sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Quem é o líder na sua empresa?


Quem é o líder na sua empresa?

por Oscar Motomura
Exame
25/03/98
Um dos mais respeitados treinadores de executivos do Brasil diz que o
verdadeiro líder nem sempre é aquele que está no topo da hierarquia
Você implantou na sua empresa um programa de qualidade ultramoderno e de eficácia comprovada em diversas companhias. Só que a coisa não vai. Por que será? É muito provável que o insucesso da implantação do tal programa na sua empresa se deva à ausência de envolvimento das pessoas - e sem o envolvimento das pessoas, meu filho, desista! Nada acontece mesmo. Se você já viu esse filme, é hora de conhecer Oscar Motomura. Ele é diretor-geral da Amana-Key, de São Paulo, uma empresa fundada há mais de 20 anos cuja especialidade é educar, atualizar e preparar executivos que vão ocupar posições de cúpula nas empresas.

Educar em que sentido? Em tudo que diga respeito a management puro - missão. valores, pessoas - e em nada que tenha a ver com as técnicas mais correntes nas faculdades de administração. Formado em administração pela FGV-SP, Motomura decidiu fazer um mestrado em psicologia social, na USP, depois de chegar à seguinte conclusão: os fatores que definem a eficácia de uma organização e mudam seus resultados estão diretamente ligados aos valores e ao modo de pensar e agir das pessoas que compõem a organização. Ou seja, altos investimentos e treinamentos específicos não garantem o sucesso se as pessoas não possuem a "educação" certa. "Sem o verdadeiro envolvimento das pessoas a empresa pode gastar rios de dinheiro e implantar os programas mais modernos do mercado que nada vai funcionar", diz Motomura.

Na visão dele, a única saída para as empresas numa época em que a rapidez da tecnologia acaba com os conhecimentos específicos é investir nas competências duráveis de seu pessoal. Competências duráveis são, principalmente, atitudes, posturas e tudo que não vai se tornar obsoleto por causa da tecnologia. "A capacidade estratégica e nova de criar coisas inéditas, de ter uma visão sistêmica e abrangente do todo, de fazer acontecer, de introduzir mudanças." Ele vai além: "As empresas são formadas por pessoas e, teoricamente, seus dirigentes sabem disso. Poucos entendem. no entanto, a importância real de trazer para seus quadros pessoas com valores que facilitem o aprendizado coletivo".

Pelo APG, o principal programa de atualização de executivos da Amana passaram 2.900 altos executivos brasileiros e estrangeiros. Nesta entrevista a EXAME, Motomura - um nisei de 55 anos, três filhos e um neto - fala sobre liderança e sobre quanto é importante hoje para as empresas que o executivo tenha visão de futuro.

Exame - Ter visão de futuro, ou seja ser capaz de se antecipar aos fatos e aos acontecimentos do mercado, é uma das qualidades que as empresas mais têmprocurado e valorizado nos seus executivos. Pouco tempo atrás o que mais se pedia a esses mesmos executivos era capacidade de liderança. Será que isso agora está esquecido?
Oscar Motomura - Esquecido não deve estar. As empresas continuam precisando desesperadamente de verdadeiros líderes. Mas uma das qualidades essenciais de um líder para valer é, sem dúvida, sua capacidade, visionária. Se não tiver essa capacidade, ele não tem como dar dar direção a empresa.

Mas porque as empresas agora buscam visão de futuro ao promover ou contratar executivos?
A principal razão, me parece, é que as empresas vêm errando muito. Trazem "pseudolíderes" para postos chave. E só descobrem que erraram depois que a empresa já perdeu muitos bondes e está ficando para trás. Aí chegam à conclusão de que o líder era bom em muita coisas, mas que o 'x" que tinha faltado era visão de futuro... Daí a atual ênfase.

Quer dizer que as empresas vão ficando para trás por falta de líderes de verdade? Isso não é muito simplista?
Parece, mas não é. Constatar que a empresa está indo para trás é até fácil. Difícil é descobrir por que isso está acontecendo. Mais difícil ainda é descobrir como solucionar problema. Vou fazer um breve comentário sobre cada um desses tópicos. Constatar que a empresa está indo para trás e se tornando uma retardatária é mais fácil. Não quero dizer que seja fácil. Mas é mais fácil porque há mais sinais externos que mostram isso: a perda de posição, declínio dos resultados, inovações que são lançadas pelos concorrentes etc. Mesmo assim, há empresas que se enganam, recusando-se a ver o que é óbvio para o mercado. os clientes etc. Isso está no campo psicológico, e não no plano de competências. Descobrir por que a empresa está perdendo terreno é outro departamento. Se a empresa não tiver visão de futuro, onde ela vai achar a competência para ver as causas do atraso em que ficou armadilhada? Para poder descobrir a causa, a empresa deverá evoluir em seus referenciais e em suas competências. Ou então ela terá que trazer ajuda, seja com a contratação de "líderes visionários", seja por meio de consultores. Mas, mais uma vez. como escolher bem se faltam visão e competências...? Uma armadilha complexa, não é verdade? Descobrir a causa é ainda diferente de criar soluções que aliem qualidade à velocidade. Não é fácil. Nesta área vejo dois problemas muito freqüentes nas empresas. Um se refere a qualidade. Muitas "soluções" não funcionam porque, embora bem pensadas, não são sistêmicas. Não atacam o todo. São parciais e "mecânicas". É a "solução" da cirurgia do tumor sem mudanças no modo de vida, na alimentação, nas posturas, nos valores etc. O outro problema é a lentidão do processo. A solução é até boa, mas não se embutiu velocidade, não se embutiram atalhos criativos para fazer os resultados aparecerem a tempo.

Qual a conclusão de tudo issso? 
A prioridade absoluta hoje é evolução e atualização de referenciais. É revolução em educação. O que mais temos recomendado aos executivos de cúpula são investimento pesado em autodesenvolvimento ampliação da visão de mundo e polimento das competências duráveis, inclusive a capacidade de fazer acontecer. Sem isso, o executivo não consegue sequer ver que e próprio e a empresa estão indo para trás. Além do mais fica óbvio que não vai conseguir ver as reais causas do próprio retrocesso nem criar as soluções adequadas.

De que adianta uma pessoa ser líder se ela não toma as decisões certas sobre os liderados? Não seria mais importante colocar ênfase na competência e na eficácia do executivo que nas suas virtudes psicológicas?
Ser líder não é ter traços psicológicos segundo padrões geralmente aceitos por experts do campo. Esses padrões serão sempre pasteurizados. São um tipo de rotulagem e preconceito. Há pessoas que têm as atitudes e posturas positivas a ponto de inspirar certos tipos de seguidores, mas não têm as competências necessárias para fazer a empresa evoluir na direção certa. E há o inverso: muita competência. mas falta de algo de essência capaz de mobilizar as pessoas na direção dos objetivos comuns. Esse é o caso de supertécnicos, que podem ser capazes de manter uma empresa funcionando ou de introduzir receitas prontas, porém não de liderar. Liderar é muito mais que manter algo funcionando. Para liderar, é fundamental incluir nesse conjunto outras dimensões altamente sutis como as intenções do executivo (ele luta em prol da glória pessoal ou daquilo que é o melhor para a empresa?) e sua filosofia de vida e seus valores (qual o propósito último de nossa empresa? O que justifica nossa existência? E a ética do processo de chegar aos objetivos?). Em resumo, o conjunto é altamente complexo e é um todo integrado. Além disso, está em contínua evolução como qualquer área de conhecimento humano. A cada dia estamos descobrindo coisas novas sobre liderança. Só para finalizar a resposta, que líder é esse que não consegue decidir o que só ele pode decidir (exemplo das decisões sobre as pessoas que lidera)? Estar 
numa posição de liderança não faz da pessoa um líder...

Há muitos especialistas e consultores que dizem que só é líder quem consegue tomar decisões difíceis - ou seja, decisões que têm um custo, que são pouco populares, que não são facilmente compreendidas por todos. O senhor concorda? 
Não concordo. Essa premissa é "velho paradigma", muito mecânica e calcada ainda em poder hierárquico. O verdadeiro líder que se vê como parte do "organismo vivo da empresa" (e não como "operador" de uma máquina) sempre se verá como alguém que, no máximo, será um catalisador ativo do processo de mudança (decisões difíceis) e procurará envolver todos visando, primeiro, fazer com que o processo seja participativo para a geração de comprometimento autêntico e, segundo, fazer todos evoluírem no processo. Se só o líder é capaz de tomar decisões difíceis, que raio de equipe ele está dirigindo? Como chegar a resultados excepcionais e como desenvolver a empresa do futuro se a equipe é um mero amontoado de pessoas que só conseguem decidir o que é baixo risco e o que é fácil? O verdadeiro líder é aquele que faz com que todos na empresa sejam líderes no que fazem. Em última instância, ele cria um conjunto que anda e evolui cada vez mais autonomamente, de forma biológica - portanto com muita vida em contraposição a um processo frio, mecânico, sem entusiasmo e sem vida.


Muitas empresas são capazes de descobrir o que há de errado com elas. Mas são poucas as que estão realmente dispostas a corrigir o que está errado. E aí que entra o líder?
Costumo dizer que muitas empresas estão virando um agrupamento de pessoas que vivem fazendo "diagnósticos", por relatórios e nos corredores. Todo mundo sabe o que está errado. Mas poucos partem para a solução... O verdadeiro líder não é o que entra para criar a solução e para fazê-la acomodar. O verdadeiro líder é o que faz a empresa sair do nível de diagnóstico e ir até o fim, até a erradicação do problema. No momento em que, na empresa, alguém estiver criticando, se queixando, apontando problemas e formulando diagnósticos ("o problema nessa empresa é que...") e outro funcionário (o ouvinte) cobrar do interlocutor uma postura de solução proativa ("... e o que você pretende fazer a respeito para ajudar a eliminar esse problema..."), podemos dizer que o líder da empresa e dessa área são verdadeiros líderes.

O líder é geralmente descrito como uma pessoa de alta competência funcional, grande conhecimento do negócio, carismática, criativa, exímia no relacionamento com as pessoas capaz de transmitir entusiasmo, cheia de inspiração etc. Isso é o retrato de um super-homem, é difícil alguém conseguir reunir tudo isso. Daria para o senhor citar duas ou três ou ao menos uma característica que realmente seja importante num líder?
Na verdade o líder é uma superpessoa. Não dá para fugir disso. É por isso que são poucos e está todo mundo procurando ... ! Os estudos sobre liderança apontam um conjunto enorme de traços, qualidades e competências que o verdadeiro líder tem. Vários estudos se complementam e são válidos para certos contextos e culturas. Não há um padrão único.

Por quê?
Porque muitos desses estudos só focam o que é aparentemente objetivo, externo, manifesto, mais concreto e definível por meio de palavras, conceitos e teorias. Na minha opinião, a essência da liderança não está nos aspectos definíveis, explicitáveis objetivamente. A essência da liderança está num plano sutil, invisível, difícil até de expressar em palavras. Como se diz no taoísmo: "O Tao que é possível descrever não é o verdadeiro Tao". Na verdade, buscamos com o nosso racional e o intelecto a essência da liderança. Isso não é possível. A essência da liderança só é possível praticar. Só é possível sentir. Só é possível intuir. Só é possível desenvolver em nossa propria essência. Do ponto de vista prático, eu diria que é fundamental levar em conta o grau de evolução enquanto ser humano, a visão integrada da vida, muito além da tradicional "visão de mundo" e o idealismo que impele a pessoa de buscar foco em tudo que faz na direção do bem comum. E o que está subjacente a tudo isso é a busca de autodesenvolvimento. O Verdadeiro líder está em busca contínua de evolução. No momento em que ele parar de aprender, estará regredindo e perdendo força.

Nestes últimos anos, as empresas fizeram centenas de estudos, palestras e pesquisas sobre as mais diferentes coisas. Mas pelo jeito nem assim conseguiram encontrar um sistema prático e eficiente de identificar líderes. Por quê?
Não há e nunca haverá, na minha opinião, sistemas práticos de identificação de líderes. Líderes emergem. O importante é estarmos sensíveis para detectá-los à medida que emergem. Meu maior alerta às empresas nesse sentido é quanto ao cuidado que se deve dar à questão de quem está capacitado a detectar líderes. O problema não é o sistema. mas sim a armadilha em que a empresa pode ter se colocado. Verdadeiros líderes criam condições para verdadeiros líderes emergirem. "Pseudolíderes" detectam e criam falsos líderes, além de, obviamente, forçarem verdadeiros líderes a deixar a empresa...

As pessoas que não são líderes estão condenadas ao purgatório perpétuo? 
Ás pessoas que não têm vocação para ser líderes devem buscar ser excelentes em outra coisa. Devem descobrir sua verdadeira vocação e se dedicar a ela. Nessa questão de liderança, a impressão que tenho é que todo mundo sonha em ser o "Ronaldinho da liderança" e toda empresa busca contratar vários "Ronaldinhos". Há muitos jogadores excelentes. São profissionais. Jogam nos melhores times. Até chegam à seleção. Realisticamente. é o que temos no mundo empresarial ao se tratar de líderes. Há excelentes líderes nas empresas e gente com potencial emergindo. Mas também há os que não vão chegar lá. Não têm a mínima chance... A vocação não é essa. Não serão líderes eficazes. Muito menos excepcionais. A única diferença é que no esporte a performance é visível, há milhões de pessoas vendo o processo e os resultados. Na empresa nem sempre é assim. Alguém que fale bem e jogue mal às vezes engana e sobrevive por algum tempo (às vezes muito tempo) em postos de liderança... Já deu para vocês perceberem que não é fácil gerenciar tudo isso. Daí o grande número de problemas que vemos não só no mundo empresarial como na sociedade e no governo. As coisas obviamente se agravam e ficam impossíveis de ser resolvidas nas situações em que a cúpula é composta de líderes que não têm vocação para o posto. Líderes que não só estão longe de ser Ronaldinhos como talvez tivessem dificuldade até de ser contratados como profissionais.

Para ser líder é preciso estar no topo da hierarquia? Fale um pouco sobre a liderança nos diferentes níveis hierárquicos. 
Topo da hierarquia significa posição de liderança. A realidade mostra que há pessoas que estão no topo, mas não são líderes. O que significa que o posto está vago. O líder verdadeiro, quando chega ao topo, alia seu talento ao poder que o cargo confere. Aí o resultado é explosivo - principalmente se ele estiver superatualizado e se estiver em estágios avançados de evolução pessoal, em sua postura perante a vida e em seus valores. Esse mesmo tipo de raciocínio é válido para outros postos, na hierarquia, que exigem liderança: cabeça de unidades de negócio, gerentes de filial etc. Mas o verdadeiro líder nem precisa estar em posto de poder para fazer diferença. Até o problema de não ter poder formal é superado por sua força. É assim que ele vai emergindo.

Oscar Motomura
Amana-key
Sócio, Diretor Geral da Amana-key. Facilitador principal do APG/MBA Executivo. Administrador de empresas (FGV) e pós-graduado (mestrado) em psicologia social (USP). Foi executivo de alta administração de empresa multinacional e subseqüentemente consultor em management e professor da FGV. Tem diversos cursos de especialização nos EUA, inclusive em Harvard.


http://www.jsmnet.com/clippings/Lideranca.htm

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