteúdo? Geralmente, professores não indicam o estudo intensivo, acreditando que o melhor caminho para absorver conhecimento é a compreensão moderada ao longo do semestre. Agora, um estudo coordenado pelo neurocientista suiço Eric Kandel, da Universidade Colúmbia, não demonstra apenas essa percepção pedagógica, como também indica que a melhor maneira de aprender pode não ser em blocos de tempo regulares, mas em intervalos de treinos.

Para chegar a esta conclusão, ele monitorou lesmas do mar Aplysia californica durante a fuga de predadores, registrando as respostas comportamentais e averiguando o melhor desempenho. Kandel descobriu que a criação de estratégias pode oferecer à memória a estrutura molecular como da maitotoxin (toxina extremamente potente) ou de um ideograma chinês. O estudo foi publicado no periódico on-line Nature Neuroscience. O pesquisador, que partilhou o Prêmio Nobel em 2000 por sua pesquisa sobre os processos bioquímicos subjacentes da memória, garante que não pretende estimular o lançamento de uma nova geração de jogos de treinamento cerebral, mas desenvolver formas mais eficientes de aprendizagem.

Em outro estudo, o neurobiólogo John H. Byrne, ex-aluno de Kandel, coordenador do departamento de neurobiologia e anatomia da Escola de Medicina da Universidade do Texas em Houston, traz novas contribuições ao método original desenvolvido no laboratório de Kandel. Trata-se de uma técnica que consiste em infligir eletrochoques na cauda das lesmas em intervalos regulares para observar quais animais reagem exageradamente a partir da segunda aplicação, o que indica que se recordaram da primeira estimulação elétrica.

Byrne e sua equipe se concentraram em determinar se as reações químicas desse processo poderiam ser ajustadas de forma a melhorar a aprendizagem. Os pesquisadores aplicaram cinco pulsos de neurotransmissores de serotonina aos sensores neurais motores das lesmas, a cada 20 minutos. Esse procedimento levou duas enzimas neuronais a ativar proteínas chamadas fatores de transcrição, que impulsionam os genes, iniciando a produção de novas proteínas que favorecem o disparo de neurônios.

Ao usar um protocolo de sincronização padrão, os pesquisadores verificaram que elas não atingem o pico de ativação dentro de uma célula nervosa ao mesmo tempo – um indício de que a maneira usual de realizar tarefas em intervalos regulares pode não ser o melhor caminho.

Depois, a equipe de Byrne implantou em um computador 10 mil modelos de variação de intervalos entre os pulsos para tentar coordenar a ativação de enzimas e maximizar sua interação. O padrão temporal comum não foi o constatado, mas uma série irregular de dois pulsos de serotonina emitidos a cada 10 minutos, depois em 5 e por fim em meia hora. Neste padrão, a interação entre as duas enzimas aumentou em 50 %.

“O padrão de tempo encontrado pode ser devido à adaptação das lesmas para escapar de predadores ou evitar uma descarga elétrica. Estudar cálculo, por exemplo, pode ser um pouco diferente”, diz Byrne. Entretanto, há evidências de que o processo de aprendizagem opera de forma mais eficiente em modelos temporais alternados. Os cientistas esperam que os mesmos resultados possam ser aplicados em seres humanos em situações que exijam esforço intelectual.

Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/memoria_turbinada.html


Onde não moram as memórias

Cientistas chegam à conclusão de que não basta usar drogas para apagar lembranças dolorosas, pois elas persistem profundamente no interior de células cerebrais.

setembro de 2015


por Roni Jacobson



Apesar de abstratas, intangíveis e muitas vezes pouco consistentes, nossas memórias têm uma sólida base biológica. Segundo a neurociência clássica, elas se formam quando células cerebrais enviam às suas vizinhas sinais de comunicação química através das sinapses (espaços entre as células), ou para entroncamentos que as conectam. Toda vez que uma memória é ativada, a conexão é fortalecida. A noção de que sinapses armazenam memórias dominou a ciência por mais de um século, mas um novo estudo realizado por especialistas da Universidade da Califórnia em Los Angeles pode derrubar essa interpretação ao sugerir que memórias talvez residam no interior de células do cérebro. Se for corroborado, esse trabalho pode ter implicações – para o bem e para o mal – no tratamento do transtorno de estresse pós-traumático, condição marcada por memórias dolorosamente vívidas e intrusivas.
Há mais de uma década cientistas começaram a examinar a droga propranolol para o tratamento do distúrbio. Acreditava-se que ela impedisse a formação de memórias ao bloquear a produção de proteínas necessárias ao armazenamento de longo prazo. Infelizmente a pesquisa logo deparou com um problema: a não ser que fosse ministrado imediatamente após o evento traumático, o procedimento era totalmente ineficaz. Ultimamente, pesquisadores têm trabalhado em uma solução alternativa: evidências sugerem que, quando alguém ativa uma memória, a conexão não só é fortalecida como também se torna temporariamente suscetível a mudanças, um processo chamado reconsolidação da memória. Ministrar propranolol (acompanhado de terapia, e talvez estimulação elétrica e até outras drogas) durante essa “janela” pode permitir que cientistas bloqueiem a reconsolidação, apagando ou eliminando a sinapse no local.
A possibilidade de eliminar lembranças chamou a atenção de David Glanzman, neurobiólogo da Universidade da Califórnia que começou a estudar o processo em Aplysia, um molusco parecido com uma lesma-do-mar utilizado comumente em pesquisas neurocientíficas. Ele e sua equipe aplicaram leves choques elétricos nos animais, criando uma memória do evento expressada como novas sinapses no cérebro. Em seguida, transferiram neurônios do molusco para uma placa de Petri e ativaram quimicamente a lembrança dos choques, ministrando, em seguida, uma dose de propranolol.
De início, a droga pareceu confirmar pesquisas anteriores ao neutralizar a conexão sináptica, mas, quando as células foram expostas a um lembrete dos choques, a memória voltou com força total em 48 horas. “Ela foi completamente restabelecida; isso parece significar que a memória não estava armazenada na sinapse”, diz Glanzman. Os resultados foram divulgados recentemente na publicação científica eLife, de acesso aberto.
Se a memória não está localizada na sinapse, então onde está? Quando os neurocientistas investigaram mais de perto as células cerebrais, descobriram que mesmo quando a sinapse era apagada mudanças moleculares e químicas persistiam após o disparo inicial dentro da própria célula. O traço mnêmico, ou engram, podia ser preservado por essas alterações permanentes. Alternativamente, ele podia ser codificado em modificações no DNA da célula responsáveis pelo modo como genes específicos são expressos. Glanzman e outros favorecem esse raciocínio.
O neurocientista alemão Eric R. Kandel,  ganhador do Nobel de Fisiologia ou Medicina de 2000 por seu trabalho sobre memória e atualmente na Universidade Colúmbia, adverte que os resultados do estudo foram observados nas primeiras 48 horas após o tratamento, um período em que a consolidação ainda é sensível. Embora preliminares, os resultados sugerem que, para pessoas com estresse pós-traumático, simplesmente tomar certos medicamentos muito provavelmente não elimina memórias dolorosas – até porque, ainda que o fato em si fique esmaecido na lembrança, as emoções (ou afetos, como dizem os psicanalistas) ligadas à situação que causou sofrimento – bem como seus efeitos – permanecerão até que haja elaboração.
“Se tivessem me perguntado há dois anos se seria possível tratar o estresse pós-traumático com um bloqueio medicamentoso, eu teria dito sim, mas agora não penso mais assim”, admite Glanzman. Segundo ele, a constatação de que as memórias persistem profundamente no interior de células oferece novos caminhos para estudar e compreender transtornos ligados à memória, como a doença de Alzheimer.

Esta matéria foi publicada originalmente na edição de setembro de Mente e Cérebro, disponível na Loja Segmento: http://bit.ly/1Xgizxu

Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/noticias/onde_nao_moram_as_memorias.html