sábado, 30 de outubro de 2010

Os dramas da mente

Desenvolvimento
Os dramas da mente

As artes cênicas desenvolvem, por meio da dramatização, o desempenho pessoal e profissional de leigos e até de psicólogos

Por Anderson Fernandes de Oliveira
◆ Assista a uma aula de teatro e veja como ela pode ser interessante. O vídeo chama-se Matéria Timidez, e mostra um pouco de como funcionam as aulas em cursos de artes cênicas. Ele está disponível gratuitamente no You Tube e foi produzido por Programa Fuzarka - Band minas.
A mente vive nos pregando peças. Quantas vezes nos deparamos com situações em que não conseguimos controlar nossa ansiedade, nossa angústia, nosso medo? Falar em público, por exemplo, pode ser um desafio assustador, abrindo a possibilidade de trazer consigo todos esses sentimentos citados. Contudo, isso pode ir além de um quadro de simples timidez: pode ser um bloqu
eio, um problema muito maior. Quando chega a hora iminente de se apresentar diante de outros, os riscos de passar por uma situação constrangedora são grandes.
Geralmente, este tipo de situação está ligado à infância e à adolescência, quando se iniciam os primeiros trabalhos escolares que exigem exposição. Mas essas travas podem ultrapassar as barreiras acadêmicas e prejudicar o campo profissional de diversas pessoas, inclusive psicólogos.

PSICODRAMA NA PRÁTICA

Jacob Levy Moreno (1889-1974) criou a concepção de que podemos definir a alma hu- 58 psique ciência&vida mana por meio da ação, intitulada Psicodrama. É um método de pesquisa e intervenção nas relações interpessoais entre grupos ou de uma pessoa consigo mesma. Ele também idealiza a Sociometria, que focaliza o próprio grupo, diferentemente da técnica de Psicodrama, com foco no indivíduo no trabalho dramático.
Moreno sonhava com a transformação social e do trabalho. Já no começo do século XX, ele ia às praças públicas de Viena e interagia com a comunidade, provocando sua plateia a descobrir novas formas de estar no mundo. A Filosofia do momento, que embasa a teoria e a prática psicodramática, configurou-se por sua observação do potencial criativo do ser humano.
Em grego, drama significa "ação", portanto. Psicodrama pode ser definido como uma via de investigação da alma humana mediante a ação. Mas, na prática, será que essa técnica seria capaz de desenvolver um indivíduo com os bloqueios sociais que o limitam às apresentações em público?

Muitos profissionais, até mesmo psicólogos, têm uma grande barreira mental que os atrapalham - ou impedem - de se apresentar em grupo
Marília Ferreira é atriz e se envolveu com arte há pouco mais de três anos. Ela diz que na infância tinha sérios problemas em se envolver com os grupos escolares. Mais que isso, tinha dificuldade de se expressar e era muito introvertida. Este problema, na fase adulta, foi sanado graças às aulas de teatro. Nelas, Marília destaca os "jogos teatrais", que buscam trabalhar a exposição da pessoa. "Eles nos fazem agir algumas vezes de maneira boba diante de algumas pessoas, mas justamente para que haja uma quebra nos bloqueios da timidez. Aos poucos, e com muito trabalho, esse bloqueio vai desaparecendo começamos a desenvolver melhor um lado 'cara de pau' por assim dizer. Você fica mais preparado para agir quando for solicitado", explica a atriz.

TÉCNICAS CÊNICAS

Para extravasar a timidez, portanto, pessoas têm como alternativa as aulas de teatro. Para a jovem atriz Marília, na didática em palco há um grande desenvolvimento pessoal, mas isso depende e varia de acordo com os limites de cada pessoa. "Teatro é autoconhecimento, e não um psicólogo que irá discutir seus problemas mais íntimos", ela comenta. Tendo em vista ideários como este, algumas escolas de teatro estão adotando técnicas do Psicodrama de Moreno, com o intuito de embasar ainda mais as disciplinas do curso.
Com mais de 13 anos de experiência como consultora na área de relacionamento com o cliente, ministrando diversos módulos de treinamentos para atendentes, supervisores e gerentes de empresas de Call Centers, a psicóloga Roseli de Freitas, especializada em Telemarketing pela Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), ressalta a importância da abordagem cênica para o aperfeiçoamento da desenvoltura pessoal, que reflete direto no campo profissional.
Sobre os desafios que as pessoas enfrentam na hora de se apresentar, relacionar-se e desenvolverse com outras, Roseli considera o medo o maior deles. Medo da exposição, de errar, de ser julgado, de não ser aceito, de sentir-se rejeitado. Em processos seletivos, por exemplo, a psicóloga observa que muitas pessoas com talento perdem grandes oportunidades por não terem coragem de se expor, de correr riscos. Padrão esse que pode ter sido aprendido com base em um modelo rígido de educação, em busca da perfeição.
Roseli, trabalha com a autoestima das pessoas que lidam, antes de tudo, com a emoção de alguém que está do outro lado, com o cliente.

MUITAS PESSOAS COM TALENTO PERDEM GRANDES OPORTUNIDADES POR NÃO TEREM CORAGEM DE SE EXPOR, DE CORRER RISCOS

Para esse trabalho, ela adotou alguns procedimentos técnicos, como, por exemplo, simulação, dinâmica, jogos e dramatização.

APERFEIÇOANDO PROFISSIONAIS PSI

A situação curiosa que vem acontecendo é quando os psicólogos recorrem a essa prática, seja para romper as barreiras e travas sociais, ou na intenção de aperfeiçoar as suas já adquiridas técnicas de entrosamento e comunicação. Foi o caso da psicóloga Roseli, que encontrou em uma escola de teatro, as técnicas que precisava para aperfeiçoar o seu trabalho.
Ela diz que o curso influencia de modo direto a sua profissão. "Quando decidi procurar um curso de teatro estava em busca de novas dinâmicas, técnicas e metodologias que eu pudesse aplicar nos treinamentos para profissionais das áreas de Call Center e de cobrança por telefone. Pude, por meio da aplicação das técnicas que aprendi, facilitar o aprendizado dos 'treinandos'", explica.
Para a psicóloga, o desenvolvimento cênico como potencializador na formação de um indivíduo é uma grande oportunidade de vivenciar algo que, muitas vezes, ele não se permitiria experimentar em seu cotidiano, por causa de seus bloqueios. É como se ele, num primeiro momento, estivesse apenas emprestando seu corpo para um personagem. Mas, na realidade, ele está entrando em contato com conteúdos seus, que jamais havia pensado. E entrar em contato é construir ou reconstruir uma experiência nova, poder mudar uma atitude, trazer uma nova forma de ver o mundo e agir.
Vagas que exigem uma postura de extroversão, por exemplo, são alguns dos desafios para pessoas com esses bloqueios. Segundo Ana Paula Gimenes, psicóloga pela Universidade de São Francisco e pós-graduada em Desenvolvimento do Potencial Humano nas Organizações, pela PUC-Campinas, existem casos de pessoas tímidas que se saem bem em um cargo que exija desenvoltura, porém, exige um treino para isso.
Ela acredita que essas pessoas deverão ter um esforço maior para se sobressair e, com esse, superar-se constantemente. "Temos exemplos de garotos que vêm para o primeiro emprego (como empacotador), e são mais 'acanhados', mais tímidos, e com a necessidade do dia a dia em ter de entrar em contato direto com os clientes, desenvolvem esta habilidade, se destacando mais, conquistando promoções dentro da empresa", afirma a psicóloga que trabalha no RH de uma rede de supermercados.

METODOLOGIA BRASILEIRA DE ENSINOS

As dificuldades que as pessoas apresentam em sua vida pessoal são refletidas em seu trabalho no palco. Com isso em vista, Leonardo Calixto, diretor da Escola E.I.T. (Espaço de Interpretação Teatral), que reúne outros dois grupos voltados à arte e ao desenvolvimento pessoal, idealizou uma metodologia de ensino exclusiva e visionária, chamada Cultura de Performance. "Comecei a preparar os atores não apenas para o trabalho ao qual eram contratados, e sim para a carreira. Para isso, focava sempre no desenvolvimento pessoal e obtinha os melhores resultados no palco. Claro, tudo isso sem negligenciar as técnicas imprescindíveis das artes cênicas", explica Calixto, sobre seu processo de criação.
Ele desenvolveu uma metodologia que além de potencializar o desempenho dos profissionais, consideraria o meio que eles estão inseridos, sua cultura. "Cansei de atender executivos com ótimo desempenho, mas que quando trocavam de instituição financeira se viam surpresos com as dificuldades de desempenho que tinham na nova instituição; alguns a ponto de não conseguirem se desempenhar, não permanecendo no cargo, tudo isso apenas por desconsiderarem a nova cultura a que estavam inseridos", afirma o empresário. Desta forma, ele concluiu que performance não é nada sem a cultura, originando o nome da metodologia: Cultura de Performance.
O curso está aberto para todos os públicos, mas os psicólogos profissionais de RH podem se beneficiar muito com ele. A Cultura de Performance dispõe de técnicas e ferramentas de gestão de pessoas, que auxiliam o profissional de recursos humanos nessa empreitada de identificar e preencher as necessidades comportamentais do mundo corporativo, da forma mais humanizada possível. Dentre as ferramentas, estão o Assessments, que prepara o psicólogo para analisar o perfil comportamental, e o Feedback, dedicado a fortalecer aprendizados, minimizando limitações.

Participam dos cursos desde diretores de multinacionais até profissionais liberais, como médicos, engenheiros e psicólogos. Todos com objetivo de desenvolver sua habilidade de comunicação

Em busca de aperfeiçoar seu trabalho dentro da empresa, Ana Paula também procurou ajuda de uma escola de teatro para trabalhar seus métodos. Segundo ela, profissionais que lidam com Recursos Humanos estão sempre em contato com pessoas, expectativas e emoções, e o curso a auxiliou conhecer mais de si mesma e, desta forma, tornar-se mais apta a ajudar outras pessoas.

O LADO DE DENTRO

Autoconhecimento, para entrar no ciclo de aprendizado contínuo, e astúcia política, ou seja, saber se colocar em qualquer situação, sendo sempre um profissional com equilíbrio são fatores fundamentais para aperfeiçoar a desenvoltura social de um indivíduo no local de trabalho, apontados por Andréa Mônaco, psicóloga, atriz, coordenadora responsável pela elaboração, aplicação e acompanhamento de Programas de Treinamentos e Desenvolvimentos (T&D) focados em Comunicação, coaching e coordenadora geral de consultores de desenvolvimento pessoal e profissional da HomineArt, consultoria de capital humano.
Andréa já treinou diversos executivos e colaboradores de grandes empresas e multinacionais e cita que o departamento de pessoal de uma empresa pode adotar três processos facilitadores no desenvolvimento de seus funcionários. "O primeiro passo é criar na empresa uma cultura de que não existem erros, apenas aprendizados. Em segundo lugar, formular um T&D conforme as condições financeiras da empresa (budget) e o público alvo (target) fundamentado na cultura sugerida, para desenvolvimento dos envolvidos. E, por fim, preparar o ambiente corporativo para aceitar as mudanças comportamentais daqueles que estão neste programa de desenvolvimento."
Ela considera que todos, sem exceção, conseguem potencializar os seus "eus", tornando-se mais comunicativos, por meio dos treinamentos em cursos de artes cênicas. Isso também é válido até mesmo para os mais tímidos. O fato a se destacar é que algumas pessoas têm mais facilidade do que outras para se entregar ao processo das aulas e, por isso, colhem os resultados mais rapidamente, uma vez que não existe dificuldade de aprendizado, mas sim de entrega. Mas, segundo a professora e psicóloga, invariavelmente, todos atingem os objetivos a que se propuseram.
Entretanto, ela afirma que nem sempre timidez e introversão são fatores desencadeantes de um bloqueio nas relações sociais. "Atendi, certa vez, um executivo do sistema financeiro que não conseguia se desempenhar em suas reuniões e apresentações por ficar demasiadamente preocupado com o que seus pares e líderes estavam pensando a seu respeito. Esse é o medo da desaprovação, o mais comum limitador no desenvolvimento pessoal e profissional. Digo que 95% dos nossos 'treinandos' possuem esse bloqueio por não se autoconhecerem o suficiente", revela Andréa.

PSICODRAMA E SUAS REFERÊNCIAS LITERÁRIAS

Loucos em cena
O psiquiatra José Fonseca analisa e entrelaça a filosofia dialógica de Martin Buber e as teorias psicodramáticas de Jacob Levy Moreno. Essa análise, somada à experiência clínica, permite ao autor expor sua visão da loucura e da sanidade, esboçando a teoria do desenvolvimento da personalidade. Indicado para profissionais das áreas psi, educadores e pessoas interessadas em filosofia e religião.
Psicodrama da loucura - Correlações entre Buber e Moreno Por: José Fonseca. Editora Ágora


Drama atual
O livro organizado pelo psicodramatista estadunidense Jacob Gershoni, , traz a contribuição de autores de diversas partes do mundo, Eles escrevem sobre sua prática clínica com famílias, crianças, adolescentes e minorias, bem como sobre o uso do psicodrama em ambientes educacionais e na área jurídica. Apresenta também as mais modernas aplicações do psicodrama e retoma a contribuição de Moreno para a psicoterapia de grupo
Psicodrama no século 21 - Aplicações clínicas e educacionais Por: Jacob Gershoni. Editora Ágora
                                                                                                                      
Cérebro em foco
Fundamentando os pressupostos básicos da teoria de Moreno e das contribuições de Jaime Guillermo Rojas- Bermúdez com estudos da neurociência, a obra aborda o relacionamento terapêutico e os mecanismos de mudança numa perspectiva neuropsicológica. Também menciona, com casos clínicos, a técnica da construção de imagens e discute diretrizes para o psicodramatista contemporâneo.
Psicodrama e neurociência - Contribuições para a mudança terapêutica Por: Heloisa Junqueira Fleury, Georges Salim Khouri e Edward Hug. Editora Ágora


Caminhos brasileiros
O livro recupera a história do psicodrama brasileiro desde seus primórdios, contextualizando o movimento social. Aborda a chegada do psicodrama no Brasil, a resistência à ditadura militar, a criação da Federação Brasileira de Psicodrama (Febrap) e da Revista Brasileira de Psicodrama, os congressos bianuais e alguns eventos fundamentais para a expansão do movimento, bem como seus precursores no Brasil e a influência de outras áreas do conhecimento sobre eles.
Psicodrama brasileiro - História e memórias Por: Júlia Motta. Editora Ágora
Contudo, para Cintia Balsinelli, psicóloga do departamento de Recursos Humanos da editora de livros Larousse, buscar aperfeiçoar a desenvoltura por meio das artes cênicas não é suficiente para pessoas com dificuldade em entrosamento. Ela ressalta a importância das artes teatrais para a mente e cognição de um indivíduo, mas avalia que saber entender-se e conhecer-se é o que vai garantir que possíveis dificuldades sejam realmente sanadas, ou seja, procurar ajuda de um psicólogo.
De qualquer maneira, Cintia acredita que o palco sirva para aprimorar nossa comunicação sobre diversos aspectos, o que facilita muita coisa no nosso dia a dia. Para ela, a comunicação é, hoje, nosso maior trunfo. Saber ouvir e observar faz parte desta comunicação e estas técnicas são amplamente ensinadas nestes cursos. "Jacob Levy Moreno trabalhava muito com o Psicodrama, que é uma técnica de tratamento grupal. Ele acreditava que por meio da dramatização de temas específicos, o paciente conseguiria não só interagir com o grupo, mas também aprender com ele. De forma simples e objetiva, os temas eram 'vivenciados' pelos participantes de forma a explorarem suas emoções e conflitos", reflete a psicóloga.
Cintia também revela que, na área de Recursos Humanos, por exemplo, estas técnicas são utilizadas em seleção de pessoal e também em treinamentos corporativos, pois permitem a vivência do conflito, exploram a espontaneidade e fazem que os participantes revivam o seu papel dentro da organização.

EM CIMA DO TABLADO

Os jogos dramáticos são uma das formas para soltar os personagens inconscientes dos indivíduo. É o momento do autoconhecimento

No Psicodrama, o compartilhamento de histórias permite recriar um acontecimento e vê-lo de outra forma, além de compartilhá-lo de forma a criar uma realidade semelhante a todos. Isso permite reviver o papel da pessoa dentro da sociedade e aprimorá-lo a fim de resolver conflitos internos e/ou sociais.
Se pegarmos alguns pontos da teoria do Psicodrama, poderemos entender o porquê de os cursos em artes cênicas serem tão procurados para casos de dificuldade de expressão e envolvimento social. A dramatização, por exemplo, é uma das técnicas estudadas por Moreno, que tem como objetivo aproximar o indivíduo dele mesmo, por meio da espontaneidade. Trata- se de um caminho pelo qual o indivíduo pode entrar em contato com seus conflitos internos, que até então estavam em estado inconsciente.
Outro exemplo é o jogo dramático, técnica que tem a finalidade de aproximar o psicólogo dos problemas da pessoa, por meio de jogos. Parafraseando a atriz Marília Ferreira, os jogos expõem as pessoas a situações, por vezes, embaraçosas. Remetendo a Moreno, cenas sem dramaticidade são cenas vazias. Pelas cenas dramáticas, o indivíduo expressa livremente as criações do seu mundo interno, realizando-as na forma de representação de um papel, pela produção mental de uma fantasia ou por uma determinada atividade corporal. Assim, com os dramas vividos em cima do tablado, a pessoa tem a possibilidade de encontrar seu potencial escondido dentro de seus personagens inconscientes


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