sexta-feira, 3 de junho de 2011

A eficácia das palestras

Além de recursos e planejamento, o fator decisivo está na qualidade do palestrante
Por Carlos Neves

Uma mistura de Bill Clinton com Nelson Mandela. Assim definiu o jornal Valor Econômico, na edição de 2 de abril de 2011, o perfil do mais novo palestrante brasileiro: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Muitos olharam com desconfiança. O mesmo olhar que técnicos de futebol – e comentaristas de todo o Brasil – tiveram quando o ex-jogador Dunga foi convocado para assumir o cobiçadíssimo cargo de técnico da nossa seleção. As críticas, no caso, centraram-se na falta de experiência do neófito marrento e na falta de critério da entidade responsável pelo futebol brasileiro, a CBF. No caso de Lula, que acaba de entrar para a galeria de megapalestrantes, as críticas são mais moderadas – embora não deixem de ser mordazes quando se referem à capacidade linguística do nosso ex-presidente. Lula e Dunga, é certo, não têm nada em comum. O que afasta Dunga da empatia espontânea é justamente o que atrai Lula para os braços do povo. Ambos, porém, foram escolhidos pela força de sua imagem. Na seleção, Dunga foi convocado para dar um choque de realidade nos embalados craques brasileiros, depois do fiasco da seleção na Copa de 2006. No caso do palestrante Lula, a vocação, de última hora, buscava reproduzir em audiências corporativas e políticas o mesmo efeito que a figura do presidente gerava na maioria da população. Assim como são diferentes os perfis, os resultados de um e de outro diferem como a água do vinho – quer dizer, os de Dunga viraram vinagre. Os de Lula encantam muito mais por sua personalíssima presença e carisma que por sua mensagem real.

A pergunta é: qual a eficácia desse tipo de palestra? A resposta pode ser: “nenhuma” ou “depende do que se está buscando”. É claro que, se a empresa espera acrescentar algum conteúdo técnico com a apresentação de alguém como Lula, o resultado será pífio. Mas se espera causar algum impacto, digamos, de imagem ou de mídia, o resultado pode ser muito positivo.

Na perspectiva corporativa, quando se buscam palestrantes para levar uma mensagem de ânimo, garra e motivação aos colaboradores, dentro de um programa de mudanças, por exemplo, uma palestra proferida por alguém nas mesmas condições de Lula pode ser algo equivocado. Esse tipo de palestra, para a qual se chamam estrelas para falar, tem valor específico para quem quer impressionar o mercado, seus acionistas ou ainda homenagear o próprio palestrante. No mundo dos mortais – em que também há estrelas, diga-se – os palestrantes têm uma missão mais árdua: com encanto, devem ser eficazes; têm de abrir mão do discurso personalístico, ou, antes, dirigi-lo para as conveniências do momento, isto é, a realidade da empresa, com mensagens que causem impacto naquele ambiente, motivando as pessoas a atingir os resultados que delas se esperam. Isso, evidentemente, só funciona quando há sintonia entre a expectativa da empresa e a disposição do palestrante.

No mercado brasileiro – assim como no norte-americano e europeu – o recurso palestra tem sido usado com muita eficácia. De maneira geral, as empresas sentem-se satisfeitas com o impacto dessas apresentações. O Grupo Pão de Açúcar – o primeiro no ranking de supermercados no Brasil, segundo pesquisa Nielsen e Abras, março de 2011 – é um exemplo. De acordo com Cristiane Lacerda, gerente de RH do Pão de Açúcar, o uso de palestras motivacionais é bastante positivo para as necessidades da empresa. “Em geral, usamos esse recurso para energizar e concentrar as ações de um grupo de pessoas para determinado tema, por exemplo, nos momentos que antecedem a uma inauguração, uma grande campanha, etc. Mas somente a palestra não garante, por um longo período, esse resultado.” A gerente diz que, apesar de muitas vezes usar palestras como uma medida isolada para a comunicação de um tema específico, geralmente com um especialista no tema, é fundamental complementar a mensagem com programas de capacitação e desenvolvimento, principalmente como forma de sensibilizar os participantes. Para o dia seguinte ao da palestra – etapa fundamental no processo –, Cristiane Lacerda diz que o Pão de Açúcar usa várias estratégias para disseminar a mensagem. “Desde comunicações internas e repasse de textos do palestrante até técnicas para o cascateamento da informação para os níveis de subordinação dos participantes.” Isso explica algo fundamental nos resultados obtidos com palestras: ainda que isolada, enquanto apresentação externa, a palestra tem de estar inserida no contexto de aprendizagem e mudança proposto pela empresa. Como ressaltou a gerente, os resultados advindos desse tipo de apresentação tendem a se diluir se não forem reforçados com ações internas e subsequentes à palestra. O que equivale a dizer que uma palestra, para dar bons resultados, precisa ser planejada, ou, melhor dizendo, o seu momento deve ser pensado dentro de uma grade de ações que convergem para os resultados que se quer obter.

Na visão da gerente de Gestão de Pessoas do Sebrae-SP, Aline Marina de Barros, a principal motivação para a contratação de uma palestra está na possibilidade de o profissional contratado ser capaz de transferir conhecimentos e também uma experiência relevante no assunto a ser abordado. “A presença desse palestrante, considerada sua vivência, deve ser um testemunho vivo daquilo que está sendo proposto pela empresa, isto é, com sua experiência, ele poderá relatar como o processo foi aplicado em outras situações e como funcionou em outras empresas, com bons resultados”, diz Aline. Além disso, acrescenta: “um palestrante externo não está contaminado com as práticas locais e, portanto, pode falar de uma perspectiva independente, com mais credibilidade”.

Assim como Cristiane Lacerda, do Pão de Açúcar, a gerente do Sebrae ressalta a importância de contextualizar a palestra dentro de um planejamento. “É interessante que a palestra faça parte de um programa, de modo que o conhecimento apresentado possa ser colocado em prática. Agora, a palestra, por si só, não consegue mudar uma forma de trabalhar. Por isso é importante pensá-la dentro de um conjunto de ações, para que se possa cristalizar esse conhecimento”, diz Aline. Para tanto, devem ser acionados todos os recursos disponíveis para o reforço e a perpetuação da mensagem, o que implica a elaboração de uma agenda de ações para atingir os objetivos propostos. Nesse caso, destaca a gerente do Sebrae, a liderança da empresa tem de estar atenta e preparada para trabalhar com esse novo olhar, dentro do novo processo de trabalho; precisa, além disso, de formas claras de praticar o novo conhecimento, verificar se as ferramentas disponíveis são adequadas e, evidentemente, preparar as pessoas para aplicá-las. “O envolvimento de todos é fundamental na execução do projeto. O que inclui, além da liderança, a área de endomarketing, que deve manter viva a mensagem nos dias posteriores aos da palestra.”

Uma questão importante para a eficácia das palestras é a adequação do discurso do palestrante ao ambiente da empresa. A eficiência da mensagem, sem dúvida, passa por esse quesito. Isso requer que o palestrante conheça a realidade da empresa sobre e para a qual irá falar. Por exemplo, se a empresa está em expansão ou está demitindo pessoas, essa informação é fundamental para a adequação do discurso. Da mesma forma, o momento econômico da companhia, se é ou não favorável, deve ser informado ao palestrante. Todas essas questões subjazem o discurso. Por isso é importante que o palestrante as conheça, pois, do contrário, o risco de um resultado desfavorável, como a falta de credibilidade do discurso, é razoável.



Empresas e palestrantes, no intuito de tornar eficaz o recurso palestra, devem também considerar que, hoje em dia, apresentações desse tipo não são um fato isolado da comunicação da empresa – como ocorria no passado, quando, depois da palestra, o profissional se despedia e tudo voltava ao mesmo lugar. É preciso pensar na questão da interatividade, e não só como forma de dar dinâmica à palestra, mas como um canal real de esclarecimentos e aprofundamento do tema apresentado. Da tradicional sessão de perguntas e respostas, momento em que o palestrante abre espaço na própria apresentação para uma comunicação direta com o público, deve-se pensar na criação de um canal aberto, extrapalestra, como fazem hoje os programas de televisão depois de uma reportagem, quando oferecem ao público a possibilidade de um “chat” com as fontes entrevistadas. Essa prática aumenta, de maneira significativa, a eficácia da palestra e da mensagem, pois permite ao público – de maneira individual, inclusive – aproximar-se pontualmente das questões levantadas na apresentação. Na medida em que a empresa tem interesse direto na fixação da mensagem, é interessante programar esse espaço em conjunto com o palestrante, oferecendo a oportunidade virtual – pela internet, por exemplo – de complementar a mensagem. O palestrante, além disso, pode também oferecer esse canal, o que certamente trará maior credibilidade a seu discurso.



Apesar de todo o aparato de canais, informações e conhecimentos que devem estar disponíveis para assegurar a eficácia de uma apresentação, é importante que se diga que esse formato não se enquadra numa fórmula rígida, precisa e muito menos mágica. Talvez pela quantidade de variáveis envolvidas, os resultados costumam ser próximos dos esperados, às vezes superando expectativas, às vezes ficando aquém do desejado. No entanto, não há como negar que o principal fator para um bom resultado numa palestra é a qualidade do palestrante. Afinal, trata-se de um profissional especializado em apresentações. É ele que, em última análise, irá fazer a diferença. Portanto, o impacto do seu discurso é decisivo para o sucesso, inclusive, de outras ações. O discurso, porém, deve ser adequado, equilibrado, inspirador e focado. Um importante palestrante americano, George Kinder – colega de classe do ex-vice-presidente americano Al Gore (gestão Bill Clinton), em Harvard –, especialista em finanças, tem uma abordagem exemplar sobre como impactar, provocar e produzir reflexão em sua audiência. Dentro de uma abordagem holística, ele começa sua apresentação levando a audiência a refletir sobre três cenários:


1. Imagine que você não tem mais problemas financeiros. O que fará no resto de sua vida?

2. Você vai ao médico. E ele lhe diz que você tem dez anos de vida. O que vai fazer com seu dinheiro?

3. Você, agora, tem apenas um dia de vida. As perguntas que você faz são: O que eu perdi? O que não consegui fazer? O que não consegui ser?



É um bom começo, não? Nesses três cenários, orientados para o tema finanças, George Klinder prende a atenção da audiência no foco em que fará sua abordagem. A partir daí, ele conta sua história, orientando o raciocínio do público. Mas note o seguinte: essa não é uma história qualquer, mas uma narrativa que parte de um ponto de tensão gerado na audiência. E qual é essa tensão? O conflito, isto é, a problematização do cenário. Uma apresentação eficaz faz exatamente isso, evidencia um conflito que deverá ser desconstruído para que se encontre a solução. As apresentações de Steve Jobs, da Apple, o maior garoto-propaganda da indústria da informática, invariavelmente têm essa estrutura: 1) identificação de um problema; 2) consequências desse problema; e 3) solução. Em outras palavras, temos: 1) o cenário atual (problemático); 2) a percepção da evidência: desmotivação, desperdício, prejuízo; e 3) a necessidade de mudança: o que então deverá ser feito para solucionar o problema apresentado. Esquematicamente, essa é a ideia de uma apresentação eficaz. A questão por trás do que deverá ser feito é: como fazê-lo? E aqui o palestrante, ancorado evidentemente nas possibilidades já apresentadas pela empresa, irá mostrar, com suas histórias, os caminhos de superação, os meios de romper barreiras, o valor da inovação, o melhor jeito de atingir as metas almejadas pela empresa. Como dizem, é simples, o que não significa que seja fácil. Exige criatividade, sintonia e, além da experiência, uma boa história para ser contada.

Esse modelo esquemático se diferencia radicalmente das apresentações feitas por palestrantes como o ex-presidente Lula. E como aqui não há nenhuma intenção de prejulgar a qualidade de tais apresentações, diga-se logo que esse mesmo modelo (eficaz) se diferencia de todas as palestras feitas com o intuito de apresentar, por exemplo, um balanço econômico ou um esboço acadêmico, quando o que se quer não é mudar o comportamento do público, mas apenas informá-lo de uma nova ideia, de uma trajetória política ou econômica ou mesmo dos fundamentos de uma escola de pensamento. Nesses casos, a figura do palestrante é quase tão importante quanto o assunto a ser tratado – e este é o caso do ex-presidente Lula, que vem se tornando, por assim dizer, o maior especialista sobre si mesmo.

Completamente diferente é a situação de um palestrante contratado para, por exemplo, ajudar uma empresa a implementar um projeto de mudança. O que distingue esse profissional de Lula é que ele, o palestrante, é contratado pelo que poderá fazer, de modo eficaz, em sua palestra; Lula é chamado pelo que fez em sua história. É mais ou menos a diferença que existe entre forma e conteúdo. Ou entre mensagem e propaganda.

http://palestrantesa.com/a_eficacia_das_palestras.html

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