quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Os rumos para treinamento



Especialistas apontam estratégias e avaliam a realidade da área
Foco na estratégia de negócios. Atualização constante e educação continuada. Estes e outros termos estão em evidência na política de treinamento e desenvolvimento das empresas. Mas alguns especialistas notam que, apesar da propagação desses conceitos, as muitas organizações ainda pautam suas ações de treinamento em questões pontuais e não fazem intervenções em longo prazo.
Para o vice-presidente do Instituto MVC, Luiz Augusto Costacurta Junqueira, “o treinamento está mais para o fast food que para o banquete”. Ele embasa sua metáfora nas consultas feitas por empresas em busca de intervenções sistemáticas, solicitações de cursos muitas vezes para atender uma programação anual em que um curso não tem nada a ver com o outro, outras vezes voltadas para necessidades individuais. “As necessidades organizacionais, às vezes, são colocadas em segundo plano, em benefício de necessidades pessoais e até familiares, o que faz com que o treinamento seja visto como commodity, descartável, que a gente encontra facilmente”, critica.
As empresas, de uma maneira geral, têm uma dificuldade muito grande em perceber a educação continuada como uma ação estratégica. Por isso, a maioria dos treinamentos visa atender somente uma necessidade imediata. “Neste contexto de competitividade e imediatismo, as empresas esquecem que a vantagem competitiva vem das pessoas e que, se eu não pensar no longo prazo, provavelmente o curto prazo vai me matar”, adverte Jorge Flavio Ferreira, gerente de departamento de qualidade e desenvolvimento da Sabesp.
Neste contexto, a área de treinamento deverá cada vez mais assumir uma posição estratégica. “As pessoas irão buscar o seu autodesenvolvimento, o treinamento das empresas vai ajudar a adquirir esse autoconhecimento dando mecanismos, ferramentas e possibilidades, e não simplesmente montar conteúdos programáticos”, acredita Walter Sigollo, superintendente de recursos humanos e qualidade da estatal.
O gerente de desenvolvimento social e educação da Rhodia, José Emidio Teixeira, acredita que parte dessa indefinição das reais necessidades de treinamento está no fato de haver um hiato entre profissionais muito experientes e profissionais que estão iniciando carreira na área. “É evidente que muitas empresas têm profissionais muito jovens, com pouca experiência, atuando na área de treinamento e desenvolvimento”, constata. “É claro que ser jovem implica em algumas coisas, mas acredito que se eles são mais ousados por outro lado falta background, experiência mesmo, para tomar decisões mais fortes”, analisa.
Soluções alternativas
Modismos, novas técnicas, sempre inovadoras, radicais e alternativas surgem freqüentemente na área de treinamento, mas fica a dúvida se estas técnicas realmente trazem resultados a organização. “Toda e qualquer atividade de treinamento pode ter resultados ótimos ou péssimos e isso vai depender muito de dois fatores: do objetivo pré-estabelecido e do foco que se dirige durante o treinamento”, explica Vanderlei Cozzo, presidente da Associação Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento, ABTD. “Se você tiver essa questão muito bem definida, o tipo de treinamento, convencional ou alternativo, presencial ou à distância, é só uma questão de metodologia”, esclarece. “Agora, usar estes métodos alternativos só porque é moda ou porque o pessoal se diverte, então é melhor você levar no parquinho e soltar na montanha russa”, ironiza.
Para Costacurta, algumas técnicas alternativas de treinamento como jogos de empresas, incursões ao ar livre, entre outras, não devem ser classificadas como modismos. “O grande problema das tecnologias, como qualquer outra, é a questão do conteúdo, por exemplo, vai chegar um momento que o camarada subiu numa árvore, se divertiu, e vai ser necessário que ele faça um briefing do treinamento, que é a ponte entre a experiência pessoal e a realidade organizacional, e 50% das vezes não tem conteúdo”, avalia.
Teixeira concorda com Costacurta e acredita que esse tipo de técnica é válido desde que se use também o bom senso. “É preciso ter alguns cuidados para não expor um treinando a situações de ridículo ou impróprias, como fazer um sexagenário ficar subindo em árvores desnecessariamente”, exemplifica.
Para o diretor de recursos humanos da Nestlé, Carlos Faccina, os treinamentos experienciais são meios para trocas de experiências e obter interação, mas nunca no sentido de ser a solução dos problemas. “Em toda o processo de formação há um momento em que você se liberta das amarras e coloca suas emoções, vontades, mas este tipo de treinamento deve ser usado como meio auxiliar”, recomenda. “Quando se radicaliza o conceito geralmente acaba gerando frustrações, tanto do treinando quanto da empresa”, constata.
Mesmo com algumas ressalvas feitas por especialistas, a utilização de práticas esportivas como ferramenta para treinamento tem sido cada vez mais difundidas e vários esportistas estão explorando esse filão. Em 1998, os pilotos brasileiros do Rali Paris-Dakar, André Azevedo e Klever Kolberg criaram o Seminário Rally, em que os participantes aprendem disputando um rali de regularidade e colocando em prática os conceitos de planejamento estratégico, trabalho em equipe, administração de riscos e decisões em conjunto, ou seja, desafios que qualquer pessoa enfrenta no dia-a-dia de uma empresa.
Mas ainda têm-se dúvidas se essa técnicas trazem resultados efetivos para as empresas. “É claro que numa palestra de 60 minutos, mais ou menos, não se pode esperar ganhos enormes”, revela Kolberg. “Porém, é muito raro uma empresa nos contratar do nada, porque nossas atividades devem fazer parte de um plano de treinamento, o seminário sozinho não vai fazer milagres”, revela.
Essas atividades têm o objetivo de resgatar conceitos e motivar os colaboradores e não, por si só, promover mudanças organizacionais. “Quando apresentamos nosso trabalho, não estamos levando nenhuma novidade, estamos apenas trabalhando com a prática”, explica Kolberg.
O piloto explica que os seminários surgiram como uma forma de dar continuidade às palestras. “Adaptamos nosso know how ao mundo corporativo, de uma prova de 10 horas, adaptamos para duas, afinal nosso objetivo não era medir o grau de resistência das pessoas”, resume. “Só que surgiu a necessidade de fazer um follow up, porque não dava para estar em cada carro, apontar os erros e chamar a atenção para alguns pontos”, revela. Para sanar essa necessidade, o seminário conta com a participação de um consultor, que pode ser indicado pela empresa, para encerrar o evento e chamar a atenção para os pontos importantes, a intenção é que os participantes aprendam com seus erros e acertos. “Depois tudo termina em comemoração, já que as empresas esqueceram o quanto é importante comemorar”, ressalta.
Educação corporativa
Uma das vedetes das políticas de treinamento atualmente é a universidade corporativa. Segundo Costacurta, do Instituto MVC, a universidade corporativa, no fundo, é um instrumento de lubrificação da cadeia de valor da empresa, o que significa que ela idealmente, deve abranger o cliente interno, o cliente externo, o fornecedor, a comunidade, a família do funcionário, o acionista, enfim, é um alargamento dos horizontes educacionais da empresa.
Apesar de não ter uma universidade corporativa formalmente instituída, a Rhodia trabalha com o conceito há quase 20 anos. Segundo José Emidio Teixeira, gerente de desenvolvimento social e educação, no início da década de 80, a multinacional montou um programa de desenvolvimento de chefes, gerentes e supervisores muito semelhante ao conceito de universidade corporativa que existe no mercado.
Teixeira afirma que a Rhodia tem uma tradição em formar profissionais e acredita ser uma decorrência o fato desses profissionais, posteriormente, deixarem a empresa. “Não é possível pensar em formar profissionais para a própria empresa, principalmente num mercado com a característica que nós temos, em que as pessoas migram”, constata. “A Rhodia não vai trocar a filosofia de formadora para uma filosofia de compradora de profissionais prontos; é claro que ocasionalmente podemos contratar alguns profissionais que já estejam prontos antes de virem para a empresa”, define.
O diretor de RH da Nestlé, Carlos Faccina, vê a universidade corporativa como uma fonte de várias vantagens para a empresa. Ele acredita que pelo fato das organizações trabalharem com recursos escassos, ou seja, menos gente e mais necessidade de trabalho gerada pelo processo de produtividade, é necessário ter pessoas mais focadas nos resultados do negócio e desenvolver programas que possam trazer benefícios ao negócio e às pessoas, como retribuição, em termos de progresso profissional.
Ele acredita em um modelo de universidade corporativa terceirizada, em parceria com as universidades tradicionais. “Eu posso montar meu curso e usar as estruturas administrativas e logística do meu parceiro, diminuindo minha estrutura de treinamento, mas trabalhando qualitativamente, de forma pensante, crítica, analítica e proponente de programas”, analisa.
Para Faccina, a universidade corporativa abre a empresa para o mundo, porque ela pode permitir uma interação entre empresas não concorrentes que podem fazer um pool e ter uma formação a custos muito mais baratos e com resultados melhores. “Dessa forma, é possível montar um senhor programa de formação em qualquer área, utilizando os melhores professores das melhores Universidades, pelo melhor resultado e focada para business”, acredita.
Contudo, a universidade corporativa é um conceito que precisa ser analisado com muito cuidado para evitar que seja utilizada mais como um modismo, servindo mais como uma ferramenta de marketing interno e externo. “É muito fácil colocar a plaquinha de universidade corporativa, mas, em muitos casos, o sistema da empresa é tão arcaico e tradicional como o mais antiquado dos T&Ds”, reprova a professora-doutora da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), e especialista em Educação Corporativa, Marisa Éboli.
Ela destaca que muito mais importante que o rótulo, é a mentalidade da empresa em relação ao desenvolvimento das pessoas. É muito comum ver empresas que têm toda a estrutura e sistemática de uma Universidade Corporativa, mas que não anunciam que as têm.
O grande avanço que as universidades corporativas trouxeram para as organizações foi a ampliação do objetivo de formação e educação para toda a cadeia de agregação de valores, ou seja, não se limita ao público interno, mas a todos os sistemas que podem trazer um diferencial competitivo. “Ás vezes uma competência crítica não diz respeito a algo interno, mas a algo que está na cadeia, por isso a universidade corporativa também deve estar preocupada em desenvolver o público externo”, reconhece Marisa.
Para a professora, a responsabilidade de formação deve cada vez mais sair da área de RH para o dia a dia do funcionário, estimulando a auto-aprendizagem e o autodesenvolvimento. “Deve haver coerência entre as ações de treinamento e educação com um ambiente favorável à aprendizagem, com os líderes no papel de educadores, isso é que vai reforçar a mentalidade de aprendizagem”, prega Marisa.
Para quem imagina que educação corporativa está ao alcance apenas das grandes empresas, o conceito também pode ser adaptado com facilidade para as pequenas e microempresas. “Tudo é uma questão de mentalidade, porque o empresário não precisa montar um instituto maravilhoso, basta criar condições favoráveis para desenvolver as pessoas, esse é o grande diferencial”, afirma Marisa.
Resultados
Seja qual for a ação de treinamento, ela deve ser avaliada para que se possa medir seus resultados efetivos. “Se um treinamento não for quantificado nos seus resultados, não é treinamento; pode até ser uma ação de benefícios, dar bem estar ao funcionário, deixá-lo mais motivado, mas não é uma ação de treinamento, porque ela tem outros objetivos, outros focos e outros resultados a atingir”, condena Vanderlei Cozzo, presidente da ABTD. “Quando se faz planejamento de uma ação de treinamento devem estar previstos alguns processos de avaliação, que vai avaliar os resultados obtidos com aquela ação”, completa.
A metodologia é importante porque vai dar o contexto, vai dar as pré-condições para atingir estes objetivos, mas é só um método. O treinamento deve estar estruturado de forma a atingir seus objetivos, que devem estar diretamente relacionados com a estratégia do negócio. Ações pontuais de treinamento são necessárias para resolver problemas imediatos, mas a empresa precisa investir em ações de treinamento em longo prazo. “Os programas de trainees são um exemplo, não é uma ação de treinamento, mas sim uma ação estratégica, preparando o trainee para ser o presidente da empresa”, avalia Cozzo.
Para Teixeira, da Rhodia, ainda não existe um instrumental que permita fazer uma avaliação absolutamente científica com os resultados obtidos no final do treinamento. “Tudo depende dos objetivos do treinamento”, alega. “Se estou treinando uma pessoa para trabalhar em grupo, eu consigo obter dados, mas ao longo do tempo, e para saber se ele está trabalhando efetivamente em grupo, basta saber quais comportamentos eu quero que sejam exibidos por ele”, acredita. Ele cita o exemplo da avaliação anual feita na Rhodia em que são definidas algumas competências que a empresa deseja e é verificado se pessoas exibem esses comportamentos. “A empresa não deve estar preocupada com a avaliação imediata, porque alguns resultados dos programas de treinamento só serão sentidos ao longo do tempo, não alguma coisa que se muda da noite para o dia”, avalia.
Para Faccina, da Nestlé, o treinamento no Brasil carece ainda de um problema bastante grave e que ainda não foi resolvido, a falta foco no treinamento e o retorno do investimento feito. “É efetivamente medir a relação do treinamento com o que a empresa está fazendo em relação ao seu negócio”, sentencia. Ele acredita que uma das áreas mais críticas é o treinamento gerencial. “Ainda temos uma grande dificuldade de organizar os programas atingindo realmente aquilo que a empresa está precisando”, condena.
Na opinião de Costacurta, o segredo da avaliação em treinamento não é fazê-la em quatro ou cinco níveis, mas nos resultados práticos e financeiros para a empresa. “O que falta, no fundo, em treinamento, não é o instrumental para a avaliação, é a vontade de usar esse instrumental e a coragem de usá-la”, argumenta. Ele exemplifica a avaliação de resultados citando, hipoteticamente, um treinamento em negociação. A empresa deseja que a rentabilidade das negociações aumente. No ano anterior, a soma do que foi negociado deu uma rentabilidade média de 6% e a meta para o ano corrente é de 7%. “Essas coisas nem sempre são mensuráveis no curto prazo, mas se a rentabilidade aumentar 1% e isso for definido como uma hipótese, medi-la depois de um ano e descobrir que realmente aumentou 1%, chega-se à conclusão que o treinamento ajudou”, analisa.
A busca das empresas pela certificação das normas ISO e a ISO 9001, em particular, começou a exigir das organizações um programa de treinamento, para que ele não fosse intuitivo, mas uma ação planejada e focada, ou seja, estratégica. No ano passado, uma nova norma foi lançada para atender especificamente a área de treinamento e educação, a ISO 10015. “Esta ISO fala de como fazer um treinamento ou como implantar um processo de educação permanente cujos resultados possam ser avaliados e quantificados objetivamente, justamente para suprir aquela falha da ISO 9000 que era genérica, esta é específica e serve tanto para os processos de treinamento das empresas como para a educação convencional”, explica Vanderlei Cozzo, da ABTD.
Assim como as Universidades Corporativas, as certificações ISO também assumem, em muitas organizações, outras intenções. “Muitas empresas se sujeitam a toda aquela burocracia da certificação ISO somente para veicular a sua marca, a sua propaganda, ou seja, como um instrumento de marketing”, critica. “E nessas empresas, as ações de treinamento passam a ser burocráticas e não estratégicas”, constata Cozzo.

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