domingo, 31 de outubro de 2010

O psicodrama na área de RH

O psicodrama na área de RH

O psicodrama pode ser considerado uma via de investigação da mente humana, mediante à ação. É um método de pesquisa e de intervenção nas relações interpessoais, nos grupos, entre grupos ou de uma pessoa consigo mesma. Vivencia a realidade a partir do reconhecimento das diferenças e dos conflitos, facilitando a busca de alternativas para a resolução do que é revelado, expandindo os recursos disponíveis. Criado pelo médico Jacob Levy Moreno, esse método vem sendo utilizado na área clínica, na educação, em comunidades e em organizações. No caso específico das empresas, o psicodrama pode ser uma ferramenta auxiliar nos processos de recrutamento e seleção e na área de treinamento e desenvolvimento. Para conhecer um pouco sobre a proposta desse método e de sua aplicação em Recursos Humanos, o RH.com.br conversou com a psicóloga Vânia Lúcia Andrade que há dez anos utiliza o psicodrama no dia-a-dia organizacional e há três anos o aplica para fins didáticos, em faculdades. Confira a entrevista!
RH.COM.BR - Como o psicodrama pode ser trabalhado nas organizações?
Vânia Lúcia Andrade - No psicodrama trabalhamos a representação de papéis. Numa organização, por exemplo, o papel pode ser de um gerente, um coordenador ou um colaborador. Como tendemos a cristalizar papéis mediante às pressões sociais, o psicodrama busca desenvolver a espontaneidade e trabalhar a rigidez dos papéis. É a vivência do "tele" - relação télica - que é a capacidade de empatia, de "estar junto" e de interação com o outro. Como o psicodrama se constitui, dentre outras técnicas, de uma dramatização de conflitos, adota-se temporariamente um determinado papel e dentro de uma dada situação os participantes atuam livremente, expressando seus sentimentos para melhor compreendê-los.
RH - Qual a proposta desse método?
Andrade - Quando Jacob Levy Moreno criou o psicodrama, ele se constituia de uma prática específica para a terapia de grupo. Porém, sua eficácia terapêutica, através da encenação de conflitos, levou o método a ser utilizado, além da clínica, em outras áreas de atuação e chegou às escolas, às empresas, aos hospitais, entre outros. A proposta é aplicá-lo em campos onde existem problemas de relações humanas e de comunicação como, por exemplo, entre dirigente e dirigido, pais e filhos, homem e mulher, colegas de trabalho ou mesmo junto a pessoas que apresentem alguma problemática social.
RH - Quando e como esse método passou a ser usado no Brasil?
Andrade - Inicialmente, o psicodrama foi utilizado em uma escola pública, com a utilização de bonecos com a direção de Ofélia Boisson Cardoso, onde eram traduzidas emoções e desordens psíquicas de pequenos transgressores. Em 1930, foi utilizado na escola de aperfeiçoamento pedagógico de Belo Horizonte, onde as professoras e as alunas utilizavam o teatro de bonecos - uma das técnicas do psicodrama - para a reeducação, sob orientação de Helena Antipoff. Em 1949, o Dr. Guerreiro Raos, ligado ao Dr. Jacob Levy Moreno, criador do psicodrama, conduziu um seminário no Rio de Janeiro onde esse método foi um dos temas relevantes. A partir dessa época, o psicodrama se expandiu, o professor Pierre Weil realizou experiências com o psicodrama aplicado em treinamento no SENAC/RJ. Na década de 70, foi fundada a SOBRAP (Sociedade Brasileira de Psicoterapia, Dinâmica de grupo e Psicodrama) e a FEBRAP (Federação Brasileira de Psicodrama) que formam especialistas e organizam eventos referentes ao tema.
RH - Qual a diferença entre psicodrama e dinâmica de grupo?
Andrade - As técnicas e a teoria são diferentes. Quanto aos objetivos dessas, podemos utilizar ambos para um mesmo objetivo. Vamos esclarecer: o psicodrama se utiliza da representação de papéis. Por exemplo, um protagonista representa a fala do colaborador motivado e o outro do desmotivado dentro da empresa. Tratamos uma questão problemática ou de conflito vivida pelos protagonistas. O foco é o problema vivido. A dinâmica de grupo também pode trabalhar conflitos, porém, se utiliza de técnicas vivenciais que facilitem este trabalho. Selecionamos previamente técnicas que favoreçam a melhora do desenvolvimento do grupo na questão a ser trabalhada. O foco não é a representação e sim a vivência. Os recursos utilizados podem ser além da fala, o material pedagógico, dentre outros. Ou seja, no psicodrama corresponde a aprender representando e na dinâmica de grupo se aprende vivenciando.
RH - De que maneira podemos identificar qual o momento certo para se usar o psicodrama ou a dinâmica de grupo?
Andrade - O psicodrama requer um lugar adequado e reservado, um profissional preparado e um tema. Com apenas um participante você pode aplicá-lo. A dinâmica de grupo, muitas vezes, requer uma seleção prévia de técnicas e de material. Requer um grupo de pessoas para sua aplicação. A identificação do melhor momento para usar o psicodrama ou a dinâmica de grupo vai de encontro à disponibilidade de materiais e de tempo, envolvendo também a quantidade de participantes. Se você precisa desenvolver uma equipe por exemplo, você pode usar várias sessões psicodramáticas/sociodramáticas ou várias técnicas de dinâmicas de grupo com este objetivo. Ou mesmo, desenvolver o grupo ora aplicando o psicodrama e ora a dinâmica de grupo. Esta aliança produz ótimos resultados.
RH - Em que casos o psicrodrama pode ser usado pela área de RH?
Andrade - Podemos utilizar o psicodrama nos processos de recrutamento e seleção e na área de treinamento e desenvolvimento organizacional. Dispomos, por exemplo, da cena dramática para auxiliar na administração de conflitos dentro da empresa, na tomada de decisão e na minimização de barreiras da comunicação. Também utilizamos esse método como catarse - pôr para fora os problemas vivenciados ou mesmo preparando um colaborador para vivenciar situações futuras a exemplo de um gerente nomeado que vai tomar posse de seu cargo. O psicodrama ajuda também a treinar o autocontrole. A dramatização - role-playing - que é a representação teatral para fins didáticos, pode trabalhar situações que envolvem funcionários que costumam chegar atrasados, pessoas mal-humoradas, e coordenadores autoritários, sempre vivenciando os papéis para melhor compreendê-los.
RH - Em que situações a Sra. já utilizou o psicodrama no dia-a-dia organizacioal?
Andrade - Já utilizei o psicodrama para ajudar dois colegas de trabalho de um determinado setor que, apesar de parceiros, entravam em conflitos nas tomadas de decisão e estavam se desgastando com discussões. Os funcionários dramatizavam uma situação - role-playing - e enquanto facilitadora atuava como ego-auxiliar, assumindo temporariamente o papel deles, ajudando a clarear os sentimentos, as percepções de ambos e a mensagem contida nas entrelinhas que não estava sendo expressada durante as discussões. Também já apliquei em simulação de vendas, onde o psicodrama serviu para o desenvolvimento da empatia. Os protagonistas viveram papéis alheios. Por exemplo: o vendedor virou cliente e vice-versa. Na ocasião, houve um verdadeiro treinamento da capacidade de um se colocar no lugar do outro.
RH - Esse método pode ser aplicado individualmente ou também pode ser trabalhado em grupo?
Andrade - Podemos trabalhar nos dois casos. Quando a pessoa precisa de ajuda, podemos colocar uma cadeira ou uma almofada para simbolizar o outro e, em forma de monólogo, ela expressa o que a aflige. Em grupo, cada membro desempenha um papel respeitando o tema proposto. O efeito terapêutico é o mesmo em ambos os casos, porque vale a intensidade com que o participante se coloca na sua representação e o auxílio prestado pelo psicodramatista. É bom lembrarmos que antes da representação ocorre a fase do aquecimento e após, ocorre a de compartilhamento.
RH - Quais as vantagens que esse método oferece para as organizações?
Andrade - Além do método não exigir maiores custos, uma única sessão pode ajudar a enxergar vários pontos obscuros da dinâmica das relações dentro da empresa. O que é vivenciado, em uma sessão de psicodrama, é mais intenso do que é apenas falado como, por exemplo, numa sessão de aconselhamento psicológico. Com os problemas resolvidos o colaborador vai canalizar suas energias para o trabalho e não para as relações que o angustiam.
RH - Que tipo de conseqüências o uso inadeqüado desse método pode causar?
Andrade - Quando aplicamos o psicodrama, ou outra técnica que envolva pessoas, precisamos ter uma formação especializada em instituições competentes com estudos aprofundados sobre o comportamento humano, além de uma experiência prévia. Não há espaço para o improviso. É imprescindível a competência profissional e pessoal, pois lidar com ser humano é arriscar-se. Os erros cometidos podem trazer prejuízos irreversíveis, portanto não há justificativa para o amadorismo. Não sabemos o que o método pode desencadear em cada pessoa, mas sabemos que o profissional tem que dar conta para contornar o que foi desencadeado, a fim de que não fiquem questões mal resolvidas. Numa organização, o mau uso pode ser desastroso, agravando conflitos e problemas, ao invés de solucioná-los.
RH - Quem está apto para conduzir esse método?
Andrade - Os psicodramatistas geralmente são psicólogos e psiquiatras que fizeram uma especialização na área. Estudantes de psicologia do terceiro ano já podem iniciar sua formação. É recomendável que já tenha passado ou esteja em terapia pessoal. Dominar técnicas de dinâmica de grupo ou atuar como terapêuta de grupo favorecem sua formação.
RH - O psicodrama precisa ser trabalhado em conjunto com alguma outra ferramenta?
Andrade - Uma situação de conflito, de um indivíduo com outra pessoa do grupo, pode ser resolvida com uma ou algumas sessões psicodramáticas, sem que seja necessário utilizar outras ferramentas. No entanto, para desenvolver uma equipe, melhorar a eficácia da comunicação da mesma ou recrutar pessoas é importante a utilização de outras técnicas como a dinâmica de grupo, jogos de empresa para aquilatarem o trabalho.
RH - A utilização do psicodrama é suficiente para traçar o perfil de um profissional?
Andrade - Quando vamos traçar o perfil aliamos várias ferramentas e o psicodrama pode ser uma delas. Mas, é bom lembrarmos que não podemos dispensar uma entrevista bem conduzida com profissionais capacitados e a utilização de técnicas de dinâmica de grupo, dentre outras ferramentas. Dependendo do cargo, uma bateria de testes de habilidades e testes psicométricos também ajudam a traçar um perfil profissional mais fidedigno.
RH - Apesar de ser um método de baixo custo e de retornos significativos, notadamente em R&S e T&D, por que os áreas de RH das empresas não utilizam o psicodrama com mais freqüência?
Andrade - Acredito que um dos fatores seja a falta de especialistas, pois nem todos os profissionais que atuam na área de Recursos Humanos se prepararam para aplicação do psicodrama. Outro motivo, seria a falta de uma maior divulgação, por parte dos profissionais de RH, dos resultados alcançados por essa técnica. Muitas vezes, o gestor de recrutamento e seleção, de treinamento ou de RH faz uso apenas do que ele domina, utilizando outras técnicas para o desenvolvimento do seu trabalho dentro das organizações como , por exemplo, as dinâmicas de grupo e os jogos de empresa.
Bibliografia
Para iniciantes
ALMEIDA, Lúcia. O Trabalhador no Mundo Contemporâneo - Psicodrama nas Organizações. Agora.
BUSTOS, Dalmiro M. Psicodrama: aplicações da técnica psicodramática. São Paulo: Summus, 1982.
MORENO, J. L. Psicodrama. São Paulo: Cultrix, 1975.
ROJAS-BERMUDEZ, Jaime G. Introdução ao psicodrama Edição: 3. São Paulo: Mestre Jou, 1980.
Para quem desenvolve a técnica
HOLMES, Paul (org.); KARP, Márcia (org.); WATSON, Michael (org.). Psicodrama após Moreno: inovações na teoria e na prática. São Paulo: Agora, 1998.
PERAZZO, Sérgio. São Paulo: Agora, 1994.
Livros práticos
D'ANDREA, Flavio Fortes. Psicodrama Teorias e Tecnicas. Bertrand Brasil.
DIAS, Victor R.c.Silva. Psicodrama - Teoria e Pratica. Agora.
MACHADO, Maria Clara; ROSMAN, Marta .Cem jogos dramáticos: teatro. Edição: 2. Rio de Janeiro: Agir, 1996.

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