segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Não aceito desculpas

Comprometimento e responsabilidade. Como o foco na mudança de comportamento tirou a EDS da letargia


No início de 1996, a operação brasileira da EDS, uma das maiores empresas de serviços de tecnologia do mundo, com faturamento anual de 21 bilhões de dólares, chamou a atenção do mercado ao conquistar um disputado contrato local. Faria, a partir de então, a implantação e a manutenção do sistema operacional da VisaNet, companhia criada naquele ano para processar as transações com cartões Visa. O êxito da conquista, entretanto, durou pouco. "Meses depois, a diretoria da EDS disse ao nosso conselho que não teria condição de cumprir o que havíamos acordado", diz Ruben Osta, presidente da VisaNet. E não cumpriu mesmo. Durante um ano, o adjetivo mais adequado para descrever a operação da VisaNet foi capenga. "Do tamanho da central de atendimento ao número de computadores, tudo havia sido subdimensionado", afirma Osta.

A relação com a VisaNet é apenas um dos muitos exemplos que poderiam ilustrar a situação caótica da EDS naquela época. Atualmente, encontrar casos como esse para contar ficou mais difícil. O que dizem os clientes hoje? "Não temos do que reclamar", diz Fernando Miguel, vice-presidente de organizações e sistemas de informações da Telefônica, cliente da EDS desde janeiro de 2001. "Eles se preocupam em entregar um serviço de qualidade", diz Juliana Kfouri, diretora de tecnologia da NET, com quem a EDS fechou há seis meses um contrato de terceirização de serviços.

Como explicar essa mudança? Os clientes da EDS, sobretudo os que viveram o inferno e permaneceram com a empresa, explicam a reviravolta de uma maneira simples. "Antes, a EDS tinha pessoas sem comprometimento", diz Osta, da VisaNet. "Hoje, há pessoas comprometidas." Em poucas palavras, a EDS mexeu naquilo que talvez seja o mais difícil de mudar nu ma empresa: sua cultura. "Só poderíamos melhorar a qualidade dos nossos serviços com a melhoria de atitude das pessoas", diz o engenheiro Chu Tung, de 59 anos, presidente da EDS desde abril de 1998.

A virada na empresa teve início no fim de 1997, quando o executivo mexicano Micael Cimet foi designado para assumir a operação brasileira. Vindo de uma experiência bem-sucedida no México, onde elevou a EDS à posição de segunda do mercado de serviços de tecnologia, Cimet foi logo depois promovido a presidente da empresa na América Latina e permaneceu apenas seis meses no Brasil. O período foi suficiente para que ele seja lembrado até hoje como o propulsor das mudanças. Foi Cimet o autor das primeiras medidas para melhorar a relação com a VisaNet. "Ele nos disse que não conseguiria arrumar a bagunça sozinho e que precisaria da nossa ajuda", diz Osta. O contrato sofreu alterações, e o sistema operacional da VisaNet passou a ser gerido por executivos de ambas as empresas. A estratégia, batizada de time único, vigorou até o fim de 2001. Desde então, a EDS negocia com a VisaNet as condições para ter de volta aquilo que conquistara em 1996 -- o controle total da operação.

Se Cimet deu os primeiros passos, coube a Tung, então vice-presidente de operações e, assim como ele, um ex-consultor da Booz Allen, dar continuidade à mudança. Assim como Cimet, sua tarefa inicial foi convencer os clientes a dar à EDS um voto de confiança. "Precisávamos de tempo para provar que nosso comportamento havia mudado", afirma Tung. Ao contrário da VisaNet, nem todos os clientes concordaram em dar o crédito. A Basf e o BCN debandaram. "Quando nos aproximamos para negociar, já era tarde", diz ele.

Para promover uma nova atitude, a liderança da EDS usou de tudo um pouco: contratou consultores, mexeu no plano de carreira dos funcionários e, sim, também fez com que eles descessem e subissem em cordas para aprender a correr riscos. A principal influência na gestão da empresa já há cerca de três anos, entretanto, tem um nome: Fred Kofman, consultor argentino que caiu nas graças de Cimet. Kofman tem um currículo de guru: é doutor em economia pela Universidade da Califórnia e foi professor e pesquisador da Sloan School of Management, do MIT, onde trabalhou com Peter Senge, o pai do conceito de learning organization. Mas suas idéias diferem das tradicionalmente associadas à maioria dos consultores. No mantra de Kofman, baseado em valores e princípios éticos, as costumeiras exaltações ao sucesso e resultados foram substituídas por honestidade, comprometimento e impecabilidade.

Um exemplo real empregado por Tung ajuda a entender de que forma os ensinamentos do consultor vêm transformando a EDS. Segundo ele, qualquer funcionário que chega atrasado a um compromisso e culpa o trânsito não é visto com bons olhos. Responsabilizar intempéries ou contratempos pela queda da rede de um cliente ou pela não entrega de um serviço, também. "Boas empresas são formadas por pessoas que agem como protagonistas de suas vidas, e não como vítimas", diz Kofman, que já treinou 34 executivos brasileiros da EDS. "Vítimas dizem que o projeto não foi terminado a tempo. Protagonistas colocam um eu e um verbo no início de cada frase." Um protagonista sai de casa mais cedo quando tem uma reunião com um cliente para se prevenir de variáveis que estão fora do seu controle, como o trânsito. A vítima conta com a possibilidade, em caso de atraso, de culpar um semáforo quebrado ou outro imprevisto. "No passado era comum que, numa reunião de dez executivos, três ou quatro chegassem atrasados com alguma desculpa", diz Tung. "Hoje, a maioria chega 15 ou 30 minutos antes." Que diferença isso faz no dia-a-dia? "Os encontros são mais eficientes e o tempo dos outros é respeitado", afirma ele.

Além do mais, de acordo com Tung, só uma empresa de protagonistas é capaz de seguir outro preceito sagrado para Kofman: o de que as corporações devem ser impecáveis nos seus compromissos. Aí, de novo, vale o exemplo do atraso nas reuniões. "Pode parecer simplista imaginar que ser pontual com um cliente determina os rumos da nossa relação com ele", diz Tung. "Mas, se não conseguimos cumprir obrigações simples como essa, é de esperar que não consigamos honrar compromissos mais importantes."

Tung repete para os subordinados insistentemente os ensinamentos de Kofman como Miyagi, aquele senhor oriental simpático e sábio que dava lições de vida ao jovem Daniel no filme Karate Kid, um sucesso de bilheteria da década de 80. A comparação não pretende ser desrespeitosa. Assim como o personagem do filme, Tung, nascido na China e naturalizado brasileiro, também tem olhos puxados, fala de maneira pausada e tem conseguido fazer seus comandados seguirem uma cartilha. Fazer isso não implica a EDS ter se tornado infalível. A diferença é que hoje há regras para quando nem tudo corre como o esperado. "Somos avisados com antecedência se o prazo de um projeto não poderá ser cumprido", diz Juliana, da Net. "Quanto a problemas na operação, sabemos deles quando já foram resolvidos."

Qual o reflexo das mudanças nos negócios? O aumento da participação dos contratos negociados localmente nas receitas da operação brasileira é um deles. Em 1998, cerca de 70% do faturamento vinha de contratos mundiais fechados pela matriz. Hoje, a proporção é inversa. "O valor dos negócios globais permaneceu estável, mas o dos locais cresceu", diz Tung. O faturamento, nos últimos quatro anos, cresceu 150% em reais -- em dólares se manteve em 350 milhões por ano. O quadro de pessoal, no mesmo período, passou de 1 000 para 5 200 funcionários.

Alguns ex-funcionários da EDS relativizam o papel de Tung na virada da operação brasileira. "O desempenho da corporação no mundo todo melhorou com a entrada de Dick Brown", diz um ex-diretor, referindo-se ao executivo americano que preside o grupo desde janeiro de 1999. "Além do mais, a autonomia da operação brasileira é limitada." Brown transformou-se num dos mais badalados executivos da atualidade ao tirar a EDS da letargia, reestruturar as linhas de negócio e aumentar a receita e os lucros. Atualmente, está na berlinda. De janeiro ao fim de 2002, as ações da EDS foram desvalorizadas em cerca de 80% devido a estimativas de crescimento que não se concretizaram, clientes envolvidos em escândalos contábeis, uma investigação da SEC (o órgão que fiscaliza o mercado acionário americano) e perda de contratos. Para Tung, entretanto, a gestão bem-sucedida da matriz -- agora sob julgamento -- não diminui o mérito dos progressos na operação brasileira. "Temos uma estrutura tipicamente matricial e seguimos mesmo ao pé da letra as diretrizes de Brown", diz. Entre as estratégias implementadas pelo presidente mundial está o Service Excellence Dashboard, um programa que obriga os gerentes de contas a discutir semanalmente a qualidade do serviço prestado com base em dados colhidos todos os dias com os clientes. "Nenhum concorrente da EDS faz isso de maneira tão estruturada", diz Peter Issar, presidente no Brasil da empresa americana de pesquisa Giga Group. Brown, assim como Kofman, também tem como principal bandeira a fidelidade aos compromissos com os clientes. "Uso a palavra compromisso indiscriminadamente", costuma dizer ele. "O motivo é que é mais fácil para alguém dizer que não cumpriu um orçamento do que dizer que não honrou um compromisso, uma promessa pessoal." Contaminar os funcionários diariamente com essa filosofia talvez seja o maior desafio dos líderes da EDS. Um desafio maior ainda para Tung. Enquanto a matriz nos Estados Unidos não tem contratado nos últimos tempos, a operação brasileira ganhou 1 000 novos funcionários só no último ano.

CORPORAÇÃO ZEN
Para tornar a EDS do Brasil mais eficiente, seu presidente, Chu Tung, catequiza os subordinados com base na cartilha do consultor argentino Fred Kofman. Eis alguns de seus preceitos:

SEJA UM PROTAGONISTA
Não se veja como vítima das circunstâncias. Assuma que é parte do problema que experimenta e também parte da solução. Se, por exemplo, seus comandados não tomam iniciativas, considere que isso ocorre, em parte, porque você não combinou com eles, efetivamente, a maneira de trabalhar em equipe ou não lhes deu o treinamento ou as ferramentas adequadas

SEJA INTEGRO
Honre os compromissos: só prometa o que está disposto a cumprir e cumpra o que prometer. Se por alguma razão notar que não poderá cumprir a promessa em tempo ou da forma combinada, avise o quanto antes, desculpe-se e procure minimizar os prejuízos causados

SEJA IMPECAVEL
Lembre-se de que os fins não justificam os meios. Agir impecavelmente significa operar momento a momento de maneira virtuosa. Focalize totalmente o processo e desapegue-se do resultado
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário