segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

A confiança organizacional e a gestão de recursos humanos

Actas do VII Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
Universidade do Minho, Portugal, 4 a 6 de Fevereiro de 2010
(p.1992-2005)


A confiança organizacional e a gestão de recursos humanos

Ana Veloso, Teresa Ferreira, José Keating & Isabel Silva
Escola de Psicologia, Universidade do Minho

A confiança organizacional e o comportamento dos colaboradores na organização estão relacionados (Tzafrir & Dolan, 2004). A compreensão desta relação tem sido objecto de investigação, em associação com
conceitos como satisfação profissional, contrato psicológico, relações no local de trabalho, envolvimento, performance organizacional e gestão de recursos humanos (GRH) (Gould-Williams, 2003; Mayer & Davis, 1999). O sentido desta relação tem, também, colhido alguma atenção (Whitener, 1997), em especial quando associada com a GRH: a GRH influencia a confiança dos colaboradores na organização? A confiança dos colaboradores na organização influencia a sua percepção sobre a GRH e a sua adesão às
práticas? Interagem mutuamente?
Serão apresentados os resultados de um estudo de caso exploratório de uma Câmara Municipal cujo objectivo foi compreender a relação  entre confiança e a GRH, em especial em contextos de mudança.

Palavras-chave: gestão de recursos humanos, confiança, estudos de caso.

1. INTRODUÇÃO
A confiança organizacional é um  factor incontornável quando se analisa  a performance organizacional e a gestão de recursos humanos (GRH) (Morgan & Zeffane, 2003).  Têm sido encontradas evidências empíricas que relacionam a confiança organizacional e o comportamento dos colaboradores na organização (Tzafrir & Dolan, 2004), salientando-se o seu papel como suporte da mudança e do desenvolvimento
organizacional (Zeffane &  Connell, 2003).  A compreensão desta relação tem sido objecto de investigação, em associação com conceitos como satisfação profissional, contrato psicológico, relações no local de trabalho, envolvimento, performance organizacional e GRH (Gould-Williams, 2003; Mayer & Davis, 1999). O sentido desta relação tem, também, colhido alguma atenção (Whitener, 1997), em especial quando associada com a GRH: a GRH influencia a confiança dos colaboradores na organização? A confiança dos colaboradores na organização influencia a sua percepção sobre a GRH e a sua adesão às práticas? Interagem mutuamente?
A GRH em autarquias, e na administração pública em geral, colhe a opinião generalizada de que é incipiente ou seja, se resume a aplicação de práticas com grande grau de formalização e reduzido impacto em termos de eficiência organizacional e nos colaboradores. Esta ideia é comum á Europa e parece sugerir que não é importante e estratégico o investimento nestas organizações (Gould-Williams, 2003, p.20). Contudo,
o alargamento das responsabilidades das autarquias relativamente às comunidades locais, com a transferência de competências por parte do governo central tem aumentado as exigências de gestão destas organizações ao nível das pessoas (Truss, 2008). É exemplo, no nosso país, a transferência de competências ao nível das escolas em que as autarquias gerem agora um conjunto de profissionais (professores, auxiliares de acção educativa, etc.) que aumentaram o seu quadro de pessoal substancialmente.
O aumento de número de colaboradores bem como a maior exigência ao nível da performance organizacional traz, ao nível da gestão de recursos humanos, a necessidade de introdução de novas e mais complexas práticas de GRH (Wright & Haggerty, 2005) bem como conduz a maior formalização (Kotey & Slade, 2005). Este é, sem dúvida, um importante desafio para as autarquias.


Confiança e gestão de recursos humanos

A GRH em autarquias caracteriza-se pela grande formalidade das suas práticas.
Estas estão formalmente presentes, aceitando-se como verdadeira a sua abrangência a todos os colaboradores e a igualdade de tratamento/oportunidades,  conforme os princípios da burocracia weberiana que caracterizam a administração pública.  São exemplo de práticas: o recrutamento e selecção, a formação, a avaliação de desempenho e a gestão de carreiras.
Contudo, a eficácia das práticas de GRH é condicionada pela forma como são implementadas e pela relação que se estabelece entre gestores e colaboradores,  em particular pelo nível de confiança  bem como pelo envolvimento experimentado pelos colaboradores face à organização (Veloso & Keating, 2008).
A confiança dos gestores nos colaboradores traduz-se, entre outros aspectos, na forma como as práticas de GRH são implementadas. Quando os gestores desenvolvem comportamentos de confiança face aos seus colaboradores podemos observar uma maior participação destes nos processos de tomada de decisão, maior acesso à formação ou na evolução de carreira (Tzafrir, 2005). As atitudes e comportamentos dos colaboradores consequentes da GRH, em especial quando estamos perante um conjunto de práticas
que se designam como de elevado envolvimento, são a maior satisfação, compromisso e a menor intenção de saída (Guest, 1999; Marchington & Grugulis, 2000).
Reconhece-se que as práticas têm um impacto diferente quando se reforçam
mutuamente (bundles, fit), criando um efeito sinergético (Woods, 1999). Este sistema na
administração pública poderia ser caracterizado como universalista, porque o conjunto
de práticas que obrigatória e formalmente se aplicam são iguais, com todas as
consequências positivas e negativas que se lhe atribuem (Delery & Doty, 1996)
È interessante notar que nas autarquias o conjunto de práticas de GRH está já
identificado e é genericamente eficiente ou seja, as práticas configuram aquilo que se
designa como boas práticas (Godard & Delaney, 2000, MacDuffie, 1995). Contudo, a
sua implementação poderá deturpar este efeito e é aqui que reside a diferença entre as
organizações. Encontramos, com o mesmo conjunto de práticas efeitos diferentes que
salienta o efeito da relação estabelecida ente as pessoas. Por outro lado, os gestores de
topo nas autarquias são eleitos de 4 em 4 anos podendo ter pelo seu perfil e enquanto
decisores, um diferente nível de intervenção na gestão de pessoas (Gould-Williams,
2003).
O principal objectivo dos estudos de caso é:
Perceber  o efeito da confiança  organizacional na adesão dos colaboradores a
processos de mudança ao nível da GRH.
Para isso, procedeu-se à:

i) Exploração da percepção de GRH,
ii) Descrição das práticas de GRH utilizadas nas organizações, com especial
incidência na avaliação de desempenho (SIADAP),
iii) Caracterização dos níveis de confiança em ambas as organizações,
iv) Análise do envolvimento dos colaboradores na Organização,
v) Percepção de impacto, pelos colaboradores e gestores, da gestão de
recursos humanos.

vi) Exploração dos processos de mudança ao nível de implementação de
alterações numa prática de GRH (SIADAP)


2. MÉTODO
Devido à natureza exploratória desta investigação foram realizados dois estudos
de caso em Câmara Municipais do norte do país.
A Câmara Municipal onde se realizou este primeiro estudo de caso tem, à data
de 31 de Dezembro de 2009, 224 colaboradores dos quais 62 são  técnicos superiores,
técnico de informática, técnico profissional e administrativos. Cento e quarenta e quatro
são operários, auxiliares e pessoal apoio educativo (Balanço Social, 2009).
São apresentados neste texto, os resultados parciais do primeiro estudo de caso
efectuado. Optou-se por realizar  focus group e entrevistas bem como por passar um
questionário sobre Confiança Organizacional. Inicialmente estavam previstos dois focus
group por organização mas face aos resultados obtidos nos dois primeiros  focus group
realizados, os investigadores optaram por efectuar mais dois.



2.1 Participantes
Participaram nos focus group elementos de todas as categorias profissionais
presentes na organização: técnicos superiores, assistentes administrativos e assistentes
operacionais. Contudo, os grupos de participantes foram organizados considerando os
seguintes critérios:  Antiguidade: pelo menos uma pessoa de cada um das classes de
antiguidade (até 5 anos; de 5 a 9; [...] 36 ou mais); Contrato de trabalho: pessoas com
contrato de trabalho resolutivo e a termo incerto bem como por nomeação;  Grupo
profissional: Dois focus group com  técnico superior (pelo menos 2); técnico de
informática (pelo menos 1); técnico profissional (pelo menos 1) e administrativos.  Dois
focus group com  operários, auxiliares e pessoal apoio educativo (pelo menos dois);
Habilitações literárias: entre a 4ª classe e 12º ano e mais do que 12º ano (bacharelato e
licenciatura). Os elementos dos grupos profissionais técnicos superiores têm geralmente
habilitações superiores ao 12ºano.
As entrevistas foram realizadas ao Presidente da Câmara, enquanto responsável
máximo da GRH nesta câmara, ao Director Administrativo-financeiro, enquanto
responsável operacional da GRH e a  duas chefes de secção, sendo que  uma das
entrevistadas pertence á área funcional da GRH.


2.2 Instrumentos
Foi aplicado o questionário sobre Confiança de Mayer & Davis (1999), validado
para a população portuguesa no âmbito do projecto “Confiança Organizacional e
processos de mudança”, com o financiamento da Fundação para a Ciência, Tecnologia e
ensino Superior (PTD/PSI/74509/2006).
O guião adoptado, de natureza essencialmente exploratória, quer para as
entrevistas quer para os  focus group,  incidiu sobre  os seguintes questões: explorar a
percepção de GRH,  levantamento das práticas de GRH na Câmara e percepções dos
colaboradores sobre o seu impacto bem como  do nível de participação e de
comunicação (Gould-Williams, 2003); exploração do processo de mudança que ocorreu
com a implementação do SIADAP (sistema de avaliação de desempenho recentemente
introduzido nas autarquias) com especial focalização na participação e comunicação no
processo, e na percepção dos  colaboradores; explorar a importância da confiança na
relação entre a Câmara e o colaborador e de compromisso do Colaborador relativamente
à câmara inquirindo sobre intenção de saída, absentismo e nível de performance.


2.3 Procedimentos
Foram realizados quatro focus group e quatro entrevistas na Câmara Municipal.
Os focus group tiveram uma duração de 1,5 h a 2h e as entrevistas de 1h.
Quer as entrevistas quer os  focus group foram gravados e transcritos
integralmente.  Os textos foram analisados com recurso à template analysis (King,
1998).
Estiveram presentes nos focus group e nas entrevistas, dois investigadores.
A análise estatística dos dados recolhidos através do questionário de confiança
foi efectuada através do SPSS (versão16).



3. RESULTADOS
Os resultados de seguida apresentados são relativos  exclusivamente  aos focus
group realizados numa das organizações, como referimos anteriormente.
i) Percepção de GRH.
Na perspectiva dos colaboradores, a gestão de recursos humanos é uma função
que gere as pessoas _“A Câmara tem aproximadamente 200 funcionários. Seria muito

complicado se não houvesse uma equipa  para gerir esta gente toda.”_ e que possui
duas componentes claras: uma de cariz administrativo _“…tentar facilitar os
pagamentos, todos os direitos e deveres que os funcionários têm passam pelos Rh. “_ e
outra relacional/comunicacional _“A GRH é como se pode ajudar os funcionários,
alguém que esta ali para ajudar os funcionários nos direitos, nos deveres, nas
informações, nas duvidas, se eles precisarem de ajuda.”.
Para além disso, tem uma função de mediador entre os órgãos políticos e os
organizacionais _“É um elo de ligação entre a parte política e o funcionário para ver se
conseguimos resolver os problemas.”.
Com a mudança de designação de secção de pessoal para secção de Recursos
Humanos, os colaboradores desenvolveram a expectativa de que  “…A gente pensava
que os Recursos Humanos iam funcionar diferente. Pensava que ia estar lá alguém
sempre atento e que quando se apercebesse que aquela pessoa tinha mais capacidades
para outro tipo de trabalho, tenta orientar os chefes para que a pessoa mudasse de
sector. Mas não é assim, é diferente. A pessoa de Recursos Humanos devia ver mais e
melhor para transferir uma pessoa que não se adapta. […] tinha que conhecer bem a
Câmara dentro e fora, tinha de ser uma pessoa isenta …”.
A função Recursos Humanos surge como uma função distribuída, em que a
chefia directa tem um papel determinante _ “Eu já fiz duas formações. Indicado pelo
chefe de secção.”.
Reconhecem também que a GRH é condicionada pelo poder político  _”… há

uma parte que se sobrepõe sempre…é a politica […] Há o político e depois há o chefe
de divisão.”_ e pelo contexto em que a organização se insere _ “…para a parte política,
porque no Porto, em Lisboa nem se conhecem… porque são meios muito pequenos,
conhecem-se todos, conhece-se a família...”. O poder político tem um impacto
percebido, em termos da GRH, com reflexos nos colaboradores_ “Pode interferir na
carreira, não é o caso do daqui… mas pode, nas promoções….O vereador responsável
aqui é o Presidente.”.
ii) Descrição das práticas de GRH utilizadas na organização, com especial
incidência na avaliação de desempenho (SIADAP).
As práticas de GRH identificadas pelos colaboradores, nesta organização, foram
a formação,  a avaliação de desempenho e a gestão de carreiras. Os colaboradores,

genericamente, consideram que tiveram “Algumas” oportunidades de frequentar acções
de formação, destacando-se no grupo dos assistentes operacionais, colaboradores que
não tinham frequentado nenhuma acção de formação, até ao momento _“Eu por
exemplo, vou a caminho dos vinte e tal anos aqui na Câmara e nunca…eu nunca entrei
em formação nenhuma….”.
A avaliação de desempenho e em particular o novo sistema (SIADAP), colhe
uma opinião generalizada de que, “Teoricamente já começou…mas não funciona muito
bem. “. A expectativa que os colaboradores têm relativamente ao novo sistema é de “O
SIADAP não vai dar certo. […] Isto é tudo muito bonito na teoria mas... estes meios tão
pequenos, que as pessoas se conhecem todas... como vai ser quando chegar lá o nome
do amigo? Que é que eu vou fazer? É complicadíssimo…”.
A gestão de carreiras, no momento da recolha de dados, foi a prática que mais
discussão colheu pois tinha-se verificado recentemente uma alteração nas carreiras, com
a redução do número de categorias profissionais, agregando-as. Os assistentes
operacionais foram aqueles que mais afectados se mostraram com estas alterações. “Nós
somos assistentes operacionais e assim temos de ir para o serviço que nos mandarem.
Eu sou jardineiro, se me mandarem para electricista eu tenho que ir. Mas eu não
percebo nada, já sei que vou fazer mal. É como se me mandarem para picheleiro, já sei
que vou fazer mal.”.
Inquiriu-se também por outras práticas consideradas como práticas de elevado
envolvimento: a segurança no trabalho, o trabalho em equipa, igualdade de status e a
partilha de informação (Gould-Williams, 2003).


Os colaboradores sentem-se, na generalidade, seguros do seu trabalho _ “Eu
sinto-me segura.”_ com excepção daqueles que têm contrato a termo certo _ “Não. Não
me sinto seguro, eu tenho contrato a termo. Estou sempre naquela expectativa de que
vou ou fico. Se estivesse no quadro, sim, para já não. “. Os colaboradores expressam a
este respeito alguma revolta pois, “Não somos todos iguais não. Nem aceito que digam
isso. Se já não éramos antes, agora muito menos. Os que estão no quadro antigos estão
seguros, podem ter mobilidade vertical externa ou interna… Agora, mesmo um contrato
a termo incerto ou indeterminado a qualquer hora é agora não fazes mais falta e vais
embora.”.

O trabalho em equipa não é uma prática transversal à organização. Alguns dos
colaboradores trabalham em equipa tendo a maioria dos participantes nesta
investigação, referido que trabalhava individualmente.
Foi também reconhecido que existem diferenças de status nesta organização _
“Sim, sempre houve.”.
A partilha de informação nesta organização não é comum, em especial das
chefias para os subordinados ou de uma forma mais geral, não é uma prática
organizacional interna, particularmente eficiente, na perspectiva dos seus colaboradores.
“Eu é muito raro ser informada… eu quando as coisas se passam, já passaram há 15
dias e eu estou a saber agora…”.
Ainda que existam mecanismos internos  de comunicação  adoptados pela
organização como as cartas ou as reuniões, estas não parecem ser suficientemente
eficazes. “Na nova lei do trabalho deixou de haver cantoneiros de limpeza, jardineiros
e passou-se a ser assistente operacional. Eu não fui informada. Fizeram uma sessão de
esclarecimento aqui na Câmara e eu não fui informada. Não soube.”.
Os Sindicatos são uma fonte de informação importante para os colaboradores
_“…eu soube pelo sindicato.”_ bem como os pares_ “Rádio - corredor.”. Contudo, os
colaboradores manifestaram a expectativa de serem informados pela Câmara. _“Nós
temos direito a aceder à informação.”. O caso particular das alterações de categorias
profissionais foi referido como exemplo, pelos colaboradores. “Eu acho que a Câmara
havia de informar. A partir deste momento, acabaram estas categorias e vai ser assim e
assim…”.

iii) Caracterização dos níveis de confiança na organização.
Os resultados obtidos nos focus group no que se refere à confiança, apresentaram nítidas
diferenças em função das categorias profissionais. Os assistentes operacionais
afirmaram a sua confiança  quer na organização quer nos seus pares. “…Confio na
câmara, confio no chefe de sector, nos colegas, não tenho problemas de maior.” A
confiança que experimentam deve-se não só à percepção de competência como de
benevolência (Mayers & Davis, 1999) das chefias  _ “Confio,  porque eles são
competentes e têm bons sentimentos, boa índole. A mim merecem-me toda a confiança.
Até um dia que me desiludam. …” .

Este grupo profissional  manifestou também a expectativa de que a organização
confiasse neles. “Sim, eu também acho que eles confiam em nós….”; “… porque eu
também acho que sou uma pessoa competente em relação ao trabalho que me está
encarregado a mim e também como pessoa.”.
O grupo profissional dos técnicos, por outro lado, expressaram claramente e de uma
forma explicita a inexistência de confiança. “Aqui ninguém confia em ninguém.”.
iv) Percepção de impacto, pelos  colaboradores, da gestão de recursos
humanos.
A percepção de impacto da GRH evidencia duas dimensões claras no discurso dos
colaboradores: uma que está relacionado com o conteúdo técnico da GRH _  “[O
SIADAP]Vai gerar muita confusão. Por exemplo no meu sector, nós somos de forma
positiva bastante iguais e ou vamos ser todas iguais ou vai criar muita confusão. Se não
sair tudo igual no meu sector, vai criar muita confusão. E isso em todos os sectores. Até
agora as subidas e as avaliações, a justiça, eram iguais.”  _ e outra que decorre das
relações de poder que instrumentalizam a própria GRH. “Estavam com um bocado de
receio que às vezes os chefes fossem prejudicar alguém… também se falava muito que
um chefe podia não gostar de um por outros motivos e depois que o prejudicasse, mas
eu acho que ninguém vai fazer isso.”.

v) Análise do envolvimento dos colaboradores na organização.
Os colaboradores estão conscientes dos aspectos positivos do emprego que possuem _
“Toda a gente fala mas…o emprego da Câmara não é muito bom, mas é mais ou
menos… é mais ou menos bom…Estou a falar dos internos. Há quem trabalhe muito e
quem trabalhe pouco… Acho que as pessoas não se podem queixar muito… É que se
forem embora estão já mil para entrar já.”_ ainda que reconheçam que “Há um bocado
que anda por amor à camisola, mas a maior parte é por dinheiro. Se tivesses outra
coisa ias te embora daqui, não?”. Aliás, muitos referem que não saem da Câmara por
não haver outras oportunidades em que a retribuição monetária fosse superior. “ Eu pelo
mesmo salário, não saia, gosto do que faço.”. Nota-se, no entanto, algum desencanto
com a relação actual com a Câmara_ “O ambiente já foi melhor, muito melhor, já
trabalhei muito mais por amor a camisola, já tive oportunidade de sair daqui para
melhor e não fui na altura porque gostava do que fazia. Hoje se calhar ia.”.

A natureza da relação com a organização condiciona o desempenho dos colaboradores
que revelam ter a percepção da variação do seu nível de eficiência.  “Pára-se muitas
vezes para pensar…É a raiva a trabalhar cá dentro.”;“Se uma pessoa está a trabalhar,
sem motivação, não tem rendimento. Acho que deveriam ter maior conhecimento do
rendimento de cada um. Há muita gente que gostaria de trabalhar, que queria
trabalhar, de fazer um bom trabalho, depois há os tais serviços bloqueados porque há
pessoas que não querem evoluir e como não querem evoluir não dão oportunidade às
outras pessoas de evoluir.”.
vi) Exploração dos processos de mudança ao nível de implementação de
alterações numa prática de GRH (SIADAP).
Na codificação dos dados utilizando a  template analysis, produziram-se três códigos
relativos ao Processo de Mudança: implementação; participação e comunicação. Iremos
apresentar os resultados de acordo com estes três elementos importantes do processo de
mudança. Os exemplos de processos de mudança que surgiram nos  focus group foram
não só o SIADAP mas também, e no caso especifico dos assistentes operacionais, as
mudanças das categorias profissionais.
A introdução do novo sistema de avaliação de desempenho foi encarado com
expectativas positivas _ “No inicio do ano, quando começou, tínhamos uma ideia
positiva. O sistema é bom, mas tinha de se aplicar na prática.”_ e como  uma
oportunidade para corrigir aspectos que anteriormente eram deficientes. “  E antes de
implementar o SIADAP, penso que se devia limar muitas arestas. Limpar muita coisa,
muitas injustiças e agora a partir daqui é que vamos começar. Há muitas injustiças do
passado e essas deviam ser corrigidas antes de partirmos para o SIADAP.”.
Os colaboradores consideram que, no caso da implementação do SIADAP,  “Devia
haver uma equipa de superiores isentos, uma equipa de consultoria externa, com
neutralidade que possa orientar o SIADAP.”.

O processo de mudança não contemplou a participação dos colaboradores _ “Nos
últimos cinco anos, no nosso caso já tivemos duas mudanças e em nenhuma delas foram
consultados os colaboradores.” _ e não produziu informação suficiente e atempada, na
sua perspectiva _ “Nós já tínhamos sido informados pelo sindicato e depois mandaramnos vir à secção de pessoal. E nós assinamos. Mas já éramos conhecedores das

mudanças. Para mim, já não era novidade.”. Estas circunstâncias provocaram-lhes
algumas reacções negativas como, por exemplo, “Fiquei danada".

vii) Participação dos colaboradores na organização.
Na codificação dos dados destacou-se pelo conteúdo mas também pela frequência,
referências àquilo que designamos por participação, que no âmbito de uma perspectiva
de  boas práticas de GRH como referimos na introdução está em consonância com a
nossa grelha de análise.
Os colaboradores afirmam a sua reduzida participação na Câmara quer pela dificuldade
de aceder a informação que formalmente lhes deveria ser disponibilizada _ “Aqui há
situações de bloqueio muito grandes. Eu por exemplo, tive uma situação em que
reclamei com os recursos humanos, fiz um requerimento, sei que tive um despacho
positivo e sei que há um bloqueio de chefias que ainda não me chegou nada.”, quer nos
processos de tomada de decisão que os envolvem directamente _ “O problema é
quando nos estamos no serviço e gostamos e vem uma ordem de serviço com uma
transferência. Ai é que é o pior. Quando a gente está ali há 5, 6 anos…Acontece em
todos, é geral, ninguém vai inverter a situação.”; “Recebemos uma ordem de serviço de
mudança, a decisão está tomada. “.
A menor participação deve-se, na perspectiva dos colaboradores, às reduzidas
oportunidades de emprego disponíveis e de capacidade negocial. “…se houvessem mais
empregos, se os trabalhadores tivessem outro poder de negociação, pelo menos mais
alguma abertura. Eu acho que isto está mal, eu acho que deveria ser feito de forma
diferente e depois se não fosse da forma que nos queríamos ok, eu faço as malas e vou.
Mas o facto de haver tanta dificuldade na procura de emprego limita, e nos temos
realmente que nos sujeitar… não sei se é a palavra adequada mas…”.


4. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
A GRH nesta organização, nomeadamente ao nível das suas práticas, apresentase pouco desenvolvida. De facto, não conseguimos identificar as características das
práticas de elevado desenvolvimento e em especial, encontramos deficiências ao nível
da participação e comunicação. Não nos surpreendeu pois que os colaboradores
identificassem como condicionantes do impacto da GRH, a instrumentalização da GRH
pelos detentores de poder e que o envolvimento que manifestam relativamente à

organização, evidencie a sua componente “contínuo” (Meyers & Smith, 2000, p.320) ou
seja, os custos percebidos e associados à saída da organização são superiores aos da sua
permanência.
Os colaboradores embora partissem com uma perspectiva positiva face ao
processo de mudança que o SIADAP despoletou, estão agora cépticos relativamente à
sua efectiva aplicação. Este cepticismo decorre da falta de participação bem como de
não reconhecerem um papel efectivo de mediador à função Recursos Humanos. È
ilustrativo a sugestão de intervenção de consultores isentos, neste processo. Vemos uma
expressão ainda mais vincada de insatisfação aquando do processo de mudança relativo
às categorias profissionais. Esta mudança é já posterior ao SIADAP, o que nos parece
revelar uma degradação da relação entre os colaboradores e a organização.
Por último, gostaria de realçar que a expressão de confiança pelos colaboradores
na organização  é muito diferenciada pelos grupos profissionais, sendo menor ao nível
dos técnicos superiores.  Foi surpreendente esta diferença tão nítida entre os grupos
profissionais. Contudo, não podemos deixar de recordar que estes resultados reportam a
uma análise dos dados exclusiva dos  focus group, pelo que a nossa discussão merece
alguma contenção.



5. CONCLUSÕES
Identificamos nesta organização os seguintes elementos: práticas de gestão de
recursos humanos  cuja implementação é limitada, nomeadamente ao nível da
participação e envolvimento dos colaboradores,  percepção da função RH como uma
função comprometida com a componente politica da Organização e que não realiza as
expectativas de isenção e de mediação entre os órgãos políticos e organizacionais,
níveis de confiança extremados e, por último, processos de mudança que parecem ser
constrangidos por questões comunicacionais e de participação, e que produzem
implicações ao nível da relação do colaborador com a organização.
Estas conclusões merecem alguma reserva pois ainda não foram analisados
todos os dados recolhidos, nem integrados numa análise mais aprofundada da
organização. Considerando este constrangimento, no entanto, parece-nos que existem
algumas pistas que nos podem sugerir que existe uma relação entre a confiança
organizacional e a GRH. Não é claro com os dados de que dispomos até ao momento, se
a GRH condiciona a confiança organizacional e se a confiança tem um papel importante na adesão dos colaboradores aos  processos de mudança ao nível da GRH, principal
objectivo deste estudo de caso.


NOTAS
1  - Esta investigação foi financiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia
(Projecto PTDC/PSI/74509/2006)
CONTACTO PARA CORRESPONDÊNCIA
Ana Veloso
Universidade do Minho,  Escola de Psicologia,  Campus de Gualtar, 4710-057
Braga
alveloso@psi.uminho.pt
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