segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Seu guru é um curandeiro?

The Witch Doctors discute até que ponto os consultores de administração são sérios

 
Carlos M. Siffert*
Com a abertura da economia, as empresas brasileiras estão deixando de participar apenas do campeonato nacional ou sul-americano para disputar as olimpíadas corporativas. Esse é o nosso novo desafio, tornado mais difícil ainda pelo fato de que as empresas americanas e, em menor grau, européias vêm de mais de uma década de um repensar profundo, de transformações radicais, de descontinuidades, de sangue, suor e lágrimas.

Tudo isso foi necessário para fazer frente ao novo padrão competitivo definido inicialmente pelo Japão e seguido depois pelos Tigres Asiáticos. O resultado é que as regras do jogo mudaram, tornaram-se muito mais difíceis. As exigências aumentaram.
O que está em questão, em última análise, é a sobrevivência de muitas empresas brasileiras e até de setores inteiros de nossa economia. Nesse quadro, livros bem informados e bem escritos como The Witch Doctors são especialmente oportunos. Seus autores, dois jornalistas da Economist, abordam aspectos relevantes dessa questão.
A teoria da administração tornou-se moda a partir do início da década de 80. Há fatores externos que explicam esse novo interesse: a aceleração da mudança, as revoluções tecnológicas, especialmente na tecnologia da informação, e a inefável globalização.
Há também, em contrapartida, um intenso e bem-sucedido trabalho de marketing e promoção das novas idéias e dos novos gurus. O livro Vencendo a Crise, de Tom Peters e Robert Waterman, publicado em 1982, transformou-se em um retumbante best-seller, vendendo 5 milhões de exemplares. Vários outros viriam a seguir.
Hoje a indústria da teoria da administração passou a ser um grande negócio: só as empresas americanas gastam 15 bilhões de dólares anualmente com consultores externos. A maior empresa nessa área é a Andersen Consulting, com receita de 3,5 bilhões de dólares em 1995, seguida da McKinsey, com 1,5 bilhão, a mais lucrativa. Há ainda outras grandes e bem conhecidas: Booz Allen, Gemini, Arthur D. Little, Boston Consulting Group, para citar apenas algumas. Essas empresas empregam 100 000 pessoas em tempo integral, no mundo. A segunda parte da indústria são as escolas de administração de empresas, das quais há 700 apenas nos Estados Unidos.

MEDO E COBIÇA - A terceira parte, que é a menos bem definida, é o chamado guru business. Há muitas maneiras de ganhar dinheiro nesse mercado: livros (Vencendo a Crise, Megatrends, O Gerente Minuto), palestras, seminários, vídeos etc. Em 1995, Harvey McKay, autor de Nadando Com os Tubarões Sem Ser Comido Vivo, cobrou 50 000 dólares por palestra - e fez 50! Esse é o nível de remuneração de estrelas como Henry Kissinger e Colin Powell.
O que motiva esse interesse? Qual a mola propulsora dessa indústria? O medo e a cobiça de seus clientes, segundo os autores de The Witch Doctors. Cobiça, ambição: progredir, ficar rico. Medo: de ser deixado para trás, de se tornar obsoleto, redundante.
Quanto aos gurus ou pajés que atendem a essas "necessidades de mercado", eles surgem em todas as cores, formas e tamanhos. Há os considerados sérios, respeitáveis: Peter Drucker, Michael Porter, Rosabeth Moss Kanter, Gary Hamel e C. K. Prahalad, por exemplo.
No outro extremo do arco-íris, estão o já citado autor de Nadando Com os Tubarões... e os gurus de auto-ajuda, que davam conselhos sobre sexo e dieta mas migraram para a área da administração, que é hoje bem mais lucrativa.
No meio do caminho, estão autores como Tom Peters, um evangelista cada vez mais radical no elogio da loucura, do caos, mas aceito e apreciado como um agente provocador, e Peter Senge, que alguns consideram um pouco new age demais para seu gosto, reconhecendo, porém, a relevância e o mérito de seu livro A Quinta Disciplina. (Diga-se de passagem que boa parte dessa obra se baseia no trabalho de dois outros gurus menos conhecidos, mas de primeira linha: Jay Forrester e Chris Argyris.)
Os temas que esses autores abordam são de inegável relevância no mundo de hoje, a exemplo do que podemos constatar nos capítulos que compõem o núcleo do livro de Micklethwait e Wooldridge.
Acontece que é difícil explorar esse emaranhado de idéias muitas vezes confusas, obscuras, contraditórias e vazadas em um jargão (propositadamente?) hermético. O fato é que a grande maioria das pessoas que compram livros de administração acaba não os lendo.

DISCIPLINA IMATURA - Há pepitas, descobertas valiosas, mas estão perdidas em montanhas de ganga estéril - 99% de bobagens, como disse o editor sênior da Economist, ao advertir os autores, seus subordinados, sobre a encrenca em que iam se meter escrevendo esse livro. É lamentável que assim seja, pois essa matéria é de grande relevância. A que se deve esse deplorável estado de coisas?
Na conclusão do livro, os autores fazem uma avaliação muito lúcida. Em primeiro lugar, a teoria da administração existe, tem inegável conteúdo e tem sido usada com sucesso em muitas empresas. Nem todas as idéias funcionam, mas as que dão certo lhes trazem uma vantagem competitiva real.
Por outro lado, é preciso reconhecer que a teoria da administração é uma disciplina jovem, imatura, que está passando pela crise da adolescência. A impressão que se tem é que ela é 100 anos mais jovem do que disciplinas como a economia, por exemplo. Seus cânones e metodologias ainda estão sendo desenvolvidos. Uma ilustração disso é o fato de que, até hoje, apenas um de seus representantes recebeu um prêmio Nobel: Herbert Simon - e, mesmo assim, em economia.
Finalmente, dizem os autores, aos poucos vem se desenvolvendo uma postura crítica responsável. Assim, por exemplo, as críticas de livros de publicações como Business Week e Economist têm sido independentes e rigorosas e podem servir de orientação para a seleção de boas obras. Mas os autores dão ainda um conselho prático ao leitor: confie no seu olfato. Se você farejar bobagem é porque é mesmo.
* Carlos M. Siffert é presidente da Promon Tecnologia

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