sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Gestão por Competências na prática

Gestão por Competências na prática

Por que a Gestão por Competências é tão importante nos dias de hoje? Quais as mudanças por ela trazidas na relação empresa x funcionário e como podemos visualizar sua aplicação de maneira prática nas organizações? Esse é o foco de nossa entrevista com José Moacir Jorge, consultor empresarial especialista em Gestão de Pessoas.


Data: 03/03/2010   |   Entrevistado: José Moacir Jorge


LG: Em linhas gerais, como podemos entender o contexto atual da gestão de recursos humanos? Como a gestão de competências está inserida nesse contexto e como ela se diferencia dos modelos de gestão praticados anteriormente? 

Moacir: Bom, no passado vivíamos uma gestão fiscalizadora. Existia uma área que cuidava do empregado, mas que estava mais voltada a atender à legislação trabalhista. O foco era controlar o ponto, a disciplina, ou seja, havia mais preocupação com os deveres do que com os direitos. Mais ou menos na década de 70, começa o que nós chamamos de gestão de recursos humanos, que ainda predomina em grande parte das empresas. Nesse período, surge a implantação do plano de cargos e salários, a avaliação de desempenho, com predomínio de uma gestão mais tecnicista, mas ainda com uma visão de controle, ou seja: “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Nessa época, as pessoas tinham valores muito coerentes com esse tipo de gestão e as coisas funcionavam. Hoje em dia, as pessoas são diferentes e os profissionais estão muito mais informados de seus direitos. Então, as pessoas não chegam mais na organização na expectativa de obedecer ordens. Elas querem se desenvolver, ser respeitadas, ter possibilidades de realizar seus objetivos e sonhos. Com isso, a relação com a empresa muda. Já não é mais de controle. Na realidade, hoje nós temos a empresa buscando uma gestão compartilhada, onde as pessoas são comprometidas com os objetivos da organização. Já não funciona mais ter o chefe mandando e o outro obedecendo. É necessário que exista uma equipe e que os chefes sejam transformados em lideres, fazendo com que seus liderados sejam mais eficazes no cumprimento dos objetivos. As empresas hoje necessitam que as pessoas tenham seus objetivos pessoais inseridos nos objetivos da organização. Quando há uma dicotomia entre esses dois objetivos, as pessoas vão dar preferência a atingir os seus objetivos pessoais, e não os da empresa. Então, o panorama mudou. Não mais requer uma gestão de recursos humanos, mas sim uma gestão do talento das pessoas, olhando suas competências, criando condições pra que elas sejam mais eficazes, comprometidas, dando resposta a suas expectativas, pra que a empresa consiga atingir seus objetivos.

LG: Como podemos definir competência?

 Moacir: Eu vejo da seguinte forma: as competências são formadas por habilidades. Existem dois tipos de habilidade: a habilidade de “fazer” e a habilidade de “ser”. A habilidade de fazer consiste em realizar coisas que são passíveis de serem treinadas. Por exemplo, eu tenho como atribuição elaborar o relatório estatístico de recursos humanos. Então, para elaborar o relatório, eu posso ser treinado em como calcular os índices, operar um sistema que faça esse relatório etc. Há, por outro lado, as habilidades comportamentais, do ser, que não são passiveis de treinamento, mas são passiveis de desenvolvimento. Por exemplo, chefiar uma equipe, é uma habilidade de “fazer”, eu posso aprender a chefiar uma equipe. Só que eu não vou ser um bom chefe de equipe se eu não tiver a competência da liderança. E liderança não é algo que possa ser ensinado, mas sim desenvolvido, pois envolve uma série de requisitos que implicam em mudanças comportamentais. Alguém terá competência para desempenhar um trabalho se souber “fazer” e se tiver as habilidades comportamentais que vão arredondar a parte do fazer. É isso que o recrutamento e seleção deve identificar nas pessoas, se preocupando com a descrição do cargo, suas tarefas, mas também com as habilidades comportamentais que irão determinar o bom desempenho naquela função.  

LG: Qual a diferença entre ter competência e ser competente?

Moacir: Há uma confusão muito grande entre esses dois termos. Nos cursos e na literatura, nós encontramos que ser competente está totalmente ligado ao CHA - conhecimento, habilidade e atitude. Ou seja, não basta ter apenas o conhecimento e as habilidades. Frequentemente encontramos profissionais que têm a competência para desempenhar seus papéis, mas não trazem resultados porque não têm atitude. É todo o composto do CHA que torna o profissional competente. Isso é medido no recrutamento e seleção, na avaliação de desempenho, na avaliação de performance etc., que estão dentro da gestão por competência.

LG: O que mudou na forma de fazer recrutamento e seleção do passado para a forma presente na gestão por competências?

Moacir: Antigamente, aplicava-se uma serie de testes pra saber se a pessoa tinha o conhecimento necessário para a função. E os testes psicológicos pretendiam identificar o perfil daquele individuo que iria fazer o trabalho. Isso não é suficiente dentro da gestão por competências. Se estou contratando um gerente, por exemplo, e essa pessoa já atuou como gerente antes, presumo que ela tenha as habilidades necessárias para o desempenho dessa função, certo? Mas e quanto às habilidades comportamentais?  A gestão por competências envolve os dois tipos de habilidades, ou seja, tanto o “saber fazer”, quanto o “ser”, como já explicamos anteriormente. Com isso, hoje é muito comum incluir no recrutamento e seleção o acompanhamento de dinâmicas, observando o comportamento das pessoas diante das situações colocadas. “Esse candidato está reagindo dentro dos quesitos que procuramos?” – essa passa a ser uma análise determinante no processo. 

LG: E como funciona a remuneração dentro da gestão por competências?

Moacir: Quando falamos de gestão da remuneração por competência, falamos no crescimento salarial acompanhando o desenvolvimento da pessoa. Por exemplo, se eu pago R$ 5.000 por um analista “top” da área de sistemas e eu contrato um profissional iniciante por R$ 2.000, como vou administrar o crescimento salarial desse profissional até atingir o último nível? Normalmente, isso acontece pelo mérito. Ou seja, você tem uma tabela salarial com diferentes níveis salariais. Todo ano, o individuo sobe um nível salarial com base na avaliação que o chefe faz do seu desempenho. Essa é a forma que tradicionalmente tem sido feita nas empresas. Na gestão por competências, não é mais este sistema. Passa a ser um sistema comandado pelo próprio empregado, um sistema empreendedor. Portanto, se dentro da atividade de analista de sistemas há 20 tarefas nas quais ele deverá tornar-se perito, ele será considerado um profissional “pronto” quando conseguir executar essas tarefas com perfeição. Posso definir, por exemplo, que esse nível de perfeição seja alcançado no transcorrer de 5 anos, tendo uma meta de 4 tarefas por ano.  E é o próprio profissional acompanhado e orientado pelo RH, quem define seu processo de desenvolvimento e vai em busca das competências que estão faltando. Se no final do ano for comprovado que ele tornou-se perito nas quatro tarefas previstas, automaticamente ele pula de nível salarial e passa a fazer aquelas tarefas na sua plenitude. Dessa forma, depois de 5 anos ele terá atingido a maturidade do cargo, alcançando o 5º ou 6º nível da tabela e se tornando um profissional completo naquele tipo de atividade. Ou seja, não depende mais do mérito e da avaliação pessoal do gestor para que o profissional cresça na tabela salarial, mas sim de suas competências.
Ser perito é além de possuir os conhecimentos e as competências, ter praticado determinado tempo sob acompanhamento e ter a aceitação pública (da equipe) de que é perito – isto o habilita a ser certificado por um comitê certificador interno.

LG: E quanto à avaliação de desempenho? Ela também influencia no crescimento da remuneração?

Moacir: Aumentar salário em função da avaliação de desempenho, pra mim, é um erro, pois o desempenho das pessoas não é linear. Minha avaliação pode considerar que tive um desempenho diferenciado nos últimos seis meses, mas nada me garante que nos próximos seis meses eu vou repetir esse bom desempenho. Se eu passar por um momento de insegurança, por exemplo, precisando de autoestima, e não receber a atenção do meu coordenador, posso perder meu estímulo de dar bons resultados e isso vai refletir na minha avaliação de desempenho. Então, aumentar salário em função desse comportamento, que é pontual, é complicado. Quando eu vou pra remuneração por competência, não e mais o desempenho, mas sim ter me esforçado pra ter a competência.

LG: Então qual o papel da avaliação de desempenho e como ela deve atuar no reconhecimento do funcionário?

Moacir: Ela serve para acompanhar e medir se o profissional está ou não sendo competente. E se ele está sendo competente, ele deve ser elogiado, premiado, reconhecido publicamente. Então, eu defendo que esse tipo de recompensa pelo bom desempenho deve ser dado na forma de prêmio, não na forma de aumento. Mais um detalhe a respeito do desempenho: como ele é pontual, o premio também deve ser pontual. Então, ao invés de dar um aumento, eu vou dar um percentual do salário anual para que ele compre seu prêmio, que pode ser uma viagem de férias, por exemplo. O fato de ele viajar com a esposa (ou a esposa viajar com o marido) é algo marcante. Ou seja, ele sempre vai lembrar que teve aquela viagem em função do bom desempenho. E, no próximo ano, para alcançar aquele prêmio novamente, vai se esforçar para ter um bom desempenho de novo.

LG: E qual a melhor forma de avaliar o desempenho?

Moacir: O ideal é que o desempenho seja avaliado com notas de 1 a 5, sendo 3 o esperado, 4 e 5 acima do esperado,  2 e 1 abaixo do esperado.  Pensando naquela tarefa de elaborar o relatório estatístico de recursos humanos, nota 3 é quando a pessoa faz o relatório completo e o entrega na data prevista. Ou seja, a pessoa está fazendo aquilo que a empresa espera que ela faça. Agora, o que seria 4, 5? É a pessoa entregar o relatório completo, dentro do prazo e, além disso, apresentar gráficos diferenciados, análises complementares a respeito do comportamento dos números etc. Ou seja, ela faz algo diferente, inesperado. Dependendo da intensidade disso, eu posso achar que é 4 ou 5. E o que seria 2 ou 1? Seria ela não entregar na data, faltando informação etc. Se o resultado da avaliação foi 2 e 1 o que eu posso concluir? Que a pessoa ainda não é perita naquela atividade, ela não esta treinada, precisava de mais supervisão. Ou a pessoa está treinada, já foi considerada perita, mas está faltando atitude, que pode ser decorrente de um aspecto de motivação, uma doença, um problema familiar, ou simplesmente falta de vontade. Ora, alguém que não sabe fazer, você deve treinar. Alguém que está desmotivado, você deve analisar por que ele está desmotivado e procurar motivá-lo.  Mas, se for problema de atitude e essa percepção ocorre em pelo menos duas avaliações, então só resta uma atitude à empresa: transferi-lo para o mercado de trabalho.

LG: Falamos em recrutamento e seleção, remuneração e avaliação de desempenho dentro da gestão por competências. Para fechar o ciclo, qual seria o papel do treinamento nesse novo modelo de gestão?

Moacir: O treinamento entra como complemento de tudo isso. Não é mais aquela área que fica “inventando” curso pro pessoal fazer. Ele é focado exatamente na necessidade que as pessoas possuem, identificadas na avaliação de desempenho, nos processos de certificação ou nas carências apontadas pelo recrutamento e seleção. Às vezes, a empresa não consegue contratar um profissional com todas as qualificações necessárias para o cargo, então o treinamento entra para dar suporte e suprir essas carências. No caso da remuneração, é o treinamento que passa a comandar quando alguém deve ser “aumentado”, a partir dos níveis que este empregado evoluiu nos processos de desenvolvimento e capacitação.

LG: Se uma empresa, que ainda atua com políticas tradicionais de gestão de RH, deseja adotar a gestão por competências, qual o primeiro passo?

Moacir: É prioritário contar com o apoio político da Diretoria, pois a Gestão por Competências exige mudanças na forma de gestão da empresa. Pressupõe um ambiente mais fluído e participativo com a criação de um ambiente favorável ao comprometimento das pessoas com os objetivos da organização. A Gestão de Pessoas por Competência é incompatível com organizações onde predomina o “manda quem pode, obedece quem precisa do emprego”.



Administrador de Empresas graduado pela Universidade Mackenzie, especializado em Recursos Humanos e Master (MBA) em Tecnologia Educacional pela FAAP, José Moacir Jorge atua há mais de 40 anos com gestão de pessoas. Sócio Diretor da Q&R – Treinamento Empresarial e da SALNET Pesquisas e Remuneração, é consultor empresarial, palestrante e também professor de cursos aplicados à gestão de pessoas. É autor do livro Remuneração Estratégica – Como desenvolver atitudes empreendedoras por meio da remuneração – salnet@salnet.com.br / qr@qresultados.com.br.

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