sábado, 21 de janeiro de 2012

A força do hábito

Por Stela Campos | ValorInveste



SÃO PAULO - A simples transferência do bebedouro de um lugar para outro geralmente provoca uma série de reações inesperadas em uma empresa. Não é difícil, portanto, imaginar o impacto causado por uma fusão, pelo fechamento de uma fábrica, pela abertura de uma planta no exterior, pela entrada em um novo negócio ou em razão da incorporação de uma nova tecnologia. Segundo os especialistas, qualquer processo de mudança é doloroso e se assemelha às cinco fases do luto: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação.
Como a inovação agora faz parte do negócio de qualquer companhia que queira se manter competitiva, é difícil hoje alguém escapar de uma mudança, seja no ambiente corporativo ou na metodologia de trabalho. Pesquisas indicam, entretanto, que 70% desses processos de transformação fracassam. Lagartas que jamais se convertem em borboletas. O principal motivo, contudo, não está relacionado ao volume de investimentos ou à disponibilização das ferramentas necessárias para sua execução. O que pode fazer tudo ir por água abaixo é justamente o intangível, o lado humano da questão. “O planejamento quase sempre é definido em termos estritamente técnicos sem levar em conta a emoção dos empregados”, diz Robert Bruner, reitor da Darden Graduate School, escola de negócios da Universidade de Virgínia, nos Estados Unidos. “As companhias sempre erram na equação: gente, tempo e dinheiro.”
“Quando uma pessoa é obrigada a engolir uma mudança de forma hierárquica, ela não faz sacrifícios para que o projeto dê certo. Isso, simplesmente, porque não se sente envolvida”, afirma Silvana Martins, gerente de gestão de mudanças da Natura. Ela assumiu o cargo, criado em 2010, com o desafio de oferecer suporte a qualquer processo de transformação da companhia. Atualmente, Silvana administra uma reestruturação na área de call center, medida que atinge mais de mil pessoas. Até o fim do ano, também estará lidando com a implementação de melhorias em quatro centros de distribuição da empresa, operação que inclui a capacitação de funcionários, terceirizados e fornecedores. “O dono do projeto nunca executa tudo, ele precisa envolver os diversos stakeholders (públicos). O desafio é coordenar tudo isso”, diz.
Toda atenção ao entorno deve estar prevista no planejamento estratégico de uma transformação. “O mercado vai estar atento aos movimentos da organização naquele período”, diz a consultora Vicky Bloch. Ela ressalta que toda modificação afeta direta ou indiretamente o cliente em relação ao produto ou aos serviços. “Trata-se de uma ruptura com diferentes públicos. Se a passagem não for bem executada, pode destruir uma marca”, afirma. A companhia nunca voltará a ser a mesma após uma mudança.
“É preciso se antecipar às notícias”, diz Jonio Foigel, presidente da Alcatel-Lucent no Brasil. Em 2006, quando era presidente da Alcatel no país, ele comandou a fusão da companhia com a Lucent. “Você é observado o tempo todo”, afirma. Ele conta que a etapa de estruturação do negócio, da definição de qual tecnologia seria usada e até de quais pessoas seriam dispensadas foi a mais simples. “A consolidação de uma nova cultura foi um processo muito mais longo e complexo”, ressalta.
Hoje, cinco anos depois da mudança, ele diz que a organização tem um novo perfil. Os diferentes estilos gerenciais da francesa Lucent e da americana Alcatel, afinal, se fundiram depois de vários ajustes. Quando duas empresas se juntam, quem vem de uma costuma achar que seu jeito de trabalhar é o mais correto. “As pessoas levam um tempo para abandonar um modo de pensar e adotar outro.”
Cada indivíduo vai absorver uma transformação a seu modo, em seu próprio ritmo. “Tem gente que troca de casa e tira tudo das caixas no mesmo dia. Outros, levam semanas para organizar as coisas”, diz Márcia Baggio, diretora de operações e novos negócios da consultoria Dextera, que faz a gestão de mudanças organizacionais. Segundo ela, a adaptação depende do grau de maturidade de cada um em relação ao novo. Ela lembra que os mais resistentes às inovações costumam se apegar aos métodos antigos, ou então passam a utilizar apenas “o feijão com  arroz” de um procedimento inédito. “Soluções excelentes acabam não funcionando por conta dessa oposição dos funcionários.”
O que pode fazer diferença nesse convencimento do efetivo é uma boa comunicação. “Ela garante 50% do sucesso”, diz o consultor Gilberto Guimarães, diretor da BPI no Brasil. O segredo, segundo ele, é a companhia se antecipar à “rádio-peão”, sendo proativa no anúncio das mudanças. “Quando a notícia vaza, vira motivo de angústia. Não existe espaço para o improviso”, diz. Afinal, todo profissional tem um plano de carreira que sempre será de alguma forma afetado pelo projeto.  Um processo de informação bem-sucedido funciona como ferramenta de retenção. 
Em alguns casos, os efeitos podem ultrapassar os limites da companhia e comprometer a família do trabalhador como em uma troca de horário de expediente ou de endereço corporativo. Quando a Whirlpool transferiu a produção de fogões da cidade de São Paulo para sua unidade fabril de Rio Claro, o vice-presidente de operações de manufatura, José Julio Pereira, organizou uma verdadeira operação de combate para tentar minimizar os problemas com a mudança. A companhia teve que dispensar 450 empregados e transferir outros 150 de cidade. “As pessoas tiveram que levar os familiares para o interior, arrumar escola para os filhos e reorganizar toda a vida. Tivemos que pensar em tudo isso, além de ajudar na recolocação dos demitidos”, diz.
Para organizar todo esse processo, Pereira elegeu um time com representantes de diversas áreas da empresa como recursos humanos, tecnologia, logística, suprimentos, planejamento estratégico, finanças, comunicação, jurídica, manufatura, além de especialistas em gestão de mudanças. “O trabalho desse grupo começou seis meses antes”, diz Pereira. Ele conta que houve uma preocupação em oferecer o mesmo tratamento aos funcionários, do nível executivo ao operacional, embora o entendimento entre eles fosse diferente. “Conseguimos fazer tudo sem interromper a produção nem por um minuto”, comemora.
A participação dos gestores da empresa nesse momento crítico ajudou no sucesso da operação. Os líderes das diversas áreas, segundo Karin Parodi, do Career Center, precisam ser preparados e engajados logo no início da operação para entender seus papéis. Eles serão responsáveis por repassar essa confiança para suas equipes e, portanto, precisam agir como “patrocinadores” da ideia. “Cabe a quem está no comando dar poder para que eles possam contribuir de fato com o projeto e não fiquem apenas executando ordens”, diz.  A consultora Márcia Baggio enfatiza que em todos os lugares existem funcionários que têm uma grande influência sobre o ambiente de trabalho, pois exercem um tipo de liderança informal. “Eles também precisam estar envolvidos.”
Ao dar início ao processo de mecanização de toda a sua operação agrícola, a empresa ETH Bioenergia, que atua na produção e comercialização de etanol, energia elétrica e açúcar, transformou os antigos “capatazes” em “líderes de frente”. “Cada um passou a comandar sua própria unidade, como se fosse dono do negócio”, conta Genésio Leme Couto, vice-presidente de pessoas, sustentabilidade e comunicação da empresa.
Trata-se de um processo de mudança cultural, não só de nomenclatura. Desde o ano passado, 272 profissionais já foram treinados para assumir a função e as novas responsabilidades. Outros 178 ainda estão realizando o curso de qualificação. O investimento nesse plano de capacitação foi de R$ 3 milhões e resultará na formação de 700 lideranças nos próximos três anos. “Até mulheres operadoras e tratoristas com potencial foram selecionadas para participar”, diz Couto.
Essa transformação envolveu todos os níveis de profissionais da ETH. Os executivos e os profissionais de recursos humanos foram responsáveis por espalhar a notícia nos mais longínquos polos em que a companhia opera. “Passar a informação estratégica até a base é um trabalho de formiguinha”, compara o presidente José Carlos Grubisich. Em sua opinião, o que dificulta as grandes mudanças é a falta de consistência entre o discurso e a prática, principalmente do líder. “Esses processos geralmente são longos e exigem coerência em sua condução”, afirma. 
Todas as transformações acabam durando mais do que o previsto e o principal executivo vai ser cobrado por essa demora. “É importante que o CEO esteja sempre bem informado, pois ele tem que ser o modelo nesse momento”, diz Karin Parodi, do Career Center. Nesses projetos, é recomendado que o presidente traga alguém de fora se perceber que não possui o perfil adequado para aquela situação. “Um ‘turnaround’ (ajustes em empresa com problemas), por exemplo, exige um conjunto específico de competências”, afirma. O “culpado” por um eventual desastre será sempre aquele que fez a implementação. “Um interino recebe o mérito do sucesso ou o ônus do fracasso, o que acaba poupando os demais”, diz  Guimarães, da BPI.
O suporte durante e após uma mudança organizacional é fundamental para que as coisas não desabem alguns meses depois. “É importante medir a temperatura das áreas que foram afetadas para promover prontamente as ações corretivas necessárias”, diz Silvana Martins, da Natura. Comemorar todas as pequenas vitórias durante a transição também ajuda na motivação dos funcionários. “É melhor do que deixar tudo para o fim do processo”, diz Karin Parodi.
Embora a gestão de uma mudança seja bastante trabalhosa e difícil, já é possível mensurar os efeitos positivos de quem consegue conduzir a transição com sucesso. Pesquisa realizada pela consultoria britânica Changefirst com 2,5 mil gestores de 120 empresas de diferentes tamanhos e setores concluiu que, em grandes projetos, para cada R$ 1,00 investido na gestão da mudança, o retorno esperado é de R$ 6,50. Mesmo com essa perspectiva financeira positiva, o mesmo estudo informa que 77% dos pesquisados afirmaram que somente 30% do orçamento total dos projetos de suas companhias foi dedicado a esse gerenciamento da transformação, sendo que em projetos de grande porte esse percentual cai para 10%.  
A companhia que promove uma mudança arrisca sua reputação, sua autoestima e dedica parte importante de seu tempo para estruturar as novas diretrizes e alinhar os procedimentos. O fracasso, diz Robert Bruner, reitor da escola de negócios Darden, pode encerrar a carreira de uma organização. “Esse será, sem dúvida, o momento de maior complexidade política de uma companhia, no qual todos vão precisar de ajuda para navegar.”
(Stela Campos | ValorInveste)

Fonte: http://www.valor.com.br/carreira/1002716/forca-do-habito

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