domingo, 15 de abril de 2012

Para correr atrás do jabuti

Marisa Éboli (meboli@usp.br) para O Estado de S.Paulo - 04/12/2012
No ano de 1966, o clima político no Brasil era péssimo, mas o ambiente cultural efervescente. Aos dez anos de idade cantarolava, quando "A Banda", de Chico Buarque, obteve o 1º lugar no II Festival da Música Popular Brasileira. À época, jamais imaginaria que, um dia, aquela menina de classe média, estudante do Externato Sagrado Coração de Jesus (o "Coleginho"), pudesse vir a ter algo em comum com seu ídolo. Sabe o que Chico e eu temos em comum? Um Prêmio Jabuti!
O livro "Educação Corporativa - Evolução, Conceitos e Elaboração de Projetos", coordenado por André Fischer, Fábio Moraes, Wilson Amorim e por mim, ganhou 3º lugar na categoria economia, administração e negócios da 53ª edição do Prêmio Jabuti. "Estorvo", "Budapeste" e "Leite Derramado", de Chico Buarque, já foram vencedores.
Sei que não é cabível estabelecer comparação entre a obra de Chico e a minha (não perdi a lucidez...), mas a alegria da premiação fez com que refletisse sobre passagens do início da minha vida escolar, que compartilho agora com vocês.
1) Numa época em que o imaginário com relação à profissão de professora primária (denominação da época) era extremamente positivo, as crianças brincavam de "escolinha", fingindo ser professoras. E foi assim brincando que minha irmã mais velha - Marilene, a Lena - me ensinou a ler e escrever quando eu tinha cinco anos de idade, antes mesmo de ingressar no pré-primário. Quando, aos seis anos, entrei para a escola, já estava completamente alfabetizada!
2) Minha professora no pré-primário, irmã Clementina, ao perceber que eu já sabia ler e escrever, teve a sensibilidade de me conceder tratamento individualizado e diferenciado: nomeou-me sua assistente na tarefa de alfabetizar as demais alunas da classe. Senti-me o máximo! De certa forma, reproduzi com minhas colegas de classe o que minha irmã havia feito comigo. Com certeza, tal vivência impactou positivamente toda minha trajetória estudantil.
3) Do primeiro ao último ano do ginásio (equivalente da 4ª à 8ª série do ensino fundamental, hoje) tive uma excelente professora de português: dona Giselda. Competente, dedicada, rigorosa, criativa e atenta, não tinha problemas de exercer sua autoridade, sempre em benefício da disciplina da classe. Definia padrões elevados de aprendizagem para o coletivo, mas observava cuidadosamente carências e desempenhos individuais, dispensando orientações específicas às suas pupilas. E tudo dosado com humor, ironia e inteligência.
Artigos de especialistas em educação dão ênfase à importância do ensino fundamental, pois ele é que deveria instrumentalizar a criança e o jovem para a aprendizagem permanente. Ou seja, é preciso que tenham desenvolvido a capacidade de aprender a aprender para o resto de suas vidas, e isso é impossível sem o domínio da linguagem.
Você deve estar se perguntando: o que isso tem a ver com a minha carreira? Tudo: afinal, as três exerceram exemplarmente o papel de líderes educadoras!
Lena: desempenhou o papel de professora, ensinando no cotidiano, transferindo seus conhecimentos. Também atuou como especialista, na medida em que recorria à sua habilidade de desenhar para ilustrar suas aulas e lições, e assim aprimorar sua didática. E, sem dúvida, seus desenhos eram muito motivadores.
Irmã Clementina: foi implacável em sua avaliação de competências, no feedback, e soube dar um tratamento diferenciado que reconhecesse meu mérito, e assim não me desestimulou. Muito pelo contrário, desafiou-me e soube colocar à disposição do grupo minha dose extra de motivação. Destaque-se que nunca tive problema de relacionamento com minhas colegas por isso.
Dona Giselda: foi uma líder educadora completa e perfeita em todos os papéis e quesitos.
Hoje, entendo bem o que significa ter uma boa educação fundamental, não importa se em casa, num "coleginho" ou em colégio de classe média. O que faz a diferença é ter líderes educadoras competentes no que ensinam e que demonstrem interesse pessoal de proximidade na orientação e no desenvolvimento de seus jovens líderes em formação, ajudando-os a ampliar seu pensamento e compartilhando seus conhecimentos, suas experiências e sabedoria. E isso eu tive a sorte de ter na mais tenra idade.
Com certeza, se alcancei o Jabuti, devo muito a esse trio.
E você, já pensou em correr atrás do seu Jabuti?

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