quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

O ativo essencial

Investir em você – e nos seus filhos – é o melhor meio de multiplicar seu capital e contribuir para a sociedade

Por Robson Viturino - 07/12/2011 para Época Negócios

Há um tipo de investimento cujos resultados são incertos – talvez os mais incertos do mercado – mas que têm o potencial de afetar todos os outros. Trata-se do investimento em si próprio e, por extensão, em sua família. Ele é difícil de avaliar, porque cada pessoa define o que é importante para si, e a partir dessa definição mudam todas as métricas. Estudar seis anos de medicina vale a pena? Claro que sim, se você quiser ser médico. E se, depois da faculdade, você se tornar padeiro, como Alberto Saraiva? Aí talvez não. Por outro lado, quem sabe se a dedicação ao curso lhe incutiu disciplina e autoestima úteis para criar uma grande empresa, como a rede de lanchonetes Habib’s? Como diziam os gregos antigos, só é possível saber se você é afortunado no último instante da sua vida. Até lá, tudo pode mudar.
Nesse sentido, investir em si – estudo, viagem, mudança de cidade, casamento – se assemelha muito com os investimentos financeiros. Lida-se com probabilidades, e há riscos maiores e menores, expectativas de retorno maiores e menores. Isso significa que podemos nos beneficiar muito de boas estratégias.
Em primeiro lugar, vale aqui um dos principais mantras dos especialistas: sempre que possível, pense no longo prazo. Neste caso, não apenas em relação ao ganho financeiro. Também para a realização pessoal, para a própria construção da identidade. Dedicar uma ou duas horas a mais de estudo por dia durante a adolescência pode levar, duas décadas depois, a uma profissão que lhe traga o dobro dos rendimentos, ou o quíntuplo da satisfação (ou ambos).
É uma questão de escolhas. Ir por um caminho significa não seguir outros. É o que os economistas chamam de custo de oportunidade. Melhor perseverar numa carreira promissora, com uma promoção à vista, ou raspar suas economias para fazer um MBA no exterior? Ou tentar as duas coisas, fazendo um MBA no Brasil? Ou largar tudo e dar a volta ao mundo num veleiro?
Conhecimentos técnicos tendem a virar commodity, diz Cortella.
Daí o prêmio para a formação heterodoxa

A aposta de Lemann
Muito antes de lidar com a gestão de risco na mesa de operações, o carioca Jorge Paulo Lemann o fez com a própria carreira. Hoje ele é sócio do 3G, fundo que controla a cervejaria AB InBev e a rede de franquias de lanchonetes Burger King. Também é conhecido como o criador da “cultura Garantia”, uma fórmula de gestão baseada na meritocracia e no cumprimento de metas. Essa identidade começou a ser forjada há 50 anos. Na época, Lemann se dividia entre a faculdade de economia em Harvard e as quadras de tênis. Ele era um esportista promissor – foi pentacampeão brasileiro e competiu na Copa Davis. O problema é que, segundo seus padrões ultracompetitivos, seguir nas quadras era arriscado demais. “Pelo tanto que jogava, percebi que dificilmente estaria entre os dez melhores do mundo. Resolvi parar”, disse ele, anos atrás, à revista Tênis Brasil.
Nem sempre a tomada do risco é sustentada por um diploma de Harvard. O catarinense Vilfredo Schurmann largou um bom emprego em contabilidade para viajar com a família pelo mundo em um veleiro. Sua decisão foi ancorada mais no que não queria fazer (manter seu modo de vida) do que em uma visão do futuro. Durante o trajeto, porém, a família adquiriu novos conhecimentos. Hoje a Família Schurmann é uma empresa que toca projetos de aventura, dá consultoria, faz cursos.
As escolhas de Jobs
É uma peculiaridade do investimento em você. Quanto mais se investe, mais o produto (você) se transforma, e isso em geral afeta os próprios objetivos do investidor (você, também). Tome o caso de Steve Jobs, cofundador da Apple, morto em outubro. Suas escolhas na juventude pareciam todas erradas: experiências com ácido, abandono de casa para viver num mosteiro budista, menosprezo pela faculdade de primeira linha. Durante meses, Jobs vagou pelo campus como um vagabundo, e assistia apenas às aulas de caligrafia, sem nenhuma aplicação prática. Anos mais tarde, avaliou que essas experiências o ajudaram a montar sua empresa. Sua receita, proferida num famoso discurso aos alunos de Stanford, em 2005: siga seus sentimentos, busque aquilo em que você pode fazer diferença no mundo.
Não quer dizer que as contas sejam dispensáveis. Para tomar decisões, é preciso conhecê-las. A educação, por exemplo. Qual o retorno para o estudo em uma escola de alto nível? Bill Gates não completou a faculdade, e é o segundo homem mais rico do mundo. Mas, entre os brasileiros com renda acima de R$ 10 mil, 78% concluíram a faculdade – e 15% destes têm pós-graduação. Em geral, os pais fazem essa conta intuitivamente, e o aspecto financeiro é apenas um dos fatores (além dos seus valores, estilo de vida, o sacrifício de outros gastos etc.).
O investimento no MBA
Cursos de MBA têm equação similar. Normalmente, 80% dos alunos obtêm posições melhores do que as anteriores ao curso, segundo Ricardo Betti, diretor da MBA Empresarial, escola preparatória para ingresso nas faculdades de elite. “Depois de dois anos numa faculdade de ponta, o salário anual salta de US$ 57 mil para US$ 110 mil.” Porém, ao considerar um curso desses, é preciso avaliar variáveis como o salário que deixa de entrar na conta (o custo de oportunidade), a interrupção de uma trajetória profissional, a chance de a economia do país desandar. Além, é claro, dos US$ 170 mil médios de um MBA de ponta. Para complicar a decisão, há uma gama de possibilidades intermediárias: MBA nacional, em tempo parcial, moldado pela empresa, pós-graduação...
Investimentos heterodoxos
Obviamente, o MBA não é a única forma de apostar na formação. Muitas vezes, investir numa formação heterodoxa pode render ótimos frutos. Estamos falando de viagens, trabalho voluntário ou cursos que nada têm a ver com a sua área principal. É um campo menos estruturado. O risco, então, é maior. E a recompensa também pode ser. “Os valores intangíveis adquiridos nessas atividades ajudam a obter coisas concretas”, afirma Mário Sérgio Cortella, professor de filosofia da PUC de São Paulo e um dos palestrantes mais concorridos do Brasil. De acordo com ele, os conhecimentos técnicos tendem a ser vistos como commodities. Todo mundo tem. Daí o prêmio para as outras capacidades profissionais. “As vivências que melhoram a capacidade de se relacionar e estimulam a criatividade serão cada vez mais valorizadas pelas empresas”, diz Cortella.
Cronograma de aplicações
Como em qualquer aplicação, quanto mais cedo você investir na sua formação, mais rendimento terá. “Até os 30 anos, sua carteira deve ter pelo menos um terço de investimento em si próprio”, diz o especialista em contratação de executivos Robert Wong. Aos 80, não faz tanto sentido iniciar um carreira nova. (Mas o guru da administração Peter Drucker investia na aquisição de conhecimentos em uma área nova a cada década. Fez isso até sua morte, às portas de completar 96 anos.)
O investimento básico, de grande porte, é feito (pelos pais) durante a infância e adolescência. Na juventude, você entra com algum aporte, mais sua disposição e método. No meio de carreira, é preciso avançar e, ao mesmo tempo, testar outras águas (um difícil equilíbrio). À medida que você colha os frutos de suas apostas, convém tornar-se mais conservador nos investimentos. Em suma, o seu portfólio intelectual tem de ser gerido com as mesmas características necessárias nas suas finanças: consistência, atenção, informação, adequação ao seu nível de risco aceitável – e mira nos seus objetivos.
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