sexta-feira, 3 de abril de 2009

As estratégias dos gerentes médios

Recursos Humanos
As estratégias dos gerentes médios

Pesquisa ajuda a entender o que os gestores intermediários brasileiros fazem para sobreviver em ambientes corporativos mutantes.

Os gestores intermediários foram os responsáveis pela formação da classe média brasileira desde o início do processo de industrialização do País. Por isso, a permanente possibilidade de perda do trabalho introduzida pela chamada nova economia representa para esse grupo social uma ameaça particularmente séria. Manter-se no emprego é de suma importância para eles, pois significa garantir a condição econômica e social privilegiada em um país de profundas desigualdades sociais.

Não é de espantar, portanto, que os gestores intermediários, também chamados de middle managers ou gerentes médios, tenham desenvolvido estratégias de sobrevivência específicas no contexto empresarial brasileiro neste século 21. Para estudá-las, realizamos 15 entrevistas em profundidade, seguidas de análise, com gestores intermediários de três grandes empresas instaladas no Brasil:

• Uma multinacional norte-americana de alta tecnologia da informação (presente em mais de cem países, tem cerca de 70 anos de idade, faturamento anual em torno de US$ 90 bilhões e mais de 100 mil funcionários, sendo 2 mil no Brasil, onde opera há 40 anos), na qual foram identificados gestores intermediários que sobreviveram a uma fusão com outra empresa, situados na área de serviços de consultoria e impressão, os carros-chefe da estratégia de diferenciação da companhia no Brasil e no mundo.

• Uma empresa multinacional brasileira da área petroquímica (de origem familiar, com 50 anos de idade e fundadores ainda vivos, já adquiriu estatais, tem cerca de 4 mil pessoas no Brasil e é altamente alavancada com serviços de terceiros), na qual foi identificado o grupo de gestores intermediários responsável pelo planejamento e operação de serviços, controladores das funções de tecnologia da informação e gestão de contratos e parcerias com as empresas terceiras; esse grupo mantém a estrutura que permite que haja governança dos negócios da companhia.

• Uma empresa brasileira de telecomunicações, joint-venture de capital espanhol, português e brasileiro (com oito anos de vida e 4 mil funcionários no Brasil), resultante de várias consolidações e da privatização dessa área no País, na qual foi identificado um grupo de gestores intermediários das
áreas de estratégia, marketing e auditoria, todas muito importantes para os acionistas espanhóis, portugueses e brasileiros, na medida em que ajudam a formular a estratégia corporativa, a implementam e a controlam, coletando e distribuindo as informações de governança para os grupos controladores.
Entre os desafios que enfrentam está o de se livrar de uma cultura estatal que orientava a empresa ao corporativismo e ao imobilismo.

Estratégias descobertas

Dez estratégias puderam ser identificadas pela análise após a realização das entrevistas:

1. Ser percebido pelos pares, funcionários e superiores como detentor do conhecimento do conteúdo técnico para desempenhar o papel gerencial, justificando, portanto, a posição no cargo.

2. Buscar desafios com os superiores, ou seja “roubar” trabalho de pares concorrentes e enriquecer as responsabilidades e a abrangência do cargo, criando o potencial de crescimento.

3. Alinhamento com os superiores, o que significa complementar, potencializar, ampliar o grau de abrangência das responsabilidades do superior e com isso acompanhar a estratégia de trabalho dele.

4. Adaptação às mudanças, significando com isso se fixar nos resultados e não se prender ao status quo vigente (chefias, valores, crenças, organização atual).

5. Criação e fortalecimento da rede de relacionamentos colaborativa com os pares e os funcionários em geral, o que significa realizar esse trabalho por meio dos funcionários, realizar trocas com os pares, criar coalizões com objetivos mútuos com os pares e eventualmente com os superiores.

6. Utilização da posição estratégica ocupada para fortalecer seu relacionamento com o superior, traduzindo-se em criar uma rede dentro da organização orientada a prover ao superior os meios que lhe reforcem essa estratégia.

7. Preparação de sucessores para que se obtenham flexibilidade e rapidez na realização de movimentos de mudança estratégicos dentro da organização.

8. Conhecimento profundo sobre as regras, políticas, valores e crenças estabelecidos e se valer deles para realizar seus movimentos.

9. Identificação das agendas e dos objetivos dos superiores –e dos superiores de seus superiores– para antecipação de movimentos corporativos e para tomar iniciativas antes que os pares o façam.

10. Explicitação dos objetivos de crescer com o superior e de esperar deste o comprometimento e a “facilitação” para tanto.

As cinco primeiras estratégias foram identificadas como as comumente realizadas pela grande maioria dos gestores intermediários entrevistados.

Poderíamos descrevê-las como as estratégias básicas do gestor intermediário para crescimento, manutenção ou sobrevivência na posição. Essas estratégias ficam mais evidentes na empresa de telecom de capital luso-espanholbrasileiro devido a sua baixa estruturação de cargos e à necessidade de maior flexibilidade e adaptação a um mercado muito dinâmico.

Na multinacional petroquímica brasileira, nota-se que a maioria dos gestores intermediários, por seu menor tempo na empresa, ainda está desenvolvendo estratégias para se consolidar na posição. Observou-se que a estratégia número 5 pode ser utilizada quando o gestor intermediário já tem consolidada sua posição e começa a olhar além para futuros movimentos.

As estratégias 6 a 10 são mais sofisticadas, adotadas por gestores intermediários com mais tempo de empresa, utilizando, portanto, a vantagem competitiva do maior conhecimento da estrutura, do relacionamento mais profundo com superiores e de acordos anteriormente estabelecidos. Essas estratégias ficam mais evidentes na empresa multinacional norte-americana por sua forte estruturação de cargos e previsibilidade que dá aos resultados das avaliações de desempenho. (De acordo com as entrevistas, as estratégias 6, 8, 9 e 10, mais sofisticadas, são utilizadas somente quando o gestor intermediário e seu superior se tornam amigos e confidentes –e estão relacionadas ao grande tempo de trabalho na empresa ou à profundidade da amizade entre eles.)

A estratégia número 4, associada à adaptabilidade a mudanças e à independência em relação ao superior, tem a ver diretamente com situações mutantes, em que vínculos fortes entre o gestor intermediário e seu superior são vistos por aquele como uma desvantagem no caso da substituição de seu superior.

Foi observado que as estratégias 1 e 3, relacionadas com o esforço que o gestor intermediário realiza para ser reconhecido pelos outros e pelo superior como competente e no alinhamento com seu superior, são estratégias básicas reconhecidas pelos entrevistados. Em suas palavras: “Você não se mantém vivo sem isso”.

Padrões de comportamento

As dez estratégias de sobrevivência de gestores intermediários descobertas em nosso estudo revelaram padrões de comportamento comuns dos profissionais tanto de uma empresa de origem nacional como de multinacionais de outros países e mostraram adaptações –quase darwinianas– ao momento de negócios, ao nível de maturidade da corporação e às pressões que esta impõe ao profissional.

As respostas que os gestores intermediários deram às pressões ambientais estão ligadas a seu tempo na empresa –e, portanto, à profundidade dos relacionamentos estabelecidos dentro da organização e a sua própria posição dentro da hierarquia corporativa–, bem como a sua rede de relacionamentos
fora da empresa.

O que todas as respostas revelaram de alguma maneira é que todos desejam prosperar e, principalmente, ninguém quer ser rotulado como fracassado, pois a perda de sua reputação representa o maior revés que sua imagem pode sofrer –um revés que o mercado pode perceber como um fim
de carreira. Nas entrevistas ficou patente que os gestores intermediários dão grande peso a como o mercado e seus pares percebem sua competência. Eles acreditam que a perda da reputação representará a imposição penosa de criação de uma nova rede de relacionamentos, de um reinício a partir do “zero”, o que imporia um custo financeiro e psicológico que poucos conseguiriam suportar.

A análise das entrevistas mostrou também que na telecom luso-espanholabrasileira, por possuir estrutura mais descentralizada que as multinacionais norte-americana e brasileira, os gestores intermediários conseguem graus de influência maiores, porque a estratégia da empresa, fundamental para sua sobrevivência, é gerada a partir dos números e ações propostas por eles.

Assim, os gestores da filial brasileira da empresa norte-americana e da matriz da multinacional brasileira são mais submissos do que seus colegas da empresa de telecom em relação à dimensão de controle, ainda que todos guardem espaço para crescimento na carreira.

Outra descoberta interessante é a de que a presença de filhos tem efeito contrário sobre o regime de trabalho de homens e mulheres. Quando têm filhos, os homens tendem a aumentar sua jornada de trabalho; já com as mães ocorre o contrário, elas a reduzem.

Por fim, a análise das entrevistas nos permitiu concluir que:

a) Nas três empresas os gestores intermediários entrevistados sugeriram que aqueles que ocupam gerências consideradas estratégicas são os candidatos naturais para subir na hierarquia corporativa. Para eles é natural buscar essas posições para prosperarem na carreira.

b) Em todas as entrevistas ficou patente o surgimento de redes de relacionamento informais, mas poderosas, que se valem das regras e políticas corporativas estabelecidas para seu benefício mútuo, tanto nos momentos bons como nos ruins.

c) As redes de relacionamento extracompanhia para fortalecimento de posições e troca de favores foram citadas em muitas das entrevistas, apesar de não serem mencionados explicitamente usos de associações profissionais para isso.

Por Maria José Tonelli (professora adjunta e pesquisadora da área de estudos organizacionais
da Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP), além de atual coordenadora da área de comportamento
organizacional da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração de Empresas (Anpad). Graduada em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), ela também tem mestrado e doutorado em psicologia pela mesma instituição) e Marco Antonio Bastoni (pesquisador da FGV-EAESP na área de estudos organizacionais.


HSM Management Update nº 60 - Setembro 2008 - http://br.hsmglobal.com/notas/43828-as-estrategias-dos-gerentes-medios

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