domingo, 14 de novembro de 2010

Você já viu esse filme


Você já viu esse filme
por Liv Sorban - fotos AE/divulgação  |  Ano 2006 - Nº 54 - setembro / 2006



marcelo (teaser)Câmeras escondidas que captam os movimentos de quem está na sala. Uma simulação de guerra. Um almoço com alimentos vencidos. Provas que testam o limite das pessoas. Na disputa, sete candidatos que passam por um processo de seleção para uma vaga de diretoria em uma grande multinacional. O que você faria? A pergunta, que dá o título em português ao filme El Método, do diretor argentino Marcelo Piñeyro (Plata Quemada, 2000, Kamchatka, 2002), traduz, nas telonas, até onde um funcionário iria ou faria para satisfazer as exigências de uma corporação.

Baseado na peça de teatro espanhola Método Grönholm, de Jordi Galcerán, o filme, com formato semelhante ao de um reality-show, mostra provas realizadas pelos atores/concorrentes que foram retiradas de manuais de RH utilizados pelas empresas mundiais. É ficção com dois pés na realidade.

Não é a primeira vez que modus operandi das corporações é questionado pela sétima arte.
O documentário The Corporation (2003), de Mark Achbar, Jenniffer Abbott e Joel Bakan, escancara um ponto de vista social sobre as multinacionais, mostrando que, hoje, elas são a maior forma de poder, mais do que instituições religiosas ou políticas. Para ir contra essa influência, os diretores colocaram a corporação sob o prisma do manual internacional de psiquiatria DSM III – terceira edição do livro criado pela Associação Americana de Psiquiatria, que explica e analisa as doenças mentais –  e dão a entender que, se a companhia fosse uma pessoa, poderia ser considerada um psicopata.

Piñeyro vai mais longe. Para ele, a corporação nada mais é que o reflexo da sociedade. O diretor quis, com este retrato, tirar as máscaras dos seres humanos modernos, enfatizando o que eles são capazes de fazer para alcançar o sucesso. Sete concorrentes, sete pecados capitais. Longe de ser uma (in) feliz coincidência, a correlação mostra os subterfúgios pouco virtuosos para se chegar ao topo. Mas o apontamento às agruras humanas transcende ao mundo corporativo. “Seria ingênuo dizer que a crítica dmarceloestina-se somente à corporação, é, na verdade, para todo o modelo social”, diz o diretor.

Em entrevista exclusiva ao CanalRh em Revista, Marcelo Piñeyro, que recentemente veio a
São Paulo para apresentar seu filme no 1° Festival de Cinema Latino-Americano, fala sobre cinema e corporação, ética, processos de seleção de emprego e o futuro da humanidade. Confira.

Canal Rh: O senhor trabalhou com muitos estereótipos no filme e no final todos eles deixam de lado valores importantes para tentar ter sucesso a qualquer custo. O que esta representação quer dizer ao público?
Marcelo Piñeyro: O filme é uma metáfora do mundo de hoje. Fala do conceito de uma sociedade piramidal, no qual, no momento em que alguém chega ao topo, deixa de olhar para os outros. Eu reprovo este modelo. Obviamente que com o filme tentamos criticar também a corporação, que se aproveita deste momento social, mas a crítica principal se dirige à sociedade. No final das contas, as companhias, querendo ou não, fazem parte dela.

Canal Rh: Qual é o poder que a corporação estabelece hoje com a sociedade?
Piñeyro: A corporação hoje tem poder tanto quanto o governo ou até mais, porque é uma dominação econômica. Sem dúvida, elas são mais fortes que as igrejas. Na verdade, as companhias assumiram o papel das instituições religiosas. Hoje, são elas, as companhias, que aliam os interes-ses do governo com os da população, atingindo todos os níveis.

Canal Rh: O mundo atual vive uma constante perda de identidade e valores culturais e as corporações contratam funcionários pertencentes a essa estrutura desmoronada. Como detectar tal comportamento num processo de seleção?
Piñeyro: Toda a sociedade contemporânea vive sob um regime em que quem faz as ações não responde por suas conseqüências ou não se responsabiliza por elas. Ética, para mim, é ter responsabilidade pelos seus atos. Eu não acredito, por exemplo, que uma pessoa seja melhor que outra. Acredito, porém, que uma pessoa possa ser mais ética que outra. E isso só será revelado no decorrer do dia. No processo seletivo, as pessoas, sabendo o que a empresa e sociedade querem, fingem que são éticas e, depois de conseguir o cargo, começam a agir sem nenhuma consciência cidadã. Para que serve, então?

Canal Rh: As provas do processo de seleção do filme são inventadas?
Piñeyro: O meu filme é um catado dos materiais literários que existem sobre seleção de empregos. E mostra pelo que as pessoas têm de passar nos processos, a que elas se submetem. As provas catalisam os sentimentos, ou seja, conseguem aflorar o verdadeiro ser que existe em todos. Não são as provas o problema, mas sim o que nos tornamos a partir delas.

Canal Rh: Qual é a sua opinião sobre os processos de seleção de hoje?
Piñeyro: Se uma empresa precisa contratar alguém, deve testá-lo. Obviamente, o escolhido será aquele que responde às expectativas. Quando vou fazer um filme, por exemplo, quero o melhor ator, a melhor produção. É normal querer o melhor. O problema é que o processo de seleção contemporâneo não está mais medindo o profissionalismo do possível funcionário, e sim a sua personalidade e o quanto ele faria pela empresa, até quando vestiria a camisa. É aí que se encontra o grande erro. Não quero trabalhar com ninguém que mate alguém se eu pedir. Meus atores têm de pensar, ter opiniões – até diferentes das minhas – e serem ótimos profissionais. Vestir a camisa da forma que a corporação quer não é nada positivo para ela nem para a sociedade.

Canal Rh: O senhor vê alguma semelhança entre a estrutura de trabalho da corporação e da indústria do cinema?
Piñeyro: O cinema é hierárquico, assim como uma corporação. O que diferencia é a sazonalidade de trabalho. A produção de um filme dura meses e depois a equipe se desfaz. Temos uma estrutura hierárquica e muita disciplina. O cinema trabalha também com objetivos. Pensamos, sim, no lucro do filme. Porém, a meta principal é artística e não financeira. Na arte, a criatividade e a liberdade de pensamento, por exemplo, não são deixadas de lado, muito pelo contrário, a idéia é sempre potencializá-las ao máximo possível, o que não acontece nas multinacionais.

Canal Rh: O filme mostra seres humanos capazes de tudo para vencer na vida, individualmente. Este cenário mostra uma desilusão sua em relação à humanidade?
Piñeyro: Tenho esperança nas pessoas. Eu acredito nelas, com exceção daquelas do filme. Todos passam por um momento em que não conseguem ser bons 100%. Mas somos humanos, certo?  O problema não são os deslizes, mas permitir que eles se tornem uma rotina.

Canal Rh: Diante das relações humanas atuais, o senhor prevê algum futuro bom para o mundo?
Piñeyro: Não sei qual é o futuro, não consigo fazer uma previsão, mas sei que, desse jeito, não pode continuar. A grande questão é: o que estamos fazendo de nossas vidas? O filme não fala exclusivamente de pessoas como eu, dos funcionários de uma corporação ou de seus mandantes. Fala de todos nós. El Método mostra os problemas que afetam a mim e a todas as pessoas. Por isso temos de parar para pensar, e tentarmos ser felizes. Ter uma vida melhor.

http://www.canalrh.com.br/revista/revista_artigo.asp?o={0BCB4948-85DA-469D-BB5A-C72E06070955}

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