terça-feira, 15 de novembro de 2011

O desafio da diversidade e biodiversidade

O desafio da diversidade e biodiversidade

A disponibilidade de matéria-prima e a qualidade da mão-de-obra sempre foram variáveis determinantes para o sucesso de uma empresa. Em um passado recente, bastava que se tivesse acesso à primeira, normalmente abundante, e que se investisse na segunda para crescer e prosperar. De uns tempos para cá, no entanto, as companhias começaram a perceber que, por não ser mais tão farta,  o preço da a matéria-prima, bruta ou manufaturada, passou a variar conforme a oferta dos recursos naturais.
Com a ascensão do profissional do conhecimento, o fator humano, antes uma peça na engrenagem da produção uniformizada, tornou-se fundamental para a inovação, a tal ponto que hoje, já se sabe, quanto mais diverso é o quadro de colaboradores maiores são as chances da empresa compreender e atender melhor  às necessidades do mercado, gerar soluções mais eficazes.
Nesse novo cenário, marcado pela emergência do conceito de sustentabilidade, iniciativas de valorização da biodiversidade, que promovam a pesquisa, preservação e recuperação da fauna e flora, assim como ações de estímulo à diversidade – oportunidade a grupos em situação de exclusão ou desvantagem, como deficientes físicos, negros, mulheres, homossexuais, idosos – estão cada dia mais no topo da pauta das empresas que desejam se manter competitivas no mercado não apenas hoje mas sempre.
A riqueza da diferença
Por trás da imagem de país multi-étnico, onde diferentes culturas convivem pacificamente, o Brasil esconde antigas e mal resolvidas condutas discriminatórias. Segundo pesquisa realizada pelo Núcleo de Opinião Pública (NOP) da Fundação Perseu Abramo, enquanto 90% dos brasileiros admitem a existência de diferentes formas de discriminação, 96% declaram não ter nenhum preconceito.
Para Reinaldo Bulgarelli, consultor da Txai, o não reconhecimento da existência de grupos em situação de exclusão ou desvantagem no mercado de trabalho tem dificultado a abordagem da diversidade pelas empresas brasileiras. “Há alguns anos, as companhias são estimuladas por suas matrizes, principalmente as norte-americanas e as européias, a tratar a questão da diversidade. Mas os executivos brasileiros rejeitavam o tema, alegando que, no Brasil, não havia problema. Foi só com o início da discussão de responsabilidade social que os executivos começaram a compreender o quanto a questão era estratégica para as suas companhias”, ressalta Bulgarelli.
Em busca de uma maior diversidade no quadro de funcionários, muitas empresas revisaram suas práticas de recrutamento e seleção. A Gelre, especializada nesse serviço, procura compartilhar com seus clientes a visão de que os processos de seleção devem se centrar na identificação das competências exigidas para as funções e cargos.   “Em um processo seletivo, o que deve pesar é a habilidade do candidato, independentemente de sexo ou etnia, ou de eventuais limitações físicas.  Isso não deve interferir na avaliação, mas sim as capacidades que desenvolveu e se estão de acordo com a necessidade da companhia”, afirma Maria de Fátima e Silva coordenadora da área de Responsabilidade Social da Gelre.
Desde 1991, as empresas com 100 ou mais empregados são obrigadas, por exemplo, a preencher uma parcela de seus cargos com pessoas com deficiência.  Em muitas delas, a reserva legal de ocupações, mais conhecida como Lei das Cotas (8.213/91), abriu caminho para iniciativas de valorização da diversidade.  “Depois da lei, passou-se a questionar certas posturas e observar a situação de outros grupos dentro das companhias, como os negros e mulheres”, ressalta Maria de Fátima.
Hoje, mais do que em outros tempos, diversidade rima com lucratividade. Estudo de 1993, feito pela consultoria norte-americana Covenant Investiment Management, mostrou que as cem empresas com as melhores práticas de igualdade no emprego tiveram, em cinco anos, retornos anuais de 18,3%, enquanto as cem com as piores práticas observaram, no mesmo período, percentuais médios de apenas 7,9%. A explicação é simples: a valorização da diversidade possibilita às empresas usufruírem de todo o potencial decorrente das diferenças positivas entre seus empregados.
Além disso, a inclusão de segmentos normalmente excluídos, em situação de vulnerabilidade ou desvantagem na sociedade –hoje já se sabe–  contribui para gerar impactos positivos na economia, principalmente com políticas voltadas à melhoria das condições no mercado de trabalho.
Desconstruindo mitos
A valorização da diversidade está condicionada a quanto as empresas reconhecem a qualidade na diferença e a diferença como uma qualidade. Mais do que um jogo de palavras, essa tese baseia-se em uma lógica cuja implantação pressupõe um novo olhar, uma compreensão mais ampla e profunda de diferentes realidades e, por esse motivo, a desconstrução de idéias pré-concebidas.
“Um dos erros recorrentes é achar que a diversidade está nos outros e não na gente. Precisamos entender que somos todos diferentes e que a diversidade existe em cada um de nós”, afirma Flávia Moraes, gerente-geral de sustentabilidade da Philips.
Segundo o consultor Reinaldo Bulgarelli, a visão da empresa como reflexo da sociedade também precisa ser combatida. “As iniciativas de valorização da diversidade não podem ficar submetidas à realidade. O relativismo é uma desculpa para não agir. A partir do momento em que a empresa fundamenta sua estratégia em valores, ela vai se livrando da armadilha de espelhar rigorosamente a sociedade”, ressalta.
Promover a diversidade nas empresas requer primeiro a revisão dos processos de contratação. “Há mitos resistentes que precisam ser desconstruídos, como o que sustenta a imagem das mulheres como frágeis e as pessoas com deficiência, limitadas. Persiste ainda o mito da beleza, manifestado na descrição de perfis de vagas, como boa apresentação ou aparência.  E o mito da exigência da faculdade de primeira linha, como se todas as pessoas mais capacitadas fossem parar em universidades específicas”, afirma Maria de Fátima.
No ABN Anro Real, o maior desafio foi superar a idéia de que a diversidade se resume à inclusão de minorias e a um debate no campo do  politicamente correto. Por essa razão, o banco esforçou-se para integrar o tema à estratégia do negócio. “A diversidade deve ser vista como valor agregado. Procuramos estimular que as pessoas se coloquem no lugar daquele que apresenta um histórico de exclusão, como uma oportunidade de inovar, ser mais criativo e melhorar o convívio com públicos de interesse”, afirma Maria Cristina Carvalho, superintendente de desenvolvimento humano do ABN Anro Real.
Para Tomás Carmona, gerente de Cidadania Empresarial da Serasa , adotar a diversidade como princípio empresarial supõe aprender a lidar com a diferença de pensamento e com o fato de que todos têm potenciais e limitações. “Não podemos achar que algum tipo de diversidade diminui a competência de um profissional. No entanto, um ambiente de trabalho adverso pode sim prejudicar sua capacidade de entregar resultados. Por isso, é importante gerar um clima saudável para que as diferenças sejam valorizadas e o profissional desenvolva e expresse todas suas competências”, ressalta.
Na opinião de Mário Sérgio Vasconcelos, diretor de relações institucionais da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), a situação de exclusão ou desvantagem não pode ser um obstáculo intransponível para quem busca espaço no mercado de trabalho. “Esses profissionais não precisam de assistencialismo, mas de oportunidades e condições para competir por si mesmos”, afirma.
Uma questão de valores
De acordo com a publicação “Como as empresas podem (e devem) valorizar a diversidade” o primeiro passo na construção de um programa de diversidade na empresa consiste em compreender, de forma abrangente, a sua realidade interna.  Esse processo exige ainda a superação de resistências culturais e uma profunda revisão de valores e atitudes. “Mais do que criar normas e proibições, as empresas só vão obter resultados positivos se houver um ambiente de trabalho democrático e se seus programas de diversidade tiverem uma dimensão educativa”, ressalta o documento.
O ABN Anro Real despertou para a importância da diversidade em 2000. Foi quando, após realizar uma auto-avaliação recomendada pelos indicadores Ethos, descobriu que a composição interna dos colaboradores da empresa era menos diversa do que imaginava. Diante da conclusão, o banco definiu quatro eixos de ação: sensibilização, comunicação, educação e engajamento. “O grande desafio da diversidade está em ampliar o leque de visão, perceber que a diferença faz diferença. Procuramos trazer essa discussão para o âmbito individual, de modo que fosse inserido na tomada de decisões e as pessoas percebessem o quanto podia ajudá-las no dia-a-dia”, afirma Maria Cristina Carvalho.
Em 2003, a empresa definiu cinco grupos estratégicos para trabalhar a diversidade: mulheres em posição de liderança, negros, deficientes, homossexuais; a empregabilidade de jovens aprendizes e terceira idade.  A Phillips também optou pelo caminho da conscientização. Com o apoio de um programa interno, de nome sugestivo, o Programa Singulares, a multinacional holandesa botou energia na sensibilização dos seus funcionários. Desde quando foi lançada, em 2003, a iniciativa aborda as questões de gênero, etnia e inclusão de portadores com deficiência.
Na DuPont, o respeito às pessoas, um dos quatro valores que orientam as ações da companhia, também tem sido o foco da capacitação realizada com todos os funcionários. “O ‘Expect to respect’ é um treinamento global que adaptamos para o Brasil, reunindo todas as questões relativas à diversidade. Ele tem, como objetivo principal, promover um ambiente de trabalho respeitoso para que os funcionários possam se desenvolver pessoal e profissionalmente”, afirma Flavia Zuanazzi, coordenadora de diversidade da DuPont Brasil.
Relacionamento com stakeholders
Segundo Bulgarelli, quando vinculada à identidade da companhia, sua missão, visão e valores, a diversidade ganha maior relevância e gera impactos positivos na relação com os públicos de interesse. “Para avançar na promoção da diversidade a empresa precisa ter uma convicção muito forte. À medida que expressa o compromisso de valorizar o conceito, torna-se mais viável transformá-lo em realidade”, ressalta.
A Phillips criou uma política de diversidade em 2006. Segundo Flávia Moraes, tanto o documento quanto os resultados dos planos de ações resultantes têm sido regularmente revisados e atualizados para atender às necessidades e expectativas dos stakeholders. “Podemos identificar melhor as necessidades do mercado e proporcionar soluções sensatas e simples, tendo uma força de trabalho diversificada que espelhe a nossa base mundial de clientes”, afirma a gerente-geral de sustentabilidade para a América Latina.
A DuPont também trabalha a questão da diversidade junto a alguns fornecedores. Há sete anos, a empresa ajudou a fundar a Integrare com o propósito de desenvolver empreendedores conforme os princípios da diversidade. Esta organização da sociedade civil reúne uma rede de forncedores formada por comunidades indígenas, deficientes físicos e negros.
Em 2007, os 140 empresários participantes movimentaram R$ 28 milhões. Só a DuPont aumentou em 10 vezes o volume de compras dos cadastrados. A cada licitação, pelo menos um concorrente faz parte da Integrare. “Por meio do seu poder de compra a empresa procura fortalecer esses fornecedores possibilitando que eles ampliem sua carteira de clientes e tenham condições de fazer novos investimentos. Com essas compras indiretas, os R$28 milhões movimentados por esses empreendedores se multiplicam por dois, criando um ciclo virtuoso na economia”, afirma Flavia Zuanazzi.
A Serasa, por sua vez, decidiu compartilhar a sua experiência na condução do programa de empregabilidade de pessoas com deficiência. A sugestão partiu da Organização das Nações Unidas (ONU), que reconheceu a iniciativa em 2003 e estabeleceu, com a companhia,  uma parceria para qualificar seus representantes da United Nations Volunteers, agência executora administrada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), na replicação da metodologia junto a outras empresas.
A Serasa ampliará essa experiência para outras companhias com o objetivo de capacitar 100 profissionais com deficiência. “Se possuímos essa expertise porque não colocá-la à disposição no mercado? Essa é uma causa coletiva e não nossa. Com ela, temos a oportunidade de estreitar relacionamento com clientes, fornecedores ou mesmo empresas que não têm parceria com a Serasa”, afirma Tomás Carmona.
Valor estratégico
Segundo a publicação “Como as empresas podem (e devem) valorizar a diversidade”, tem crescido, nos últimos anos, a percepção de que a lógica discriminatória gera um custo para a sociedade e para as empresas, na medida em que provoca impacto negativo na qualidade de vida da comunidade como um todo.  Cresce também a compreensão de que a valorização da diversidade, por outro lado,  produz inúmeras conseqüências positivas.
Para Mário Sérgio Vasconcelos, da Febraban, pouca gente duvida do potencial de benefícios do tema para a economia do País. Mas, para que esse potencial se concretize, empresas, poder público e organizações da sociedade civil precisam integrar esforços na busca de soluções conjuntas. “As questões relativas à diversidade no mercado de trabalho não se resolvem apenas por leis e decretos, nem com excesso de cobrança ou atitudes predatórias contra as empresas. Organizações do setor público e privado, assim como da sociedade civil, devem sentar à mesma mesa,   identificar juntas os problemas e construir soluções negociadas  e consensadas”,  ressalta.
A Febraban possui uma comissão de diversidade e um grupo de apoio técnico que, além de representantes da federação, conta com membros da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Instituto de  Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Ministério Público do Trabalho, Central Única de Trabalhadores (CUT) e Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert). O grupo decidiu focar as iniciativas de valorização da diversidade nas questões ligadas a gênero, etnia e pessoas com deficiência.
A estratégia de ação da Febraban está distribuída em três frentes. A primeira consiste no levantamento das melhores práticas que já vem sendo realizadas na promoção da diversidade pelas instituições financeiras associadas. A segunda, já concluída, foi a realização de um censo a partir da aplicação de questionários com os bancários para conhecer a demografia do setor, dados que orientarão todas as ações relacionadas ao tema. Por fim, a comissão de diversidade e o grupo de apoio técnico chegaram ao formato do Programa Febraban de Capacitação Profissional e Inclusão de Pessoas com deficiência no setor bancário.
Diversidade e sustentabilidade
Na avaliação do consultor Reinaldo Bulgarelli, qualquer estratégia ou iniciativa baseadas no equilíbrio dos aspectos econômicos, ambientais e sociais estará incompleta se não levar em conta a diversidade. “Ao tratar de sustentabilidade, estamos trabalhando para melhorar a qualidade de nossas relações com diferentes públicos, o que implica considerar diferenças como riqueza e não como problema. Os temas relacionados ao desenvolvimento sustentável exigem um novo olhar sobre a realidade e essa visão ampla dos negócios e da sociedade de que ninguém sozinho é capaz de realizar”, ressalta.
Segundo o especialista, a sociedade global, em profundo e rápido processo de mudança, exige profissionais com diferentes histórias, perspectivas e repertórios que possam interagir criativamente.
Para Flávia Moraes, essas condições resultam em impactos positivos no negócio. Segundo ela, um ambiente de trabalho inclusivo envolve as pessoas, melhora a tomada de decisões e aumenta a criatividade e a inovação. “A força e a diversidade do nosso conjunto de talentos ajudará a determinar a nossa capacidade no curto e longo prazo de atingir e cumprir as metas de negócio”, afirma Flávia.
As políticas de diversidade incrementam a competitividade, ao possibilitar às empresas usufruírem de todo o potencial resultante das diferenças positivas entre seus empregados. Além disso, as marcas e bens produzidos por organizações que projetam uma imagem pluralista e de responsabilidade social tendem a ser mais valorizados. “A diversidade impacta na capacidade de inovação da empresa que, em ambientes receptivos a pensamentos diversos, mostram mais chances de se desenvolver. Uma equipe de formação e vivências semelhantes dificilmente será inovadora”, aposta Carmona, da Serasa.
A biodiversidade e as empresas
Diversidade humana, diversidade biológica. Que nenhum futuro se constrói indiferente à essa perspectiva, ninguém duvida. A atividade econômica pode ter um papel extremamente positivo na conservação da biodiversidade. Não por acaso, a integração das questões referentes à conservação dos ecossistemas e aos serviços ambientais ganha cada vez mais adeptos entre empresas.
Segundo Beatriz Bulhões, diretora do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), a biodiversidade é um elemento crucial em qualquer estratégia de desenvolvimento sustentável no longo prazo. “As empresas precisam conhecer seu negócio primeiro, os impactos que causam e serviços ambientais que condicionam sua atividade. Precisam tentar entender as relações complexas e interações entre a biodiversidade e o negócio”, ressalta.
Segundo a publicação do CEBDS, “As empresas & a biodiversidade”, a gestão desse tema requer estratégias diferenciadas conforme o tipo de atividade da empresa. Para as companhias de exploração de recursos naturais, por exemplo, (atividade florestal, pesca, recursos hídricos, mineração, petróleo e gás), a biodiversidade está mais intimamente ligada à gestão dos ecossistemas. Nesse caso, as empresas precisam extrair esses recursos com o menor impacto possível ao conjunto de espécies de seres vivos.
Para a indústria florestal, que depende de recursos renováveis, os cuidados devem recair sobre a gestão ou o manejo florestal sustentável, ou seja, o reflorestamento e a conservação dos habitats originais, entre outros.
Já as companhias envolvidas na extração de recursos não renováveis, precisam estar atentas a práticas de gestão ambiental adequadas. Uma gestão inadequada pode resultar na suspensão da licença para operar ou na perda de oportunidades de negócios futuros.
Para as indústrias de produção, as questões referentes à biodiversidade podem afetar a localização de suas instalações ou acarretar alterações em seus processos de modo a garantir que sua produção não cause impactos adversos à biodiversidade.
No setor farmacêutico e cosmético, o acesso à biodiversidade traduz-se na fabricação de produtos a partir de ativos da natureza, assegurando que os proprietários originais dessa biodiversidade usufruam seus benefícios de maneira eqüitativa.
Para a maior parte do segmento de serviços, as questões referentes à biodiversidade estão associadas essencialmente com sua reputação e imagem pública. Também podem estar ligadas ao consumo de recursos que afetem a biodiversidade, como por exemplo, no setor de turismo.
Serviços ambientais
Os ecossistemas disponibilizam uma série de benefícios ao negócio também conhecidos como serviços ambientais. As florestas, por exemplo, oferecem madeira, fibras e recursos genéticos, purificam o ar e regulam a temperatura. Os rios, por sua vez, disponibilizam água doce, energia e recreação. As áreas costeiras filtram a poluição e evitam enchentes.
Segundo a Avaliação Ecossistêmica do Milênio, 60% dos serviços ecossistêmicos do planeta (15 dos 24 existentes) estão degradados ou sendo utilizados de maneira insustentável. O estudo, conduzido pela ONU entre 2001 e 2005, revelou ainda que a situação desses serviços pode piorar, significativamente, nos próximos 50 anos. Além da já conhecida alteração do clima, o relatório cita conseqüências menos propaladas, como o surgimento de novas doenças e a mudança na qualidade da água.
O documento atribui a degradação em curso à idéia persistente, porém equivocada, de que os serviços prestados pelos ecossistemas são gratuitos e abundantes.  Não são, nunca foram.
Mensurar e atribuir valor econômico a esse importante patrimônio é uma das estratégias para dificultar o seu uso indiscriminado. Pensando nisso, o World Resource Institute desenvolveu a Corporate Ecosystem Services Review (ESR). “A metodologia ajuda as empresas a desenvolver estratégias para gerenciar riscos e oportunidades de negócio, resultantes da dependência e do impacto dos negócios nos ecossistemas”, explica John Finisdore, pesquisador do World Resource Institute. A ESR ajuda as empresas a fazer a conexão entre a biodiversidade e a estratégia do negócio, estimulando práticas mais sustentáveis e políticas públicas para proteção e recuperação dos ecossistemas.
Visão estratégica
Segundo o manual do CEBDS, a partir das informações colhidas na etapa de avaliação da biodiversidade, a empresa deve desenvolver um plano de ação. Além de indicar como a estratégia será implantada, essa ferramenta, designará responsabilidades para cada atividade, determinará onde elas serão desenvolvidas e também os envolvidos, apontará as formas de medição do progresso e estabelecerá um prazo para cada etapa.
Para a empresa é muito importante ter clareza quanto às prioridades e objetivos das questões de biodiversidade dentro dos contextos, local e nacional, em que está inserida. Esse comportamento requer uma abordagem de consulta aos stakeholders: clientes, funcionários, investidores, comunidades vizinhas e todos os que são de alguma maneira afetados pela relação que uma empresa mantém com a biodiversidade.
Vale lembrar que a biodiversidade não constitui um elemento adicional à responsabilidade social corporativa, mas sim uma parte integrante dela e dos programas de sustentabilidade de uma corporação.
“A conservação dos ecossistemas parece dissociada da produção, mas na verdade não é. A degradação dos recursos naturais traz conseqüências negativas não só para a sociedade, mas também para o negócio”, ressalta Beatriz.
A nova economia
Tratada a partir da perspectiva de oportunidade, a biodiversidade tem sido uma aliada de primeira hora para empresas cuja reputação e imagem estão ou podem ser construídas sobre o tema da sustentabilidade. Mais do que isso, ela gera bons resultados financeiros.
Nas companhias em que a biodiversidade é insumo básico da atividade, o engajamento na preservação e recuperação dos recursos naturais equivale a uma estratégia de negócio. Com o lançamento da linha Ekos, em 2000, a Natura, por exemplo,  conquistou fatias de mercado não usuais para o segmento de venda direta e também consumidores exigentes no exterior ao apostar na biodiversidade brasileira.
Desde então, a empresa tem focado a sua estratégia na pesquisa e desenvolvimento de produtos à base de princípios ativos extraídos da flora nacional.  Entre 2000 e 2001, a Natura já havia decidido que boa parte da matéria-prima de seus produtos seria comprada, a preços justo, de pequenas comunidades extrativistas.
A sua política de valorização do conhecimento dos povos da floresta a premiou com uma conquista inédita: a aprovação de acesso ao patrimônio genético da biodiversidade brasileira, obtida em 2005. Esse foi o primeiro caso aprovado pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) em que estão envolvidos uma empresa (a Natura), uma comunidade tradicional (a de São Francisco do Iratapuru) e um Estado da Federação (o Amapá).
O Boticário, por sua vez, criou a primeira fundação corporativa no Brasil para atuar no patrocínio e disseminação de ações na área de preservação da natureza. Lançada, em 1990, a Fundação O Boticário nasceu com o objetivo inicial de estimular a pesquisa e a discussão de metodologias para a conservação ambiental e qualidade de vida.
Braço importante para a promoção do diálogo com a sociedade civil e da sustentabilidade dos negócios da empresa, a Fundação O Boticário presta consultoria, por meio dos conhecimentos adquiridos,  ao desenvolvimento da linha de produtos da empresa.  “Os negócios e a Fundação se identificam em alguns momentos e um contribui com o outro”, destaca Márcia Vaz, gerente de Responsabilidade Social do O Boticário. Ela cita como exemplo a linha Nativa Spa, que apresenta diferenciais como sabonetes à base de óleos vegetais e corantes naturais, além de embalagens que não agridem o meio ambiente.
Para Beatriz, do CEBDS, com exceção das empresas cuja atividade é diretamente impactada pela disponibilidade dos recursos naturais, as companhias ainda apresentam dificuldade de identificar oportunidades de negócios a partir da biodiversidade. “As companhias que têm relação direta com o tema, como as fabricantes de cosméticos a partir de ativos da natureza, já percebem que a pesquisa, a conservação e a recuperação de ecossistemas é uma questão estratégica para o seu negócio. Por isso estão engajadas. Mas ainda há muitas oportunidades a explorar em outros setores como o de alimentação, vestuário, extração de fibras, tinturas, produtos florestais não madeireiros, entre outros”, ressalta.
Amazônia: um desafio à parte
Além de possuir 95% das riquezas minerais, a Amazônia detém 1/5 da água doce, 1/3 de todas as espécies vivas e o maior banco genético em biodiversidade do planeta. Sua cobertura vegetal se estende por um vasto território de 6,6 milhões de quilômetros quadrados dispersos em nove países da América do Sul.
Cerca de 65%, algo em torno de 4,2 milhões de quilômetros quadrados, estão em terras brasileiras. Em nome do melhor aproveitamento de tão rico patrimônio natural, João Meirelles, presidente da ONG Peabiru e do Instituto de Ecoturismo do Brasil (IEB), defende a adoção de um modelo alternativo de desenvolvimento que valorize os serviços ambientais prestados pela floresta. “A destruição da Amazônia só será superada no momento em que a floresta em pé passar a valer mais do que a sua destruição. Isso ocorrerá, por exemplo, com a exploração de atividades como o ecoturismo ou a venda de créditos de carbono”, afirma.
Dos R$ 16 bilhões do Produto Interno Bruto (PIB) da Amazônia apenas R$ 9 bilhões provêm, de fato, da sua rica biodiversidade. A região contribui com 7,33% do PIB do Brasil. O aproveitamento do potencial da floresta para a medicina, alimentação, indústria, ecoturismo e manejo florestal sustentável ainda não foi capaz de gerar recursos financeiros e empregos em quantidade suficiente para provocar alterações no padrão de desenvolvimento dominante, cuja principal conseqüência é o desmatamento.
“A Amazônia não precisa mais do desmatamento para se desenvolver. Do ponto de vista econômico, é um erro porque mantém a fronteira aberta e estimula a atividade extensiva”, observa Adalberto Veríssimo, pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Explorar a floresta sem cruzar o limite da devastação representa –segundo Veríssimo– um desafio para o governo, empresas e organizações da sociedade civil com atuação na Amazônia. “O papel das empresas privadas deve exceder o que se vê hoje. Elas não podem esperar que o governo faça tudo. O Estado precisa fazer bem a sua parte, mas não cabe ao resto da sociedade sentar e esperar por resultados”, diz.
Outro consenso entre os entrevistados de Idéia Socioambiental é que a Amazônia encontra-se na atual situação graças á ausência de ações baseadas em uma visão de longo prazo. Segundo Meirelles, do Peabirus, os projetos ficam normalmente restritos a uma escala de tempo muito reduzida e, por essa razão, não conseguem gerar as transformações necessárias.
“Há um cenário favorável. Há bons exemplos de projetos que promovem o desenvolvimento sustentável empreendidos por diversos atores sociais. Mas eles enfrentam dificuldades para encontrar financiadores dispostos a bancar iniciativas de longo prazo”, afirma. Projetos com comunidades tradicionais, por exemplo, exigem, ao menos, cinco anos para consolidar uma nova cadeia de valor. “O discurso é muito bonito, mas na prática falta compromisso de longo prazo”, ressalta Meirelles.
Benefícios da diversidade para as empresas
-Fator crítico de sucesso
-Adaptação ao perfil dos clientes
-Desempenho financeiro fortalecido
-Rotatividade reduzida
-Produtividade melhorada
-Aumento da satisfação no trabalho
-Menor vulnerabilidade legal
-Imagem corporativa valorizada
-Maior flexibilidade
Fonte: “Como as empresas podem (e devem) valorizar a diversidade”, Instituto Ethos.
Benefícios da biodiversidade para as empresas
-Garantia de licença de operação
-Fortalecimento da cadeia de suprimentos
-Melhor relacionamento com todos os públicos de interesse
-Imagem mais positiva junto aos consumidores éticos
-Garantia de crescimento sustentável
-Atração de investidores socialmente responsáveis
-Melhoria na produtividade dos colaboradores.
Fonte: “As empresas & a biodiversidade”, Cebds.
A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB)
O mais importante acordo internacional sobre biodiversidade foi assinado por mais de 180 países, na Eco 92, realizada no Rio de Janeiro. A convenção estabelece como seus três objetivos fundamentais a conservação da biodiversidade, o uso sustentável dos recursos biológicos e a distribuição eqüitativa dos benefícios advindos do uso da biodiversidade.
Diferentemente de outros acordos sobre biodiversidade que listam áreas de proteção ou espécies ameaçadas, a CDB apresenta uma abordagem integrada da gestão da biodiversidade. Desta forma, tem sido particularmente útil e atraente às empresas, pois fornece tanto uma plataforma de estratégias globais quanto orientações específicas para as companhias desenvolverem estratégias corporativas e planos de ações pró-biodiversidade.
Em relação à biodiversidade, a Convenção sobre Diversidade Biológica é uma referência bastante útil. Para compreender sua estrutura, deve-se também ler outras publicações sobre biodiversidade, afiliar-se a organismos governamentais, organizações ambientais, fóruns sobre economia e biodiversidade, participar de eventos sobre biodiversidade e sempre manter um canal aberto com stakeholders e outras empresas que operam no mesmo segmento para trocar experiências.
Fonte: “As empresas & a biodiversidade”, Cebds

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