quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Ética - Base de confiança

Ética - Base de confiança*


Entrevista de Jair Moggi a Rachel Regis - Revista Inovação

Países, empresas e profissionais descobrem as desvantagens do jeitinho e da maracutaia. E se esforçam para criar um futuro diferente.

Você deve ter notado: na última década, as empresas e organizações bateram recordes na emissão de códigos de ética. Não estavam sozinhas na sua preocupação com valores. Nunca antes o País tinha decretado um impeachment de um presidente da República, nunca o Senado tinha cassado um senador, nunca o Legislativo tinha feito tantas CPIs, nunca tantos colarinhos brancos foram parar detrás das grades. Nem é preciso dizer que, antes disso, também havia comportamentos antiéticos, maracutaias, roubalheiras, corrupção e mentiras(*).

Se é possível que o comportamento ético de algumas pessoas e em alguns meios tenha piorado, é certo que, para a maioria da sociedade, o fator ético passou a ser decisivo nas decisões de voto, de negócios, parcerias e alianças. "Na verdade, sempre houve uma preocupação com a ética", avalia o consultor André Castellini, da Bain Consultoria. "A mudança é que, agora, ela é explicitada, consciente e motivo para discussão em praticamente todos os meios."

Isso não acontece por acaso. Contrariar a ética tem custado muito caro para todos. No âmbito das nações, por exemplo, a corrupção corrói a riqueza dos países e reduz o crescimento econômico, desencorajando a aplicação de capital e resultando numa perda para toda a sociedade. A conclusão é de um estudo dos professores Marcos da Silva, Fernando Garcia e Andréa Bandeira, da ONG Transparência, Consciência e Cidadania, seção brasileira da Transparency International. Outro estudo, este da Universidade de Harvard, constatou que altos níveis de corrupção constituem obstáculos a investimentos estrangeiros. A diferença entre a taxa cambial para empresas que fazem negócios no exterior pode variar em até 20 pontos percentuais entre países de baixa corrupção, como Cingapura, e um mais corrupto, como México (veja o ranking no quadro).

No âmbito empresarial, "só a adoção dos valores éticos como inspiradores dos indivíduos e orientadores das ações da organização é capaz de gerar a confiança de parceiros, funcionários e consumidores", disse Jair Moggi, diretor da Adigo Consultoria, numa palestra do seminário Organizações Orientadas por Valores, realizado na Câmara Americana de Comércio, em São Paulo, em maio e junho passados. "E, sem confiança, está cada vez mais difícil realizar negócios." Com ele concorda Maria Cecília Arruda, professora da FGV e coordenadora da edição brasileira do livro "Ética Empresarial", de Ferrel e Fraedrich, uma das mais melhores obras sobre o assunto: "Há sinais significativos de que a ética declarada e efetivamente praticada é um fator de competitividade empresarial."

Ela se refere a vários estudos apresentados no livro apontando para as vantagens econômicas das empresas que adotam a ética como norma de conduta. "Hoje em dia, cada vez há mais consciência de que a adoção de princípios éticos impacta fortemente o desempenho de uma organização", diz. E explica: "O ambiente ético influi na confiança de clientes e funcionários, no compromisso dos empregados para com a organização, na satisfação do cliente e na qualidade da empresa como um todo, ou seja, na facilidade de conseguir acionistas e de fazer alianças com outras empresas com as mesmas preocupações."

Segundo Moggi, isso acontece porque "a confiança é a virtude que cria a predisposição para ter fé na conduta dos outros. Os outros sabem o que podem esperar porque os valores são declarados e, também, consistentemente praticados."

Stephen Covey, autor do best-seller "Sete Hábitos de Pessoas Altamente Eficazes", acha que os efeitos que a ética exerce sobre os resultados dos negócios podem ser medidos. Ele chega a aconselhar as empresas a avaliar o impacto da confiança sobre os balanços, além do impacto sobre os lucros, sobre o rendimento por ação e sobre outros fatores de sucesso. Diz que, quando é baixa a confiança, a empresa entra em decadência, os relacionamentos se deterioram, disso resultando manobras políticas, lutas internas e ineficiência geral; fraqueja a lealdade do empregado à empresa, declina a qualidade dos produtos, os consumidores vão embora e a rotatividade do pessoal aumenta muito. Segundo Covey, se a confiança for pequena ou não existir, tampouco haverá alicerces para sucesso permanente.

Embora se possa dizer que existem alguns valores éticos universais - tanto que nos Estados Unidos e no Canadá há comissões de normas de conduta que orientam as empresas na confecção dos seus códigos de ética, responsabilizando-as por eventual má conduta dos seus empregados, e que as organizações regionais, como Comunidade Européia e Nafta, também estão definindo padrões éticos obrigatórios para todos os participantes -, a verdade é que os princípios variam muito.

Segundo Moggi, “os valores são verdadeiros quando eles expressam a identidade de um grupo”. Ele dá o exemplo de algumas empresas com as quais já trabalhou na confecção de códigos de ética: “Na metalúrgica Mangels, o que sempre valeu é a expressão 'seja duro, mas seja justo', quer dizer, uma mescla de disciplina com justiça. Já na Método Engenharia, o que é mais valorizado é o respeito à vida, ao ser humano e ao meio ambiente. Na seguradora Porto Seguro, o mais importante é o sentido de conjunto, a noção de que cada um deve lutar por todos e que todos devem apoiar cada indivíduo. Nesses e em outros casos, os valores são como uma bússola que mantém o grupo e os indivíduos num rumo comum, mesmo havendo calmarias ou tempestades.” Para Castellini, os indicadores éticos "tornam-se mais necessários à medida que os funcionários têm mais autonomia e alguns chegam a trabalhar longe das sedes". Para se ter uma idéia de como é difícil orientar e controlar grandes corporações, basta saber que as 500 maiores empresas industriais do mundo controlam 25% da produção econômica do planeta, embora empreguem apenas 0,05% da população mundial. Mais de 20 companhias têm um valor econômico maior do que o PNB da Hungria, da Irlanda ou da Venezuela. "Se empresa e funcionários não compartilharem dos mesmos princípios, a tendência é a desagregação", diz Castellini.

Outro ponto de vista é o defendido por Ferrel e Fraedrich, no livro "Ética Empresarial". Eles entendem que uma organização pode definir os princípios, valores e padrões que vão orientar o comportamento, mas que quem determina se um comportamento específico é certo ou errado, ético ou não, aceitável ou não, são os chamados stakeholders, ou seja, investidores, clientes, grupos de interesse, empregados, o sistema jurídico vigente e a comunidade. Como a mulher de César, não basta às empresas ser éticas, precisam também parecer éticas.

Isso dá a impressão de que o comportamento das organizações está sendo o tempo todo vigiado, analisado e avaliado, certo? Certíssimo. Segundo a pesquisa "Does it pay to be ethical?", feita em 1997 nos Estados Unidos pela Cone/Roper, empresa norte-americana de pesquisa de marketing, três em quatro consumidores recusam-se a comprar produtos de certas empresas, e a conduta dessas é um motivo fundamental para esse boicote. Quem tem uma imagem ética sai lucrando. No livro “Começando com o Pé Direito”, Jô-Ellan Dimitrius e Mark Mazzarella revelam uma pesquisa feita nos Estados Unidos sobre o que passa melhor impressão ao consumidor. Itens como ter boa aparência, ter classe ou ser bem sucedido têm um impacto desprezível, na faixa de 10%. Já ser honesto, sincero e confiável ficaram com 75% em média.

Há outras formas de ganhar dinheiro com um comportamento ético. O comprometimento dos funcionários com os objetivos da empresa e o baixo turn-over, motivados pela identificação dos empregados com os valores da organização, tendem a se refletir diretamente no caixa. Pelo menos essa é a crença na Cisco System, o maior fornecedor mundial de servidores para a internet. A empresa orgulha-se de ter um dos menores índices de rotatividade e de que cada empregado contribui para um aumento de receita de 650 mil dólares anuais, contra uma média dos seus concorrentes de 300 mil dólares. A empresa credita esses resultados ao fato de todos os seus empregados participarem do planejamento e acreditarem em comunicações abertas, com decisões tomadas no nível mais baixo. A norma, na firma, é trabalhar em equipe, fazer com que os funcionários sintam-se seguros e sejam reconhecidos nos seus esforços para uma melhor interação com clientes.

Maria Cecília Arruda, que também é presidente da Alene (Associação Latino-americana de Ética, Negócios e Economia) e vice-presidente da ISBEE (International Society of Business, Economics and Ethics), acredita que "a confiança é a premissa sobre a qual se fazem os negócios no mundo globalizado. Muitas empresas que operam globalmente negam-se a manter parcerias com outras que não sigam alguns padrões mínimos de comportamento ético. O mesmo vale para as pessoas - se o comportamento for duvidoso, fica difícil encontrar colocação."

Moral da história: cada vez mais países, organizações e indivíduos precisam ser orientados por valores. Até mesmo para sobreviver.

Algumas confusões

Quando se discute ética, vários termos se confundem. Conheça alguns deles.

Ética e moral: A ética é formada pelos valores fundamentais de uma pessoa, de um grupo ou de uma nação. É perene. A moral tem a ver com os costumes praticados num grupo e num período determinados. É mutável.

Ética nos negócios e responsabilidade social das empresas: Ética nos negócios compreende princípios e padrões que orientam o comportamento empresarial. Responsabilidade social é a obrigação que a empresa assume com a sociedade. Há as responsabilidades econômicas, de produzir a um preço que possa garantir a continuação das atividades; as responsabilidades legais, como observação de leis e normas; e responsabilidades éticas, ou seja, ter comportamentos que a sociedade espera das empresas, mas não estão na lei; e responsabilidades filantrópicas, formadas por atividades voluntárias.

Transparência e comunicação eficiente: Uma boa comunicação é aquela que leva uma informação a um público determinado na hora adequada. Transparência é a capacidade de demonstrar o que se é, de revelar-se, em tudo o que se faz, e de manter as portas abertas para quem quiser conhecer dados, normas de procedimentos etc.

Antiético e ilegal: Para muitas pessoas, ser antiético é o mesmo que ser criminoso e ter um comportamento ético é semelhante a agir segundo as normas legais. Mas isso não basta. A ética compreende justamente o que não é codificado em leis. Não há lei que proíba ouvir uma conversa na mesa ao lado na empresa ou no restaurante – mas é ético?

Justiça de processo e justiça de resultado: A justiça de processo tem a ver com os critérios utilizados (por exemplo, para uma promoção ou para uma condenação). Baseado num processo justo, é possível chegar a um resultado injusto, por exemplo, multando o carro que passou o sinal vermelho quando estava levando alguém para o hospital - trata-se de injustiça de resultado. Normalmente, as pessoas têm alguma tolerância com a injustiça de resultados quando consideram que o processo foi justo. Mas não toleram um processo injusto. O povo define a justiça de processo com a máxima: "Não é caro o que é combinado."

Honestidade, equidade e isonomia: Honestidade implica veracidade, integridade e confiabilidade. Equidade é a capacidade de ser justo, imparcial, equânime. Isonomia é tratar situações semelhantes com os mesmos critérios – por exemplo, salariais.

Agente e mandante: Tanto quem ordena uma ação ilegal ou antiética (mandante) como quem executa a ação (agente) são responsáveis por ela. A alegação de estar cumprindo ordens é inaceitável como atenuante legal e indefensável do ponto de vista ético.

Revolução cultural
O psicólogo Salomão Rabinovich, presidente da Comissão de Ética, Cidadania e Direitos Humanos da Academia Paulista de Psicologia, acha que a única saída para a questão ética é uma “revolução cultural, para evitar que o Brasil se torne um imenso 'topa-tudo por dinheiro'.” Ele escreveu o livro “Vamos Recomeçar o Brasil”, no qual analisa o comportamento eleitoral dos brasileiros, e criou uma organização não governamental com o mesmo nome.

Sua idéia é promover uma retomada de valores éticos, morais e religiosos, controlando de perto o comportamento das autoridades. Ele não acha que o fenômeno da falta de valores seja recente: “Acontece que, com o passar dos anos, os cidadãos começaram a resolver os conflitos –pessoais, trabalhistas, familiares, comerciais ou de trânsito – diretamente, porque não confiam mais na justiça e nas autoridades. Isso beneficia o clientelismo, os quebra-galhos, o jeitinho e, também, a violência. A única saída de romper esse círculo vicioso é acabar com a impunidade e retomar os valores éticos.” Com essa proposta, o psicólogo tem percorrido escolas, empresas e entidades, com palestras e participando de debates.

Esfarrapadas
Segundo pesquisa do Ethics Resource Center, de 1997, estas são as principais desculpas apresentadas por quem não denuncia a má conduta observada nas empresas:

Medo de não ser considerado um bom componente da equipe.
Não acreditar que medidas corretivas sejam aplicadas.
Receio de vingança ou represália do chefe ou da alta administração.
Ninguém liga para a ética empresarial. Por que eu faria isso?
Não acreditar que a empresa mantenha a denúncia em sigilo.
Roubalheira tem ranking
A Transparency International faz um ranking da corrupção em 86 países, baseado numa pesquisa com empresários nacionais e internacionais. Os índices vão de zero (mais corrupção) a dez (menos corrupção) e são utilizados pelas empresas de consultoria que analisam os riscos políticos e econômicos para investidores internacionais.

Segundo a mais recente pesquisa, feita em 1998, os países menos corruptos do mundo são a Dinamarca, Finlândia, Suécia, Nova Zelândia, Islândia, Canadá, Cingapura, Holanda, Noruega e Suíça. Os mais corruptos são Rússia, Equador, Venezuela, Colômbia, Indonésia, Nigéria, Tanzânia, Honduras, Paraguai, Camarões e Bangladesh, que ocupa o pior lugar da lista. O Brasil, em 46o lugar, tem 4,0 de pontuação.

(*) A lista dos comportamentos antiéticos é imensa. Confira alguns: enganação, mentira, propina, falsidade, suborno, fraude, coação, deslealdade, improbidade, falta de decoro, desonestidade, inverdade, insensibilidade social, comportamento suspeito, adulteração, invasão de privacidade, poluição ambiental, abuso, indecência, desvio de verba, lavagem de dinheiro, prevaricação, tráfico de influência, sonegação, caixa 2, irresponsabilidade, comportamento indecoroso, falta de educação, engodo, embromação, falsificação, desrespeito, irresponsabilidade, discriminação, grosseria, omissão, imoralidade, exploração, trapaça, armadilha, indução ao erro, falsa promessa... e por aí vai. Quer completar a lista?

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