domingo, 15 de abril de 2012

Empresas frustram funcionários com 'ofurô corporativo'

MÁRCIA RODRIGUES , ESPECIAL PARA O ESTADO - O Estado de S.Paulo - 13/11/2011


Programas de qualidade falham por não prever plano de carreira, reconhecimento profissional e melhorias no ambiente de trabalho



Enquanto a maioria das empresas valoriza a implantação de programas de bem-estar com massagem antiestresse, exercícios de relaxamento, aulas de dança, acompanhamento nutricional e antitabagismo, os funcionários entendem que qualidade de vida no ambiente profissional é serem reconhecidos pelo seus trabalhos.
Para eles, também faz parte da qualidade ter prazer em realizar suas atividades diárias em um clima agradável, sem pressão excessiva e sem metas inatingíveis, bom relacionamento e, principalmente, possibilidade de crescimento profissional.
É o que aponta estudo coordenado pelo professor e pesquisador da Universidade de Brasília (UnB), Mário César Ferreira. A conclusão é que tanto os funcionários de empresas privadas quanto servidores públicos sentem-se "frustrados" com o que as empresas oferecem.
"Reconhecimento é uma necessidade universal, não importa onde estejamos. Seja no setor público ou privado, o funcionário quer ser valorizado pelo que faz e não desfrutar apenas de poucos momentos de bem-estar. Afinal, a maior parte de nosso dia é dedicada ao trabalho. Por isso, a qualidade deve estar atrelada a proporcionar que a atividade seja desempenhada de forma prazerosa", comenta o professor.
Para fazer o levantamento, o Grupo de Estudos e Pesquisas em Ergonomia Aplicada ao Setor Público (ErgoPublic) analisou 40 sites brasileiros de empresas (36 deles de São Paulo) que atuam na área de qualidade de vida no trabalho (QVT).
Alvo errado. O grupo identificou 85 atividades diferentes direcionadas ao bem-estar. Nenhuma apontava soluções pontuais na estrutura da empresa para melhorar o clima, o espaço físico ou o plano de carreia. Demandas que foram pleiteadas por 2.105 servidores federais, por exemplo, quando questionados sobre o que consideravam qualidade de vida no trabalho.
"O que as empresas vêm fazendo é uma espécie de 'ofurô corporativo', no qual se pega o funcionário em condições inadequadas de trabalho e o coloca em uma aula de ioga, por exemplo", afirma Ferreira.
Ele acrescenta: "Depois de 50 minutos de relaxamento, ele volta para o mesmo ambiente deteriorado e tem até um choque de realidade. Afinal, o que ele vive na maior parte do tempo está naquela sala. É um erro valorizar medidas que focam o indivíduo e não o ambiente de trabalho".
O professor orienta as empresas a ouvirem os funcionários para identificar melhor os problemas e cortá-los pela raiz.
"A questão é que os programas criados pelas corporações têm como foco aumentar a resistência física ou mental do indivíduo visando a produtividade", comenta.
Atividades laborais e sessões de relaxamento, na opinião dele, visam apenas a manter o trabalhador saudável e ativo.
Para Ferreira, o funcionário não é bobo e logo percebe que essas "distrações" não resolvem seus problemas diários.
Alguns programas, no entanto, podem ser positivos para os funcionários. É o caso do diretor comercial do Grupo Gente, consultoria especializada na contratação de mão de obra para outras empresas, José Roberto Machado, que perdeu 12 quilos com um programa nutricional corporativo.

O que o trabalhador espera

Valorização
Reconhecimento por sua dedicação mesmo quando, apesar do esforço, não atingir a meta.

Companheirismo
Valorização dos colegas de trabalho, ou seja, que cada um veja o que o outro faz de melhor para o crescimento da empresa.

Olho clínico
Que o chefe direto esteja sempre atento e perceba o potencial de cada um da equipe e os elogie quando merecer

Ascensão
Possibilidade de crescimento profissional, promoção ou aumento salarial

Indivíduo
Que a corporação, de forma institucional, mostre a importância de cada colaborador para que tudo funcione bem.

Diferença
Que a atuação da empresa e de cada funcionário que nela trabalha, exerçam um papel importante para melhorar a sociedade.

Iniciativas integradas melhoram o resultado
Cada vez mais os executivos e líderes de empresas estão buscando ações que proporcionem momentos de prazer e a prática de esportes no seu dia a dia para driblar o estresse. E os programas implantados nas empresas podem ser uma alavanca positiva para esse propósito, defende a vice-presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), Elaine Saad. "É bom proporcionar momentos de prazer para o funcionário", diz.

No entanto, pontua: "Mas se as ações forem implantadas isoladas não serão produtivas", reconhece. Assim como o professor da Universidade de Brasília (UnB), Márcio César Ferreira, ela acredita que é necessário planejar ações de qualidade de vida no trabalho (QTV) como um todo.

"É preciso motivar o funcionário com um plano de carreira para que perceba que pode ter futuro na empresa, ter reconhecimento profissional e até um aumento de salário", diz.

A opinião de ambos é compartilhada por Luis Savério, diretor da Business Partners Consulting. "As empresas estão investindo em incentivos errados e podem acabar, inclusive, prejudicando o funcionário, de certo modo, mesmo que a intenção seja boa", diz.

Segundo ele, tirar o funcionário de um ambiente por um curto período para ter alguma atividade relaxante e, depois, devolvê-lo para uma rotina de exaustão pode até aflorar um estípolo danoso a médio prazo.

"Pode-se criar um ciclo no qual ele sai da euforia, passa pela frustração, exaustão e chegam ao stress. Afinal o trabalhador sai de um ambiente no qual não está satisfeito por vários motivos, passa por momentos de prazer e volta para a sua rotina como se jogassem um balde de água fria nele", afirma.

Savério também ressalta que para um programa de qualidade de vida no trabalho funcionar, é preciso avaliar a empresa, a gestão, a atividade de cada funcionário como um todo. "O que incentiva o ser humano contina sendo o reconhecimento. E para tornar um trabalhador mais produtivo, é preciso investir em ambiente de trabalho. E isso incluí tanto aspectos físicos, como móveis, disposição da sala etc., como relacionamento com os colegas, chefes hierárquicos e direção da empresa", diz. 

O que as organizações oferecem

  • Reeducação nutricional
  • Atividades Culturais
  • Suporte psicológico
  • Suporte em treinamentos
  • Terapias corporais
  • Diagnósticos
  • Suporte físico-corporal
  • Suporte corporativo
  • Abordagens holísticas orientais
  • Programas antitabagismo

Equipe deve ser consultada antes da escolha dos programas

Antes da implantação de qualquer programa, é preciso fazer uma pesquisa para saber o desejo dos funcionários. A dica é de Elaine Saad, vice-presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH). Também é importante que qualquer adesão seja voluntária para não tornar a atividade estressante e como se fosse "mais uma obrigação" para o funcionário.

Uma alternativa é aplicar pesquisas. "A equipe costuma se manifestar bem e o programa se torna mais atraente", orienta.

No Grupo Gente, consultoria especializada na contratação de mão de obra para outras empresas, por exemplo, todos os anos os funcionários escolhem um programa para participar. Neste ano, motivados por um dos diretores que participa do grupo Vigilantes do Peso, resolveram investir na reeducação alimentar. O resultado não poderia ter sido mais positivo para o diretor comercial, José Roberto Machado. Em três meses ele perdeu 12 quilos. "Eu ainda quero emagrecer mais 10 quilos", anima-se.

Para ele, foi essencial o empurrão dado pela empresa. "Sabia que precisava emagrecer, mas sempre protelava a dieta. Foi importante participar das reuniões todas as quartas-feiras junto com meus amigos de trabalho", diz. Agora, até atividade física o ele voltou a fazer. "Quando era mais novo, jogava futebol. Quando casei não praticava mais nenhum esporte. Hoje, como trabalho no centro, procuro fazer uma caminhada de meia hora na Praça da República todos os dias na hora do almoço", afirma.

Machado conta que todos os anos a empresa faz uma pesquisa para avaliar o clima organizacional e as demandas dos funcionários. O que, para ele, contribui para o clima agradável e descontraído do escritório. "Todos se relacionam muito bem aqui e nos empolgamos bastante com as atividades extras que a empresa nos oferece. Já tivemos até aula de dança!"

Atividades: Alguns programas incluem aulas de dança, alinhamento energético com pedras quentes, mapa astral, tratamentos com florais e nutricionais e técnicas de relaxamento.


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