sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Cultura organizacional: um processo de aprendizagem coletiva



Cada empresa conta com características próprias que a diferenciam de qualquer outra, mesmo daquelas que fazem parte do mesmo segmento de atuação do mercado. Mas, o que faz com que isso ocorra? Ou seja, por que cada organização possui um DNA que identifica suas peculiaridades de forma tão expressiva. A resposta pode ser encontrada na cultura organizacional - um processo de aprendizagem coletiva que forma competências essenciais importantes e que servem de fonte de diferenciação competitiva. "Ninguém tem controle total sobre esse processo. A cultura organizacional se desenvolve em torno da visão de negócios do fundador e das suas formas de trabalhar", enfatiza Carmen Migueles, diretora da Symballein - empresa especializada no diagnóstico estratégico de intangíveis para empresas. Em entrevista concecida ao RH.com.br, Migueles que é professora nas áreas de Gestão Integrada de Ativos Intangíveis, Cultura, Diversidade Cultural, Gestão Estratégica de Pessoas e Antropologia do Consumo, afirma ainda que quando a cultura organizacional mostra-se como uma barreira para o crescimento ou o desenvolvimento da empresa é necessário o surgimento de lideranças que formulem uma visão da mudança e coordenem o processo de aprendizagem coletiva que garante as bases para a gestão da mudança. "Se pensarmos antropologicamente, não existe cultura estática - a cultura é dinâmica por natureza, é ela que garante a sinergia e a cooperação para interagir em cenários complexos e imprevisíveis", assinala. A entrevista com Carmen Migueles aborda outros pontos interessantes que estão relacionados diretamente ao interesse de quem atua diretamente na Gestão de Pessoas. Tenha uma agradável leitura!

RH.com.br - O que podemos compreender por cultura organizacional?
Carmen Migueles - Em termos de gestão, cultura organizacional é um poderoso fator de coordenação informal que estrutura a gestão de todos os ativos intangíveis da organização. Quando uma organização define uma missão, ela esclarece sua razão de existir para seus stakeholders e cria uma bússola para a gestão estratégica e para a gestão das suas competências essenciais. Quando essa missão dá origem a uma visão de curto, médio e longo prazos bem construída, forma-se a base para o desdobramento tático e operacional da estratégia e se formam os critérios para os processos decisórios ao longo de toda a hierarquia. Todos os membros da organização tomam decisões ao longo do dia. Mesmo nos níveis operacionais mais focados em tarefas aparentemente simples, há uma distância entre a tarefa prescrita e a tarefa real que demanda ajustes por parte do executante. Quando a cultura organizacional organiza esses processos, a sinergia entre as pessoas e os ganhos de cooperação é enorme.

RH - Quem estabelece os critérios para a formação da cultura organizacional?
Carmen Migueles - A cultura de uma organização nunca é o resultado da decisão de um indivíduo. É um processo de aprendizagem coletiva que forma competências essenciais importantes e que servem de fonte de diferenciação competitiva. Ninguém tem controle total sobre esse processo. Ela se desenvolve em torno da visão de negócios do fundador e das suas formas de trabalhar. Quando ela se mostra uma barreira para o crescimento ou o desenvolvimento da organização é necessário o surgimento de lideranças que formulem uma visão da mudança e coordenem o processo de aprendizagem coletiva que garante as bases para a gestão da mudança. Nesse sentido, a relação entre cultura e liderança é direta. É importante, no entanto, compreender a diferença entre formular uma visão e apoiar as pessoas no desenvolvimento das formas de atingi-la e tentar controlar as pessoas via cultura. Culturas organizacionais que são fonte de vantagem competitiva não se desenvolvem por um plano de um gestor dominador. As pessoas não são manipuláveis nesse nível e querer fazer isso é uma forma de delírio autoritário. Empresas com esse tipo de comando criam formas de Gestão de Pessoas que são opostas a que se quer implantar quando se pensa em gestão pela cultura, que constrói as bases para a flexibilidade da organização e para a gestão do conhecimento.

RH - É correto afirmar que a cultura de uma organização é o reflexo do comportamento das pessoas que a formam?
Carmen Migueles - Cultura e comportamento são duas coisas muito diferentes. Pessoas de uma mesma cultura podem comportar-se de formas muito diferentes. Eu afirmaria o contrário: o comportamento das pessoas é reflexo da sua cultura, da interpretação do contexto que essas pessoas fazem e das suas características subjetivas. Se o objetivo é afetar os comportamentos é necessário trabalhar nesses três fatores.

RH - Quais os principais pilares de uma cultura organizacional?
Carmen Migueles - A cultura organizacional, no seu núcleo, é uma forma compartilhada de compreender a essência e a natureza do negócio e da sua forma de entregar valor. Ela pode ser trabalhada com esforços de desenvolvimento da capacidade das pessoas de cooperar na mesma direção e agir de acordo com certos valores fundamentais para o sucesso do negócio. É importante notar que agir baseado em valores pressupõe capacidade de decidir e agir com autonomia. Há uma relação inversa entre autoritarismo e aceitação da distância entre a base e o topo de uma organização e sua capacidade de trabalhar o desenvolvimento organizacional via cultura.

RH - A cultura de uma organização está em constante evolução?
Carmen Migueles - Se pensarmos antropologicamente, não existe cultura estática - a cultura é dinâmica por natureza, é ela que garante a sinergia e a cooperação para interagir em cenários complexos e imprevisíveis. Quando se fala em preservar cultura, não é no sentido de mantê-la intacta, mas de manter a sua capacidade de produção de entendimento, cooperação e confiança entre os membros de uma empresa.

RH - O que fortalece a cultura de uma empresa?
Carmen Migueles - A cultura de uma empresa é derivada da interação dinâmica entre quatro fatores: a sua base material, que dá condições objetivas para que as pessoas trabalhem ou não orientadas por valores; sua estrutura de processos, que organiza ou não a interação com foco em certos tipos de resultados; as condições políticas que define o quanto de suporte e abertura as lideranças oferecem para que as pessoas possam colaborar no seu nível de competência máxima, a identidade e os valores da organização. Quando o alinhamento entre esses quatro elementos não se dá, a cultura não passa de discurso vazio e não se concretiza como competência da organização para entregar o que ela se propõe. Não é possível a liderança criar uma cultura de excelência e não investir em máquinas e equipamentos para ter uma manutenção adequada, nem querer resultados excepcionais e não criar mecanismos para o desenvolvimento dos processos. Ninguém busca resultados extraordinários sem suporte da liderança e fica muito difícil entregar de forma surpreendente sem saber qual é o resultado esperado e a missão.

RH - Quais são os fatores que abalam e colocam em risco essa mesma cultura?
Carmen Migueles - Ações autoritárias, desalinhamento entre prática e discurso, um discurso lindo sobre o que deve ser e falta de suporte para que as pessoas possam fazer de fato, falta de planejamento, foco na tarefa, no curto prazo, fatalismo - o mundo é assim, não há nada que possamos fazer para mudar -, e foco no retorno financeiro de curto prazo é o que mais prejudica a gestão pela cultura.

RH - Existe uma linha de estudiosos que assegura que existem duas culturas organizacionais nas empresas: a formal e a informal. A senhora concorda?
Carmen Migueles - Não. Há a cultura da organização. Ponto. O que seria uma cultura formal? Diretrizes no papel? O papel aceita tudo. Por que chamar o plano idealizado de cultura formal?

RH - Mas supondo que existam duas culturas, uma formal e outra informal, é pertinente e possível estabelecer um equilíbrio entre ambas?
Carmen Migueles - O máximo que faz sentido falar é sobre a relação entre a cultura atual e um estágio desejado. A relação entre ambas se dá primeiro via um bom diagnóstico, que permita conhecer todos os traços e as características da cultura atual e realizar um plano de desenvolvimento de desenvolvimento para atingir o estágio desejado.

RH - Em que momento a cultura organizacional, costuma mais se evidenciar no dia a dia de uma empresa?
Carmen Migueles - A cultura está presente em todos os momentos. Ela é invisível, por isso não percebemos. Ela está em todos os processos decisórios, na forma como se realizam as atividades, nas definições sobre o que é qualidade, o que é inovação, o que é resultado dentro daquela empresa.

RH - A disseminação da cultura de uma empresa deve contar sempre com presença da área de RH?
Carmen Migueles - Sim e não. O desenvolvimento da cultura é atribuição da liderança. Mas é claro que uma área de RH estratégica pode monitorar a cultura, investir em desenvolvimento de lideranças para aumentar a sua capacidade de ação sobre a cultura organizacional, diagnosticar lacunas entre o estágio atual e o desejado e apoiar no desenvolvimento de planos de ação e nos mecanismos de avaliação de progresso, entre outras.

RH - Em relação aos líderes, por que eles se tornam agentes fundamentais para a contextualização da cultura?
Carmen Migueles - Os líderes moldam a cultura. E são eles também que a mudam, normalmente em cenários de crise. A cultura de uma organização depende dos líderes por duas razões: em primeiro lugar, porque são os líderes que apontam para a missão e definem a visão e os objetivos de curto e médio prazos que levam à sua realização. E porque para orquestrar mudanças dessa ordem é necessário ter acesso privilegiado aos recursos materiais e políticos que permitem interferir na realidade humana concreta. Não se muda cultura com discurso apenas. É necessário acesso aos meios e aos recursos para realizar as transformações. Gestão pela cultura não depende só de um exercício de vontade. Depende da orquestração dos elementos que apresentei anteriormente.

Palavras-chave: | Carmen Migueles | cultura organizacional 
FONTE: http://www.rh.com.br/Portal/Mudanca/Entrevista/8352/cultura-organizacional-um-processo-de-aprendizagem-coletiva.html 

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