domingo, 30 de dezembro de 2012

Entrevista com o CEO - 'Os valores éticos têm de ser exercidos todos os dias'


Domingo, 08 de Abril de 2012, 03h08
C.M.
PÁGINA E2 - O Estado de S.Paulo

Desde fevereiro de 2009 no comando da filial brasileira da multinacional francesa Schneider Eletric, Tânia Cosentino acredita que o líder de uma organização, além de ser capaz de traduzir a estratégia da empresa para todo o seu público e engajar toda a equipe na sua concretização, também deve ter valores éticos fortes e agir de acordo com o que prega. "Quando se fala em valores éticos, respeito ao cliente e ao funcionário, isso tem de ser exercido todos os dias pelos executivos e não apenas estar escrito na missão da empresa", afirma. Ela diz que se houver desconexão entre as palavras e a ação, esse comportamento provoca críticas de funcionários e colaboradores.


'Os valores éticos têm de ser exercidos todos os dias'

Presidente no Brasil da multinacional francesa de equipamentos e soluções para a área elétrica Schneider Eletric, Tania Cosentino vive, desde os tempos do ensino médio, num meio onde os homens são maioria. Tudo começou quando, por conta de sua afinidade com as ciências exatas, decidiu estudar eletrotécnica numa escola técnica. Gostou e depois, foi a faculdade de engenharia elétrica - onde o ambiente também era predominantemente masculino. Mais tarde, ao se tornar gerente, a taxa de masculinidade a sua volta aumentou e chegou ao máximo quando assumiu o comando da Schneider: no topo da pirâmide de gestão, as mulheres são ainda mais escassas. O fato não a incomoda e ela acredita que uma mudança desse quadro cabe às mulheres.

Como tudo começou?

Faz 30 anos. Na escola, eu entrei para o curso de eletrotécnica para conhecer e foi assim que eu me comecei. Por acaso, por afinidade com a área de exatas. No terceiro ano, em 1982, comecei a fazer estágio numa grande empresa do setor. Então, eu estou na mesma área há 30 anos. Eu comecei a trabalhar em 1982, quando havia uma crise séria, muita gente sendo demitida. Em 1984, quando fui efetivada, a situação econômica não era boa e o nível de desemprego era muito alto, então eu decidi continuar trabalhando e fazer a faculdade à noite - cursei a Faculdade de Engenharia São Paulo. Eu sou engenheira elétrica. Sou uma profissional da elétrica.

Ficou sempre nessa área?

Fiquei até 1990 na área técnica. Depois, fiquei cinco anos na área comercial e, posteriormente, comecei a desenvolver habilidades na área de gestão. Comecei a ter pequenas equipes e a me desenvolver como gerente, uma líder de pessoas. Interessante, sempre trabalhei em empresas grandes. Foram 16 anos numa multinacional grande, concorrente da Schneider, uma empresa alemã. Depois trabalhei dois anos numa empresa americana e, em 2000, entrei na Schneider para liderar uma equipe comercial na área do usuário final. Foi um desafio: era a primeira vez que pegava uma equipe mais sênior do que eu, com bastante experiência.

Você planejou a carreira?

De 2000 para cá, comecei a trabalhar de uma forma mais estruturada a minha carreira. Fazendo o planejamento dos próximos passos, avaliando as oportunidades que eu tinha na empresa e como eu deveria me preparar para essas oportunidades. Nesse período, fiz vários cursos, mais curtos na Fundação Getúlio Vargas, na Business School, e agora estou fazendo no IESE, que é da Universidade de Navarra, onde estou quase concluindo o modo advanced programm manager. E também fiz vários cursos na Schneider University. Uma das coisas positivas da empresa é que, ao identificar as oportunidades e os gaps de competência, preparamos um plano de desenvolvimento com cursos internos ou externos e desenvolvemos competências para acabar com esses gaps.

Qual foi seu primeiro cargo na Schneider?

Eu entrei, em 2000, como gerente nacional de vendas e atendia os usuários finais para grandes projetos. Em 2003, houve uma mudança organizacional e o antigo diretor comercial foi promovido presidente da filial na Colômbia. Eu, então, me candidatei para assumir a posição de diretora comercial e fui escolhida. Em 2006, começamos a discutir a sucessão do presidente, cargo que sempre era ocupado por franceses, mas a empresa começou a buscar a desenvolver os executivos do local da subsidiária. Então, eu me candidatei à posição de presidente e começou um trabalho de preparação para eu assumir o cargo. Esse trabalho culminou com um período na França: eu passei 2008 morando em Paris e trabalhando na matriz, para desenvolver algumas habilidades específicas, desenvolver a rede de relacionamentos, que é crítica nessa posição, interagir com todo o grupo. Então, foi um ano de preparo e no final de janeiro início de fevereiro de 2009 eu assumi a presidência no Brasil. Sou a primeira presidente brasileira - e mulher.

Houve dificuldade em sua carreira pelo fato de ser mulher?

A minha, particularmente não. E eu tenho discutido isso muito, porque nós temos um programa de diversidade na empresa, até para atrair mais mulheres para a posição gerencial. Hoje, 65% dos nossos funcionários são do sexo masculino e 35% do sexo feminino, mas quando entramos numa área de alta gerência, esse porcentual se reduz para 16%, 18%. Isso mostra que a mulher vai pulando fora da pirâmide, já que a pirâmide vai afunilando e ela não evolui. Então, eu criei um grupo para discutirmos porque a mulher não evolui. O que nós temos discutido, e isso é interessante, é que a mulher tem muitos estereótipos. Ela acredita que a principal barreira para a carreira é o estereótipo e eu acho que isso está muito mais na cabeça da mulher do que na do homem.

Há preconceito?

Eu diria que no passado poderia existir o preconceito, mas hoje ele é muito menor, acho que os homens estão aprendendo a lidar com isso. Mas acho que a forma como a mulher encara a relação no trabalho e a relação com o homem faz muita diferença. Eu sempre estudei, desde o segundo grau, em escola técnica. Tinha uma sala com 35 homens e cinco mulheres. Na faculdade, na formatura, eram 300 homens e cinco, sete mulheres na área elétrica. Então, eu sempre vivi num mundo masculino, mas sempre fui respeitada e apoiada pelos meus colegas e nunca senti uma dificuldade que eu não pudesse ultrapassar. Acho que também há uma outra característica feminina, de sermos um pouco mais tímidas na hora de pleitear uma posição, uma promoção.

Como assim?

A mulher quer estar muito mais pronta, mais preparada, ter mais de 70% dos atributos ou competências para pleitear uma posição. E o homem, com 30%, 40% das competências acredita que está pronto e corre atrás. A mulher não, e às vezes a oportunidade não vai esperar. Bom, claro que também tem de ter noção do limite e saber exatamente até onde quer chegar. Depois, é se preparar e ir atrás do objetivo. E eu penso que eu fiz isso. Fui atrás e entreguei resultados. Não existe profissional que resista, homem ou mulher, se não entregar resultado. Entregando resultados você é reconhecido, planeja os próximos passos. De forma efetiva, procurar saber quais são os gaps de competência, trabalhar para supri-los e discutir com seu chefe ou com sua área de recursos humanos os próximos passos. Então, eu não tive problemas ao longo da minha carreira. Sempre fui muito pragmática, muito direta, sempre soube o que queria, meu objetivo maior é ser feliz, estar bem na posição que eu estou no momento. Eu acho que as mulheres são capazes de lidar com tudo isso de uma forma eficaz e se saem bem na carreira. Então, vamos tirar os estereótipos de lado e não levar as coisas para o pessoal - é uma característica muito feminina ter um feedback não muito positivo e levar isso para o lado pessoal. O negócio é fazer o contrário. Levar para o lado do desenvolvimento e buscar o seu objetivo.

Qual é o perfil ideal do presidente, do CEO?

Um papel de líder da organização muito forte é ser capaz de traduzir a estratégia da empresa. Não importa o tamanho, mas tem de ser capaz de traduzir para todo o seu público - funcionários, investidores, fornecedores, clientes e a comunidade. Então, é preciso ser capaz de expor a estratégia da empresa, de comunicá-la e engajar a equipe nessa ação. É preciso estar muito atento às mensagens do mercado e de seus clientes. Estar aberto a ouvir os clientes não é apenas visitá-los, mas ouvir as mensagens, os feedbacks. Também é preciso ter compromisso com o desenvolvimento dos funcionários e muita consistência no discurso, fazer o que você fala. É muito comum funcionários e colaboradores criticarem a gestão por ver desconexão entre as palavras e a ação. Quando se fala em valores éticos, o respeito ao funcionário e ao cliente, isso tem de ser exercido todos os dias pelos executivos e não estar apenas escrito na missão da empresa.

Fonte: http://m.estadao.com.br/noticias/impresso,os-valores-eticos-tem-de-ser-exercidos-todos-os-dias,858606.htm
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,entrevista-com-o-ceo--,858604,0.htm

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