segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Quem precisa do RH



Para o polêmico economista Fredy Kofman, formar uma equipe de líderes é tarefa obrigatória de toda a corporação

Alessandra Fontana
Ecletismo pouco é bobagem. Na hora de ajudar empresas a formar líderes, o economista Fredy Kofman junta filosofia cristã a teorias matemáticas, ensinamentos budistas a lingüística. Não é para menos. Radicado há mais de dez anos nos Estados Unidos, Kofman -- um argentino de família judia com Ph.D. em economia por Berkeley -- já trabalhou com o guru Peter Senge, estudou filosofia budista, se formou em psicologia e usa os ensinamentos de Jesus Cristo para defender algumas de suas teses. "Ele tem dicas de muito bom senso", diz. Para desespero dos executivos de recursos humanos, Kofman diz que não considera essencial que o RH seja o principal responsável pela gestão de pessoas. "Você não tem uma diretoria de lucros nas empresas, tem?", pergunta ele. "Pois gestão de pessoas também é algo com o qual todos indistintamente deveriam se preocupar." Ex-professor da Sloan School of Management (a escola de negócios do MIT), Kofman desenvolveu uma teoria de gerenciamento de pessoas chamada metamanagement que aborda dois problemas básicos das corporações: a dificuldade de comunicação interna entre os líderes e suas equipes e o baixo comprometimento das pessoas. Suas idéias foram compiladas no livro Metamanagement -- A Nova Consciência dos Negócios (editora Willis Harman House, três volumes). Neste ano, fundou a consultoria Axialent, que já tem braço no Brasil, no México e na Argentina. De passagem pelo país, Kofman conversou com a equipe do Guia EXAME -- As Melhores Empresas para Você Trabalhar.


Em seu livro, você diz que as pessoas assumem um personagem ao entrar nas corporações e deixam em casa aquilo que realmente são. Por quê?
Essa máscara serve para exemplificar as restrições que as pessoas se impõem no trabalho. Tradicionalmente, o que se privilegia numa corporação é a possibilidade de controle. Afinal, acredita-se que é preferível ter funcionários que se comportam como os outros recursos usados pela empresa, ou seja, controláveis e de resultados previsíveis. Pode até parecer surpreendente, mas isso não é de todo ruim. A questão é que essa é somente uma parte dos seres humanos. Hoje, a inclusão da ordem e da disciplina está se tornando condição sine qua non, sem a qual uma corporação não conseguirá sobreviver. Funciona como o oxigênio para os seres humanos. O que defen do é que, pela primeira vez na história da humanidade, a ferramenta de produtividade sofra influência também da parte mais espiritual que até agora era considerada perigosa e mantida fora das fábricas e dos escritórios.

Isso quer dizer que as empresas ainda procuram por um profissional padronizado?
Exatamente. As empresas acreditam que desse modo é mais fácil ter controle. O objetivo final de uma empresa é ter lucro. Para isso, monta uma operação que requer controle das máquinas, dos processos, das pessoas. Imagine se os funcionários de um hospital decidissem, todos juntos, ir caminhar no parque? Muitos pacientes não receberiam atendimento e morreriam. Portanto, se as pessoas pudessem fazer o que quisessem, sem controle algum, o resultado seria negativo. Daí surge o desejo de padronizar todo mundo. Até uma certa época, isso funcionou bem. Hoje, porém, já não é suficiente.

Trazer a criatividade para o trabalho não pode fazer com que a empresa perca o controle do processo?
Se você traz o lado passional, mas continua com o comportamento de antes, há um dilema entre controle e criatividade. A forma antiga de pensar considera que as duas coisas não podem existir por ser excludentes. Compreendo o metamanagement como a convivência entre criatividade e controle.

Esse discurso não é comum a muitas empresas hoje em dia?
É verdade. O discurso é muito bom, mas as pessoas não sabem como fazê-lo funcionar. Quase ninguém transformou essa teoria num programa que resolva situações reais e não sirva apenas como mais um treinamento de recursos humanos.

Mas há empresas que efetivamente já agem segundo o metamanagement?
Um dos meus primeiros trabalhos foi na Chrysler. Eles estavam implementando um sistema de contabilidade e houve muita resistência por parte dos funcionários. O sistema era tecnicamente perfeito, mas ninguém o aceitava. O problema era a atitude das pessoas que estavam à frente da mudança. Adivinhe? Todos eram contadores, gente racional, da área financeira. Ao cabo de um ano de trabalho, os próprios contadores passaram a se chamar consultores organizacionais. E a Chrysler foi analisada como case de sucesso por uma revista americana.

Como é que se resolve isso na prática sem a área de recursos humanos?
Ajudar as pessoas a atingir um nível de consciência ao qual me refiro não é um problema de recursos humanos. Costumo dizer que numa empresa você não tem um departamento de lucratividade, pois todo mundo tem de se preocupar com isso. Então, da mesma forma, não deve haver apenas uma área se preocupando com pessoas. Quando alguém diz que é tarefa do RH, está afirmando que não é um problema do negócio como um todo.

Ao definir que os funcionários tenham características como criatividade e emoção, não estamos definindo um novo padrão de profissional?
Ao incluir criatividade, irracionalidade e emoção no padrão exigido estamos atingindo um nível muito mais alto de generalidade. É claro que é preciso haver limites, pois sem eles você não tem nada. É como se eu estivesse formando um time de futebol e a convidasse para jogar porque você sabe usar os pés. Ou não a convidasse porque só sabe usar as mãos. Não é que você seja ruim, mas poderá ser mais bem aproveitada num time de basquete. A autoridade do gestor em definir que características buscar nas pessoas é um princípio de propriedade da empresa.

Em seu livro, você diz que começou suas pesquisas observando os argentinos no período de inflação. Cada vez que compravam um produto com medo de que o preço subisse, estavam contribuindo para o processo inflacionário, apesar de agirem para se proteger dos estragos da inflação. O que isso tem a ver com a gestão de pessoas?
O comportamento de cada indivíduo era perfeitamente racional para seu benefício individual. Mas, quando se somava ao comportamento de todos os indivíduos racionais, o sistema como um todo era destrutivo, irracional. Dentro das empresas ocorre o mesmo quando cada indivíduo trabalha para seu próprio benefício e sem ver as conseqüências sistêmicas de seu comportamento. Por exemplo: suponha que eu deixe de dividir informações com você, que é do setor financeiro, porque sei que você restringirá meu orçamento. Seu trabalho não será bem-feito sem as minhas informações. Apesar de estar agindo racionalmente de acordo com meus interesses individuais, prejudicarei a organização. O problema não é irracionalidade, mas racionalidade parcial, míope, imediata.

Você acha possível mudar o comportamento do ser humano?
É possível, mas não sei fazer isso em larga escala. Por isso não me tornei um político ou um ambientalista. Decidi trabalhar com grupos pequenos ou individualmente. Não acredito que consiga mudar as pessoas. São elas que devem desejar evoluir. Mas há uma série de princípios que podem facilitar essa evolução na prática.

Quais são esses princípios?
Responsabilidade é um deles. É um sinal de maturidade, de habilidade para responder a situações da vida. Um bom exemplo é quando usamos a clássica desculpa do trânsito ruim para justificar um atraso. Ora, isso é a explicação de uma vítima, pois se apóia em fatores externos para justificar uma situação. Quando você amadurece, responde algo como "desculpe, saí tarde e me atrasei". Qual a diferença? Você adquire o poder de mudar a situação. O segundo princípio é a honestidade, o respeito na comunicação. É considerar, por exemplo, que a forma de expressar meu desacordo por uma determinada afirmação do colega não significa um ataque à idéia. É preciso ser honesto e respeitoso ao ouvir. O terceiro é o da integridade dos compromissos. Se você me promete algo, eu espero que cumpra. Se eu te prometo algo, tenho de cumprir. Isso gera uma relação de confiança entre as pessoas.

Como você saiu do mundo da economia?
Sempre gostei de procurar entender as pessoas. Houve um período em que acreditei que a matemática era a forma de entendê-las. Mas mudei quando decidi me casar. Foi a primeira vez que tomei uma decisão de forma irracional. Foi quando percebi que, para entender os seres humanos, a matemática era importante mas não representava tudo. Compreender algo exige outras ferramentas, como a filosofia, a psicologia e a lingüística. Minha formação de economista me deu ferramentas para trabalhar, por exemplo, com os engenheiros. Se começo a falar de emoções com gente muito racional, não funciona. Mas, quando falo de teoria de decisões, eles me entendem. Eu trabalho para ser uma ponte entre esses dois mundos.

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